A urgência de uma educação personalizada
A educação, em sua forma mais nobre, deveria ser o espaço onde a curiosidade se encontra com o conhecimento, onde a mente humana é convidada a explorar, errar e reconstruir o mundo à sua maneira. No entanto, o modelo educacional vigente insiste em transformar esse processo em uma linha de montagem. Todos aprendem os mesmos conteúdos, da mesma forma e no mesmo tempo. É um modelo que acredita que padronizar é igualar, quando, na verdade, padronizar é apagar as diferenças que nos tornam humanos.
A escola brasileira ainda funciona segundo a lógica industrial do século XIX. Alunos enfileirados, currículos rígidos, provas padronizadas e professores pressionados a cumprir cronogramas. O resultado é uma educação que mede o que é fácil mensurar, mas ignora o que é realmente importante: o potencial singular de cada estudante. Essa estrutura, que trata o aluno como produto e não como pessoa, fere o princípio mais básico da pedagogia: o de que aprender é um ato profundamente individual.
Cada mente possui um modo único de aprender. Howard Gardner descreveu isso com precisão ao propor a teoria das múltiplas inteligências: a inteligência linguística, lógico-matemática, espacial, musical, corporal, interpessoal, intrapessoal e naturalista. No entanto, a escola tradicional continua a privilegiar apenas duas delas: a lógico-matemática e a linguística. As demais são tratadas como talentos secundários, quando, na verdade, representam expressões legítimas da genialidade humana. O sistema educacional, ao negar essa diversidade, condena milhões de alunos a se sentirem incapazes simplesmente porque não se encaixam no molde.
Essa rigidez atinge com particular crueldade os neurodivergentes. Estudantes com dislexia, TDAH, autismo e outras formas de funcionamento cognitivo enfrentam um ambiente que os avalia por critérios que jamais foram desenhados para eles. A neurodiversidade, conceito formulado por Judy Singer, ensina que cérebros diferentes não são defeitos a corrigir, mas variações legítimas da natureza humana. O modelo educacional, porém, continua preso à ilusão de que existe uma forma correta de pensar. Tudo o que escapa ao padrão é rotulado como erro ou desatenção.
Eu mesmo, como disléxico, vivi essa tensão. Lembro-me de quando as letras pareciam se mover nas páginas e cada prova era menos um teste de conhecimento e mais uma corrida contra o tempo. Eu não tinha dificuldade em entender as ideias, mas em traduzi-las no formato que o sistema exigia. Descobri, com o tempo, que meu desafio não era aprender, mas adaptar-me a um modelo que nunca foi feito para mim. A escola tradicional me ensinou muito sobre o conteúdo, mas pouco sobre mim mesmo. Não falhou em transmitir informações, mas em reconhecer que há diversas formas legítimas de aprender.
Essa falha estrutural não é apenas pedagógica, mas moral. Uma sociedade que educa a partir da homogeneização nega a individualidade. A escola, ao se tornar instrumento de padronização, perde sua função libertadora e assume papel de controle. Hannah Arendt, em seu ensaio A Crise na Educação, alertava que o papel da educação é introduzir o novo no mundo e não perpetuar o mesmo. Uma escola que força todas as mentes a pensarem do mesmo modo não educa: adestra.
Sob o prisma econômico e institucional, o problema é igualmente grave. O Estado centraliza currículos, métodos e avaliações como se a inteligência pudesse ser administrada por decreto. Como advertiu Friedrich Hayek, a pretensão de conhecimento centralizado é o maior erro das instituições modernas. Nenhum burocrata é capaz de compreender a complexidade do aprendizado humano. O resultado dessa centralização é um sistema que gasta cada vez mais e entrega cada vez menos: segundo o Censo Escolar de 2023, mais de 600 mil alunos com algum tipo de deficiência ou transtorno do neurodesenvolvimento estão matriculados no ensino básico, mas apenas uma minoria recebe acompanhamento pedagógico individualizado. A inclusão, no papel, é ampla; na prática, é superficial.
O mercado de trabalho, por sua vez, exige o oposto do que a escola ensina. Valoriza criatividade, pensamento crítico, colaboração e autogestão, competências raramente estimuladas por métodos baseados em memorização e repetição. Gary Becker, ao estudar o capital humano, demonstrou que a prosperidade de um país depende de sua capacidade de alocar adequadamente os talentos de seus cidadãos. O Brasil, ao insistir em um modelo de ensino uniforme, desperdiça inteligências que não se encaixam no molde. O disléxico que poderia ser um excelente designer gráfico, o autista que seria um programador brilhante ou o hiperativo que poderia liderar um projeto inovador acabam desmotivados, sem espaço para expressar seu potencial.
O avanço tecnológico, porém, abre um horizonte de possibilidades. A personalização do ensino, antes utopia, hoje é realidade possível. Plataformas digitais, inteligência artificial e metodologias adaptativas permitem ajustar o ritmo, a linguagem e o formato do conteúdo ao perfil cognitivo de cada aluno. Isso não significa substituir o professor, mas ampliar sua capacidade de compreender o indivíduo. Um bom educador do século XXI será menos transmissor de informações e mais arquiteto de trajetórias de aprendizado.
A liberdade educacional é o elemento central dessa transformação. Milton Friedman já defendia, em Capitalismo e Liberdade, que o Estado deveria financiar a educação, mas não monopolizá-la. A concorrência entre escolas, metodologias e abordagens seria a forma mais justa de garantir qualidade e inovação. A educação personalizada floresce em ambientes livres, não sob a tutela de diretrizes centralizadas. Quando o Estado se limita a garantir acesso e transparência e não a ditar métodos e conteúdos, o aprendizado se torna um campo fértil para a diversidade intelectual.
O futuro da educação passa, portanto, por uma reestruturação moral e institucional. Precisamos abandonar a crença de que igualdade é sinônimo de uniformidade. Igualdade de oportunidades não significa igualdade de caminhos. O aluno não deve ser moldado à escola; a escola deve se adaptar ao aluno. Isso exige investimento em formação docente, flexibilidade curricular e integração tecnológica. Mas exige, sobretudo, uma mudança de mentalidade: reconhecer que aprender é um processo plural, profundamente humano e, por isso, irredutível a padrões.
Educar é libertar, e a liberdade só existe quando o indivíduo é respeitado em sua singularidade. A dislexia, o autismo, a hiperatividade e tantas outras formas de neurodivergência não são falhas de design, mas expressões da complexidade da mente humana. Uma educação que acolhe essas diferenças não é apenas mais justa, é mais inteligente. O futuro da educação, se quiser ser verdadeiramente humano, deve deixar de medir o aluno pela régua do sistema e começar a medir o sistema pela capacidade de fazer cada aluno florescer.



