A Nova Faixa 4 do MCMV: democratização do crédito ou distorção de mercado?

Print Friendly, PDF & Email

Em julho de 2025, um levantamento divulgado pelo Valor Econômico revelou um dado surpreendente: até 65% das unidades que antes eram comercializadas diretamente pelas incorporadoras passaram a se enquadrar na nova faixa 4 do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), voltada a famílias com renda entre R$ 8.600 e R$ 12.000. A mudança, segundo uma empresa de crédito imobiliário que analisou a carteira de 60 incorporadoras, representa, segundo a análise, uma possível reorientação nas estratégias comerciais do setor. Mas o que parece, à primeira vista, uma ampliação do acesso à moradia pode esconder riscos estruturais e interferências perigosas.

Com o avanço da faixa 4, há uma tendência de queda nas vendas diretas, segundo análises do setor. Para contornar a limitação de liquidez imediata dos compradores, muitas incorporadoras seguem recorrendo ao chamado pró-soluto, que consiste no parcelamento da entrada do imóvel feito diretamente com o cliente. Embora essa prática viabilize negócios fora do escopo do MCMV, ela carrega um custo elevado: a inadimplência nesse modelo chega a ser de 5 a 10 vezes maior que nos financiamentos bancários, segundo a empresa de crédito imobiliário Liquid.

Além disso, o valor da entrada, que antes girava entre 15% e 30% do imóvel, tem recuado significativamente. Isso indica uma diminuição da capacidade de amortização inicial por parte dos compradores, ao mesmo tempo em que eleva o risco das incorporadoras que, pressionadas pela necessidade de manter o giro de estoque, buscam acelerar as vendas mesmo com menor segurança contratual.

Para mitigar os riscos de caixa, muitas dessas empresas utilizam frequentemente os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) para antecipar seus recebíveis. Mas o setor teme a proposta em discussão de tributar esses papéis em 5%, o que poderia comprometer uma das principais fontes de capital de giro. Em suma: mais dependência de subsídios, mais exposição a inadimplência e menos autonomia financeira.

Esse cenário ilustra, com exatidão, o que Murray Rothbard definiu como “intervenção binária” em Governo e Mercado: quando o Estado força o indivíduo ou o mercado a aceitar uma troca compulsória com ele via impostos ou subsídios. Nas palavras do economista: “Os subsídios prolongam a vida das empresas ineficientes, redistribuindo recursos de maneira coercitiva, sem respeito à escolha voluntária dos consumidores.”

A lógica da nova faixa 4 do MCMV se encaixa com precisão nesse diagnóstico. O governo não apenas subsidia o comprador, mas também altera os incentivos de venda e precificação das incorporadoras, mascarando riscos, mantendo estratégias comerciais que talvez não se sustentassem em um ambiente verdadeiramente competitivo. A consequência? Redução da eficiência alocativa e artificialização do mercado imobiliário.

Resta a pergunta: estamos diante de um instrumento de democratização do crédito ou de mais uma distorção estatal que posterga os ajustes naturais de um mercado que precisa amadurecer? O subsídio hoje pode significar inadimplência amanhã, e, quanto mais se disfarçam os riscos, mais frágil se torna a estrutura que sustenta o setor. Talvez seja hora de parar de preservar mercados frágeis com muletas fiscais e começar a confiar na força dos sinais reais de mercado.

*Milena Moscon é associada do Instituto Líderes do Amanhã. 

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal trabalha para promover a pesquisa, a produção e a divulgação de ideias, teorias e conceitos sobre as vantagens de uma sociedade baseada: no Estado de direito, no plano jurídico; na democracia representativa, no plano político; na economia de mercado, no plano econômico; na descentralização do poder, no plano administrativo.

Deixe uma resposta

Pular para o conteúdo