A lógica que quebra empresas está sustentando o Estado brasileiro
A remuneração cumpre, nas instituições, o papel do eixo silencioso de uma engrenagem: quase imperceptível, mas decisivo para o funcionamento harmônico do todo. Quando esse eixo se desvia, premiando a permanência em detrimento da entrega, compromete-se não apenas a eficiência do sistema, mas sua integridade. No setor privado, tal distorção gera percepções de favoritismo, injustiça e ausência de oportunidades reais de crescimento, segundo pesquisas do Great Place to Work. Já no Estado brasileiro, esse desalinhamento foi naturalizado. Supersalários, progressões automáticas e benefícios cumulativos não são desvios eventuais, mas traços estruturais de um modelo remuneratório que ignora princípios elementares de equidade, competitividade, meritocracia e sustentabilidade econômica.
Com essa lógica, a estrutura de Cargos e Salários tem como princípio mapear a missão, as responsabilidades e competências técnicas e comportamentais exigidas para cada função. Esse diagnóstico funcional não apenas esclarece o papel de cada colaborador como também permite a criação de faixas salariais equilibradas, que variam entre 70% e 120% da média de mercado. Tais faixas são ancoradas em dados atualizados, organizados por percentis (P10, P50, P90), refletindo as práticas salariais mais baixas, medianas e mais elevadas para funções semelhantes.
Esse modelo técnico promove equidade interna e competitividade externa, criando o ambiente ideal para a aplicação de critérios objetivos de progressão: entregas, avaliações periódicas, produtividade, capacitação contínua. Não se remunera presença, mas contribuição, e não se reajusta por decreto, mas por indicadores confiáveis.
Nos Estados Unidos, o General Schedule do funcionalismo federal limita salários por níveis e exige avaliações para progressão. Na Alemanha, o Tarifvertrag für den öffentlichen Dienst (TVöD) impõe faixas salariais por função, com reajustes condicionados à produtividade e congeláveis em tempos de crise. Ambos reconhecem a escassez de recursos públicos e a necessidade de zelar por mérito.
No Brasil, dados do TCU revelam que mais de 25 mil servidores recebem acima do teto constitucional de R$ 44.000. Somam-se a isso os R$ 17 bilhões já comprometidos até 2027 com os novos reajustes autorizados pela Lei 15.141/2025. Essa política é sustentada por uma cultura de progressões automáticas, adicionais cumulativos, decisões judiciais e ausência de indicadores mínimos de desempenho.
Mises alertava que incentivos distorcidos em ambientes sem concorrência geram ineficiência crônica. Sowell demonstrou que premiar quem não entrega rompe o vínculo entre mérito e recompensa. Dalio defende que sistemas saudáveis operam com transparência e meritocracia de ideias, não com estabilidade automática. Cada um, a seu modo, antecipou os riscos de governos que abandonam critérios e premiam a inércia.
O maior desafio do Estado brasileiro não é conter gastos, mas abandonar a lógica que premiaria a falência em qualquer empresa. O salário, em qualquer instância, deve refletir contribuição. Quando é vinculado à estabilidade e à permanência, o sistema perde consistência. Enquanto o mercado foi forçado a alinhar mérito e recompensa para sobreviver, parte do setor público permanece operando sob engrenagens desalinhadas. O mercado aprendeu. O Estado precisa aprender antes que pare de vez.
*Rayane Fernandes Goncalves Borges é associada do Instituto Líderes do Amanhã.