A liberdade está em risco na Alemanha?

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Elon Musk e o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, manifestaram, nos últimos meses, preocupação com possíveis ameaças à liberdade na Alemanha — especialmente após o serviço de inteligência interna do país (Verfassungsschutz) classificar o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) como um “grupo de extrema direita”.

Marco Wanderwitz, político da CDU (partido liderado por Friedrich Merz, que deve ser eleito chanceler na próxima terça-feira), acredita que o relatório da inteligência criou uma base mais sólida para uma possível proibição do AfD: “Acredito que a reclassificação feita hoje pelo Escritório Federal para a Proteção da Constituição, respaldada por um relatório com mais de mil páginas de evidências, de fato sinaliza um avanço nesse sentido”. Referindo-se ao relatório de 1.100 páginas que detalha as ações e ideologias do AfD, Wanderwitz prosseguiu: “Enquanto o AfD mantiver o nível atual de influência, tanto no mundo físico quanto no digital, e continuar alimentando seus apoiadores diariamente com ódio, provocações e ideologias extremistas, será praticamente impossível para os partidos democráticos reconquistar a grande maioria dos eleitores do AfD que não têm visões de mundo extremistas profundamente enraizadas”. Por isso, Wanderwitz conclui que o AfD precisa ser “eliminado, por assim dizer, se quisermos ter sucesso”.

O atual debate na Alemanha é, de fato, preocupante — e, em certos momentos, até grotesco. No X, Georg Restle, apresentador de um dos principais programas políticos da TV pública alemã (Monitor), exigiu: “Inimigos da constituição não devem ter espaço. Nem em talk shows, nem no Tagesschau.” O Tagesschau — o telejornal mais assistido da Alemanha — já anunciou que passará a se referir ao AfD como um “grupo de extrema direita” em todas as reportagens futuras. Para Restle, isso está longe de ser suficiente. Ele quer que políticos do AfD sejam proibidos de falar na televisão. Tudo isso acontece num momento em que todas as pesquisas apontam o AfD como o partido mais forte ou o segundo mais forte do país.

O aspecto mais absurdo da discussão atual é que quase ninguém viu, de fato, o relatório de 1.100 páginas da inteligência alemã – ele é confidencial. Políticos de outros partidos não o viram, o AfD não o viu e os jornalistas que estão escrevendo sobre ele também não. Apenas a revista Der Spiegel, de orientação mais à esquerda, afirma ter tido acesso ao documento.

Um dos argumentos contra a publicação do relatório é que isso poderia comprometer a identidade de informantes confidenciais dentro do AfD. Outro argumento é que o partido logo terá acesso ao documento de qualquer forma — ainda que com trechos censurados — caso, como se espera, entre com uma ação judicial contra a classificação de “grupo de extrema direita”. Mas, logicamente, se o AfD vai poder ler o relatório mais adiante, mesmo que parcialmente censurado, por que não permitir o acesso agora?

De qualquer forma, é razoável supor que a maior parte do relatório se baseia em fontes de acesso público e que apenas uma pequena parte tem como base depoimentos de informantes infiltrados – embora isso também não passe de especulação, já que quase ninguém envolvido no debate realmente conhece o conteúdo do relatório. Há uma suspeita de que o principal motivo pelo qual o relatório não está sendo publicado seja o fato de que seus autores sabem que ele contém muitas afirmações polêmicas e passíveis de contestação.

Segundo uma investigação do jornal diário Die Welt, o relatório cita uma série de exemplos do que chama de caráter extremista do AfD, incluindo a seguinte declaração de um membro do partido no X: “Políticas migratórias fracassadas e o abuso do sistema de asilo levaram à importação de centenas de milhares de pessoas vindas de culturas profundamente retrógradas e misóginas.”

Claro, esse é apenas um dos muitos exemplos presentes no relatório, mas ele destaca a importância de se poder analisar criticamente as demais citações e referências apresentadas pelo “Verfassungsschutz”. Em vez de fazerem seu trabalho e avaliarem os argumentos contidos no relatório, os jornalistas que aceitam cegamente suas conclusões sem sequer tê-lo lido estão, na prática, atuando como porta-vozes do governo e do serviço de inteligência.

Pessoalmente, tenho uma visão crítica sobre o AfD e sua evolução nos últimos dez anos. O partido foi fundado com princípios conservadores-libertários. No entanto, apenas três dos 18 membros fundadores ainda fazem parte do partido hoje. Muitos saíram do AfD porque se opunham à mudança constante do partido em direção à extrema direita. Figuras como Björn Höcke, influente presidente da associação regional da Turíngia e defensor de posições de direita anticapitalistas, ganharam destaque, enquanto muitos economistas de mercado e conservadores moderados deixaram o partido frustrados. Ao mesmo tempo, parece que o presidente do partido, Tino Chrupalla, baseia seus discursos em argumentos elaborados em Moscou.

Você não precisa gostar do AfD para se preocupar com a forma como o partido está sendo tratado. Nos últimos anos, as liberdades civis têm sido cada vez mais restringidas na Alemanha. Um episódio notório ocorreu quando o Deutschland-Kurier, um portal de notícias ligado ao AfD, compartilhou uma imagem editada da ministra do Interior, Nancy Faeser. Na foto manipulada, Faeser aparece segurando uma placa com os dizeres: “Eu odeio a liberdade de expressão!”

Mais tarde, foi revelado que a imagem havia sido manipulada. A foto original, divulgada pelo Ministério do Interior, foi tirada em uma ocasião diferente e muito mais séria: o Dia em Memória do Holocausto. Na imagem original, as palavras na placa de Faeser diziam: “Nós lembramos.” Um tribunal condenou o editor David Bendels a sete meses de prisão com suspensão da pena por criar e divulgar intencionalmente a imagem manipulada, espalhando assim uma “afirmação difamatória e falsa” sobre uma figura política.

Em outro caso, a polícia apareceu na casa de um homem às 6 da manhã porque ele havia chamado o ministro da Economia, Robert Habeck, de “idiota” pela internet. Esses são apenas dois exemplos entre muitos de como a liberdade está sendo cada vez mais restringida na Alemanha, o que tem deixado muitos alemães preocupados — e com razão.

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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