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A jihad olaviana e o conservadorismo independente

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Certa vez escutei a seguinte frase num ônibus: “Cristo era ‘daora’, foda são os cristãos”; guarda lá suas verdades teológicas tal reflexão, mas gostaria de usá-la com outro propósito aqui. Eu sinceramente gosto dos escritos de Olavo de Carvalho ― aqueles que são mais próximos de mim sabem disso ― e, apesar de não concordar com tudo que ele escreve ou fala, nem de longe acho sua obra dispensável: seus livros possuem uma coerência interna e, para o bem ou para o mal, dependendo do tipo de filosofia que você se achega, estará diante de um manancial verdadeiro de riquezas. Apenas não trato Olavo como um semideus da filosofia; um ser inerrante, irretocável e incriticável. Ponto. Aliás, é assim que geralmente eu trato os notáveis: respeito, sempre; jamais, porém, os adoro.

Devemos sempre ter um olhar de curador e a sensibilidade dos olhos de uma águia para perceber aquilo que serve ou não para o nosso caráter e intelecto; radicalismos, brigas tolas e queimas de ideias por atacado, tais coisas realmente não são dignas de mentes evoluídas.

Mas a casta dos seguidores de Olavo ― não todos, mas um grupo nada pequeno de militantes ―, age como manada histérica, pessoas que ardorosamente defendem as posições de Olavo, não por julgarem-nas corretas após depuradas por análise centrada, mas simplesmente porque tais ideias vieram do Olavo. Agem como se o escritor fosse uma espécie de profeta autocrata, cujas ações e opiniões não podem ser contestadas sem que o califado fiel prontamente ataque o ousado transgressor que contesta a quase divindade.

“Se não concorda comigo, então é meu inimigo”; esta é uma posição cada vez mais adotada pelos militantes políticos ― de esquerda ou direita ― no atual Brasil das facções opinativas. É uma mistura de “fanatismo”, “jurisprudência de turba” e um “autoconvencimento sincero”.

O fanatismo é autoexplicativo, seja baseado em religião, em ideologia política, ou, como chamava Roger Bastide e Raymond Aron: “religião política”. Tais fieis veem em suas práticas políticas ― geralmente através das redes sociais ― uma espécie de ação última pela salvação ou defesa da sociedade, país, família, civilização, partido, ideologia, etc. Aquilo que J. L. Talmon chamava de “Hybrys”, isto é, a crença que pelo poder político o homem chega à salvação final.

Dessa maneira, sob o mesmo impulso revolucionário de que “os fins justificam os meios”, agem a fim de calar, desmoralizar e achincalhar todos aqueles que ousam contestar a pureza das ideias oficiais de sua religião política ou de seu mestre.

A jurisprudência de turba, todavia, é algo um tanto quanto mais racional, apesar dos frutos serem os mesmos do fanatismo. Talvez por preguiça intelectual, ou por uma confiança paternal excessiva nas opiniões do mestre, o seguidor previamente julga: “O mestre teve razão tantas vezes em outros casos, se ele diz ser essa a verdade dos fatos, então deve ser mesmo”; eis o que denomino de “jurisprudência de turba”. E isso ― para uma mente alienada ― basta para que a inferência de seu professor se torne a verdade última, uma análise inconteste e irrevogável, digna de ser defendida de todo e qualquer tipo de crítica. O fiel, dessa maneira, defende previamente as ideias do mestre sem considerar, nem por um instante, a possibilidade humana de que naquele caso específico o mestre possa estar errado, que sua leitura dos fatos possa naturalmente ter se turvado.

Por fim, o autoconvencimento sincero diz respeito ao indivíduo que molda as suas impressões pessoais ao do mestre. Ainda que tenha de quebrar a espinha dorsal de suas análises para que ela caiba na caixa argumentativa do amado, ou pior, ainda que internamente desconfie e até desaprove os rumos e verdades declaradas pelo mentor, ainda assim o discípulo prefere se autoconvencer de que os seus olhos não são tão confiáveis quanto os de seu guru, que seu cérebro é menos fiável do que o do mestre.

As razões para agir assim são as mais diversas: por medo da congregação dos fiéis que o achincalharia; por buscar uma autoafirmação de caráter psicológico, gerando assim uma inebriante confiança e uma fantasmagórica sensação de poder; para poder pertencer a um grupo coeso; por buscar um sentido para a sua vida estagnada e/ou entediante; entre outras coisas análogas que somente um indivíduo inseguro ou sedento por autoafirmação poderia buscar num grupo de pensamento único.

Por não me encontrar nem entre a turba dos olavetes, muito menos figurar na patota do antiolavismo, ambos os lados me tacham de “isentão”. Uma pecha que não me ofende e nem me glorifica, apenas diz que estou cumprindo exatamente com minha obrigação mais basilar enquanto aspirante a filósofo e analista político, isto é: ser suficientemente livre para não depender de aplausos e paparicagens. Tornar-me refém de ideias, ou um seguidor cego de pessoas, sequer é uma opção para mim.

Se um filósofo não é livre para discordar de seus superiores e de seus influenciadores, então ele não é capaz de filosofia. Eric Voegelin, o maior filósofo do século XX, aconselhava-nos a fazer uma anamnese de nossas ideias, uma espécie de inventário das influências que compõem o nosso imaginário e psique. Somente após ter o controle e liberdade frente a tais influências e ideias, poderíamos cogitar a possibilidade de fazer filosofia de verdade. Confesso que não alcancei tal grau ainda, sou apenas um rapaz que luta diariamente por consegui-la. Todavia, render-me às tentações das luzes de palco e às bonanças dos “escolhidos”, realmente não é algo que me seduz tanto quanto a liberdade de poder dizer o que julgo digno de ser dito.

Platão marcava o início da maturidade filosófica quando rompíamos com as paredes das cavernas, abandonando assim os mitos, alienações e as sombras que nos impelem ao medo, ao silêncio, à opressão e à escuridão do fanatismo. Apegar-se ao fideísmo ideológico, para os indivíduos fanatizados, tornou-se motivo de orgulho e de elevação moral; um contrassenso digno de manicômio.

Hoje fui achincalhado por alguns desses fanatizados seguidores de Olavo de Carvalho, a jihad da direita brasileira. Meu erro(?): julgar que poderia criticar a atuação desestabilizadora do escritor e do vice-presidente no atual governo de Bolsonaro. E vejam só, critico Mourão desde a época em que boa parte dos seguidores de Olavo o elogiava e dizia “ser estratégico” escolher Mourão para vice; também critico Olavo naquilo que julgo ser errado em suas posições e ações. Num mundo livre, nada de anormal; mas quem mandou desaprovar o deus único do conservadorismo brasileiro…? Muitos diziam em meus posts que eu era ingrato ― como se devesse algo a Olavo ―, outros julgaram que apenas estava “pagando de isentão”. Xingamento interessante e, de certa forma, elogioso, se ser isentão significar não ser como eles.

Até aqui eu fiz o meu caminho, escrevi o meu diário e estratifiquei os meus rumos. Não devo nada a grupo nenhum, nunca pedi apoio de ninguém, nunca pagaram minhas contas e nem comprarão as fraldas de meu filho. Por isso, e muito mais, não me importo com as suas desaprovações. E aquelas ajudas que recebi por pura bondade dos poucos e sinceros amigos que tenho, pretendo devolvê-las com juros e correção, nem que seja com orações. Os agradecimentos que eu devo são a mim mesmo e aos que se dispuseram a me ajudar quando estava me afogando em tarefas, lamúrias pessoais e deveres acumulados. Repito, não devo nada a ideologias, partidos ou mentores.

No ramo da análise política você pode escolher dois rumos: achegar-se às torres e “fechar” com o rei; ou ficar na praça e, ainda que apoie e suporte o coroado, não se amarrar a ele e nem lhe fazer juras amores e obediências eternas.

Hoje sou livre para elogiar ou criticar o status quo, para aplaudir ou vaiar o governo, para ser conservador, liberal, ou liberal-conservador à medida que eu achar prudente, e tudo isso está sendo construído sob o peso de críticas e ataques pessoais. Tudo bem, isso me orgulha. Isso se chama, aliás, ser coerente com a minha própria liberdade de expressão, e não buscar a pseudocoerência das correntes, ideologias e mentores. A coerência com liberdade é um espólio que pretendo passar para ao meu filho.

No entanto, bem sei que liberdade tem um preço duro a ser pago, o de não ser afagado nem quase nunca aplaudido, mas o alento da autonomia, meus caros, é gratificante. Ser livre para falar o que pensamos, segundo a bagagem intelectual e experiencial que carregamos, contando com o caráter e a responsabilidade que nos sustenta, deveria ser um esporte para os indivíduos que amam o frescor da independência. Não ser carregado nos ombros da multidão.  É isso que me encanta: não ser carregado.

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Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, ensaísta do Jornal Gazeta do Povo e editor na LVM Editora.

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