A grande virada da esquerda – construindo uma Europa conservadora
Os últimos anos testemunharam uma mudança radical nas noções tradicionais de esquerda e direita, tanto na Europa quanto na América do Norte. A esquerda costumava se identificar com o socialismo. Nos anos 1920, isso significava a abolição do direito à propriedade privada dos meios de produção e, consequentemente, o fim da “exploração” da classe trabalhadora pelos capitalistas. Nos anos 1940, o socialismo passou a significar o planejamento econômico centralizado, no qual as pessoas, em sua maioria, podiam manter formalmente seus direitos de propriedade, mas os planejadores deveriam direcionar os esforços individuais para os canais considerados mais eficientes ou socialmente aceitáveis. Já nos anos 1960, isso se traduzia em impostos elevados e ampla redistribuição, não necessariamente dos ricos para os pobres, mas sobretudo daqueles mais fáceis de tributar para os grupos com maior influência política. Mas o socialismo fracassou em todas essas três variações. O sistema soviético entrou em colapso. A social-democracia à moda sueca esbarrou na realidade e acabou sendo abandonada discretamente (Quando Margaret Thatcher foi questionada sobre sua maior conquista, ela respondeu: “Tony Blair”).
A esquerda domina as universidades e a mídia
A esquerda não conquistou o mundo, porque o socialismo não funcionou. Mas aquilo que ela acabou conquistando foram as universidades e a mídia. Um dos motivos é que pessoas competentes de direita tendem a se tornar empreendedores, investidores, empresários, gestores, médicos e engenheiros, enquanto intelectuais competentes de esquerda acabam se tornando professores universitários, docentes e jornalistas. Essa tendência foi reforçada pelo fato de que os esquerdistas defendem suas opiniões com muito mais intensidade e com muito menos tolerância do que os direitistas. Professores universitários de direita costumavam contratar novos docentes mais ou menos independentemente de suas posições políticas. Já professores de esquerda só contratavam outros esquerdistas. Assim, pouco a pouco, as universidades foram sendo dominadas. O mesmo viés de auto seleção passou a ser observado na mídia. Deixados à própria sorte, universidades e meios de comunicação tendem a se deslocar para a esquerda.
As vítimas reais desaparecem, a esquerda inventa novas
As universidades deixaram de ser fóruns para a livre competição de ideias e passaram a se tornar veículos das mudanças sociais que a esquerda almejava. Os jornalistas deixaram de relatar o que realmente estava acontecendo e se transformaram em animadores da esquerda. Mas que mudanças sociais eram essas que a esquerda desejava? Sua missão histórica (e nobre) sempre fora lutar pelos pobres e pelos marginalizados. Porém, ao final do século XX — ao menos no Ocidente —, essas questões haviam deixado de ser urgentes. A pobreza havia sido em grande parte eliminada, e minorias étnicas e sexuais já não eram oprimidas. A esquerda havia perdido sua razão de ser. Foi então que ela inventou uma. Em vez de se dedicar à tarefa cada vez mais difícil de identificar vítimas reais e lutar por elas, a esquerda simplesmente passou a criar vítimas e seus opressores — daí a cultura do cancelamento e o “wokeísmo”, a rejeição apaixonada da civilização ocidental e o acolhimento acrítico concedido a requerentes de asilo antiocidentais que afluem à Europa.
Antissemitismo e a nova utopia antiocidental
A essa altura, os partidos políticos de esquerda já eram dominados por uma nova elite formada por professores universitários, docentes, jornalistas, advogados ativistas e burocratas governamentais, sem qualquer empatia pelas preocupações e interesses da classe trabalhadora (que, por sua vez, também havia passado por uma transformação, com habilidades especializadas substituindo a força física bruta). O imaginário da esquerda também havia mudado. Nos anos 1920, a utopia era a União Soviética, e o conflito deveria ocorrer entre capitalistas e proletariado. No período do pós-guerra, a utopia passou a ser a Suécia, enquanto a ilusão da época era o corporativismo — a aliança entre o grande Estado, as grandes empresas e os grandes sindicatos. Mas a esquerda ficou sem utopias para as quais pudesse enviar delegações admiradas vindas do Ocidente e também ficou sem conflitos reais. Por algum tempo, abraçou o ecofundamentalismo (e alguns esquerdistas ainda o fazem), no qual a utopia é uma Arcádia imaginária de pássaros cantando e a grama balançando suavemente ao vento. Mais recentemente, porém, a esquerda encontrou outro país imaginário: a Palestina (que nunca existiu de fato), novos inimigos, os judeus, e um novo eleitorado, imigrantes antiocidentais. A esquerda mudou a ponto de se tornar irreconhecível, enquanto seu eleitorado tradicional, a classe trabalhadora, não tem qualquer simpatia pela nova elite de esquerda, com sua absurda cultura do cancelamento, seu “wokeísmo” e seu antissemitismo perverso. Isso cria uma oportunidade única para a direita.
*Hannes Gissurarson é professor emérito de ciência política na Universidade da Islândia e comentarista frequente sobre assuntos atuais na mídia islandesa. Autor de diversas obras, é membro da Sociedade Mont Pèlerin.



