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A Grande Degeneração: as causas da relativa decadência ocidental

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O Ocidente em geral e a América em particular são ícones de um progresso material e social sem precedentes na história da humanidade. Mas, de uns tempos para cá, esse relativo sucesso está ameaçado. O mundo ocidental vive uma fase mais estacionária, da qual a crise de 2008 foi apenas um sintoma mais grave e evidente. O que explica essa decadência?

Em seu livro A grande degeneração, Niall Ferguson tenta responder essa questão, resgatando aquelas que seriam as causas do enriquecimento dinâmico desses países. Se elas não estão mais presentes, ao menos não com a mesma vitalidade, então esse seria o principal motivo do declínio ocidental. E quais são, então, esses pilares do sucesso da civilização ocidental, que hoje se transfomaram em suas “caixas pretas”?

Ferguson tenta resumir em quatro pontos essenciais: a “democracia”, o “capitalismo”, o “estado de direito” e a “sociedade civil”. Em cada capítulo ele desenvolve o raciocínio para demonstrar como essas que foram vantagens ocidentais passaram por profundas transformações a ponto de não serem mais reconhecidas como as mesmas que existiram no passado.

O que ele aponta é uma crise tanto institucional como de valores, sendo que dá mais ênfase à primeira, e mostra grande preocupação com os efeitos disso, ainda mais quando tantos parecem focar apenas nos sintomas, deixando as causas essenciais de lado:

Minha preocupação, aqui, não é com o desenvolvimento econômico, e sim com o processo oposto de degeneração institucional. Minha pergunta abarcadora é: o que exatamente deu errado no mundo ocidental de nossos dias? Respondo a essa pergunta na crença de que, enquanto não entendermos a verdadeira natureza de nossa degeneração, estaremos perdendo tempo, aplicando remédios fraudulentos a meros sintomas. Também sou movido pelo medo de que, paradoxalmente, o estado econômico estacionário tenha consequências políticas perigosamente dinâmicas.

De forma bem sintetizada, nossas instituições apodreceram, mudaram o mecanismo de incentivos, gerando reações previsíveis dos indivíduos. A democracia, por exemplo, pariu um “welfare state”, um estado paternalista que pretende cuidar de todos “do berço ao túmulo”, que produz apenas uma dívida insustentável que usurpa o futuro das próximas gerações. Seria uma quebra no pacto de que Burke falava entre os que já viveram, os que vivem e os que ainda nem nasceram.

Ou seja, a “vontade geral” de Rousseau venceu a “parceria entre gerações” de Burke, e o resultado foi o hedonismo que gera enormes transferências entre gerações, que implicam as atuais políticas fiscais. Restaurar esse contrato social entre gerações seria o maior desafio que as democracias maduras enfrentam, segundo Ferguson. Mas poucos jovens conseguem enxergar no longo prazo. “Se os jovens norte-americanos soubessem o que é bom para eles, estariam todos no movimento Tea Party”, diz o autor. E sabemos que muitos estão, ao contrário, defendendo Bernie Sanders e o socialismo!

Além dessa mudança da democracia, o capitalismo também não é mais o mesmo. Tornou-se em todo lugar do Ocidente um “capitalismo de compadres”, com muita ingerência estatal, que desvia o foco dos empresários da busca por produtividade para a busca por privilégios. Nós brasileiros conhecemos muito bem isso, e tal modelo, que sempre existiu, chegou ao ápice durante o governo do PT, que usou o BNDES para fomentar os “amigos do rei”.

No caso do “império das leis”, o bom e velho “rule of law”, o excesso de leis tem minado esse pilar básico do mundo anglo-saxão. O Estado de Direito tem muitos inimigos, diz Ferguson, mas seus adversários mais perigosos são os autores de leis muito extensas e intricadas. Basta pensar na própria Dodd-Frank, parida como resposta à crise financeira de 2008, que produziu milhares de páginas de regulação, inclusive com coisas sem a menor ligação com o assunto, como questões climáticas ou feministas.

Uma premissa equivocada de que a causa da crise foi a desregulamentação do setor, que pode ser facilmente derrubada ao se observar como seu epicentro esteve nas empresas de hipotecas, as mais reguladas de todas, levou a uma solução ainda pior: dar mais do veneno que causou a mazela. Com tantas amarras, normas e regulações, o tiro saiu pela culatra: “Acredito que uma regulamentação excessivamente complexa é a doença da qual alega ser a cura”.

Com uma democracia refém dos populistas e demagogos, um capitalismo adulterado por doping, e um excessivo emaranhado de regras e leis complexas, resta como saída a ação de fora do sistema, ou seja, dos cidadãos. Mas eis o problema: a sociedade civil também se encontra adormecida, corrompida por incentivos perversos, influenciada por novas tecnologias que podem mais atrapalhar do que ajudar.

Ferguson não é um otimista com as redes sociais. Ele acha que ficou muito mais fácil se fechar em conclaves de pessoas que pensam igual, dar curtidas, mas não necessariamente isso levará a ações concretas: “O Facebook e outros do gênero criam redes sociais imensas, mas frágeis”. É verdade que a mobilização de milhões de brasileiros para o impeachment de Dilma sugere o contrário, mas entendo o seu ponto: são nas pequenas associações voluntárias locais que esse tecido social realmente é formado para mudanças efetivas e duradouras.

Tocqueville destacou a importância fundamental essas associações livres para o relativo sucesso da democracia na América. Mas estaria essa vantagem comparativa ameaçada hoje, no mundo do individualismo exacerbado e do estado de bem-estar social? Eis o que Tocqueville previu em A democracia na América, imaginando uma sociedade futura em que a vida associativa se extinguiu:

Vejo uma multidão infinita de homens iguais e afins que se voltam sobre si mesmos sem descanso, procurando os prazeres pequenos e vulgares com que alimentam a alma. Cada um deles, retraído e solitário, é como um estranho para o destino de todos os demais: seus filhos e seus amigos particulares formam toda a espécie humana para ele; quanto a seus concidadãos, ele está ao lado deles, mas não os vê; ele os toca e não os sente; só existe em si mesmo e para si mesmo.

Profético, não? E o modelo paternalista estatal tem tudo a ver com isso, como sabia o próprio Tocqueville: “Quanto mais o estado se colocar no lugar das associações, mais os indivíduos, perdendo a ideia de se associarem uns aos outros, precisarão de sua ajuda”. E os riscos disso são enormes para a democracia: “A moralidade e a inteligência de um povo democrático estariam em perigo, tanto quanto seu negócio e sua indústria, se o governo tomasse o lugar das associações em toda parte. É só com a ação recíproca entre os homens que os sentimentos e as ideias se renovam, o coração se engrandece e a mente humana se desenvolve”. Ferguson faz coro a Tocqueville na crença de que o estado paternalista é o responsável pela perda do sentimento de cidadania patriótica:

Como Tocqueville, acredito que o ativismo local espontâneo por parte dos cidadãos é melhor que a ação estatal centralizada não só pelos resultados, mas – o que é mais importante – pelo efeito que isso tem sobre nós como cidadãos. Pois a verdadeira cidadania não se resume a votar, garantir o sustento e andar dentro da lei. Também consiste em participar do “bando” – o grupo que vai além de nossas famílias -, que é precisamente onde aprendemos a desenvolver e implementar regras de conduta: em suma, a governar a nós mesmos. A educar nossos filhos. A cuidar dos indefesos. A combater o crime. A manter as ruas limpas.

Um lugar que poderia servir como bastião para isso seria a universidade, mas ela também está tomada por ideologia, pelo politicamente correto, por um mecanismo ineficiente de incentivos com base nas garantias aos professores independentes dos resultados. Ferguson defende os “vouchers” como alternativa, para permitir que os mais pobres possam estudar em escolas e universidades privadas, e acusa de elitismo quem lhes nega tal oportunidade. O quase monopólio estatal na essencial área da educação também é parte dos problemas.

Em suma, todos parecem preocupados com a manutenção de seus privilégios, e não mais com o entorno. O resultado é a degradação geral das instituições que outrora permitiram o avanço relativo do Ocidente. É preciso resgatar a crença de que podemos fazer algo, se começarmos pelo local em que vivemos. O próprio autor, que comprou uma casa de praia em que havia muita poluição, mobilizou-se para sua limpeza, convocando outros moradores locais. Funcionou. E ele usa esse caso de exemplo para o restante:

Nós, humanos, vivemos em uma rede complexa de instituições. Há o governo. Há o mercado. Há a lei. E há a sociedade civil. Um dia – sou tentado a afirmar que começou com o Iluminismo escocês – essa rede funcionou assombrosamente bem, com cada conjunto de instituições complementando e reforçando os demais. Esse, creio, foi o segredo do sucesso ocidental nos séculos XVIII, XIX e XX. Mas as instituições da nossa época estão desconjuntadas. É nosso desafio restaurá-las – reverter a Grande Degeneração – e voltar aos primeiros princípios que tratei de afirmar, com uma pequena ajuda de alguns dos grandes pensadores do passado, de uma sociedade verdadeiramente livre. Em síntese, é hora de limpar a praia.

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Rodrigo Constantino

Rodrigo Constantino

Presidente do Conselho do Instituto Liberal e membro-fundador do Instituto Millenium (IMIL). Rodrigo Constantino atua no setor financeiro desde 1997. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), com MBA de Finanças pelo IBMEC. Constantino foi colunista da Veja e é colunista de importantes meios de comunicação brasileiros como os jornais “Valor Econômico” e “O Globo”. Conquistou o Prêmio Libertas no XXII Fórum da Liberdade, realizado em 2009. Tem vários livros publicados, entre eles: "Privatize Já!" e "Esquerda Caviar".

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