Da esquerda para a direita: a história de Ricardo Vélez Rodríguez dentro da luta ideológica do nosso tempo

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O diário de Jonathan Harker, personagem de Bram Stoker em Drácula, tornou-se um dos mais relevantes analectos da literatura mundial, estimulando a ideia de que, sobre a liberdade conquistada (que jamais se torna perene), é preciso manter constante vigilância, sem nunca se desaperceber da sua natural fragilidade.

A novela de Stoker narra a visita de Harker (um noviço advogado) aos Cárpatos para assessorar Drácula na compra de um imóvel em Purfleet. O ambiente soturno e sedutor do Castelo leva o visitante a se interessar por desvendar o que poderia existir por trás daquelas “chamas azuis vistas em todos os lugares onde havia tesouros escondidos”[1].

Jonathan Harker, assim como Fausto[2], trilhou a linha tênue entre autonomia e servidão, e num átimo se viu cativo; mas, diferentemente de Fausto, Harker foi – aparentemente – salvo. Sorte? Talvez, pois o medo também deixa marcas profundas.

Em Da Esquerda para a Direita[3], livro autobiográfico de Ricardo Vélez Rodríguez, temos um movimento diverso daquele que projetou os intrépidos personagens de Stoker e Goethe. Nosso mestre Vélez, ao contrário de Harker e Fausto (inicialmente livres), viveu seus primeiros 30 anos sem autonomia. Antes mesmo de nascer, já tinha o destino traçado: sub-rogaria o irmãozinho prematuramente falecido, Ricardo, tanto no nome quanto no jugo de se fazer padre sem vocação.

As vicissitudes do seminário e a infiltração comunista na Igreja colombiana contaminaram o espírito de Ricardo Vélez a ponto de fazê-lo quase guerrilheiro e, efetivamente, informante do partido. Mas a opressão comunista tem revezes suficientes para criar insatisfações não apenas para os descontentes do regime, mas também para os que integram suas fileiras.

A mentalidade revolucionária é absurdamente belicosa e contraditória, e essas características, aqui e acolá, vão farfalhando desfiliações. São, por isso mesmo, comuns o “fogo amigo”, o “tiro no próprio pé”, e bastante comuns o “adeus, queridos!”, o “hasta la vista”. Na medida em que o totalitarismo avança, crescem a violência, a pobreza, a sujeição e a desesperança, e muitos agentes da revolução, percebendo o logro, retiram-se da claque.

Graças a esses desacertos marxistas, Ricardo Vélez, sob orientação de Antonio Paim, deu início à sua revivificação política em busca de uma regeneração ética e intelectual, tendo sido este processo responsável pela conquista de seu quinhão de liberdade e pela consolidação de seu nome, dentre os liberais-conservadores, como cientista político, filósofo e humanista de escol.

A opção liberal-conservadora

Chegando ao Rio de Janeiro em meados da década de 1970, para se fazer mestre na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Vélez buscou se encontrar rapidamente com seu orientador, Antonio Paim, um professor severo e exigente que, de pronto, identificou a preferência esquerdista do jovem colombiano.

O herbicida utilizado por Paim para eliminar as imprecações ideológicas do novo aluno foi o de se lhe exigir uma carrada de leituras de autores liberais, acompanhada de resenhas de cada um dos livros, em tempo recorde. Vélez admitiu, em Da esquerda…, que essas árduas tarefas lhe mudaram a cabeça, tendo a pedagogia – a fórceps – de Paim feito com que largasse o marxismo para ingressar definitivamente no liberalismo-conservador.

Og Francisco Leme[4], com assento em Ortega y Gasset, anotou que o homem, ao ampliar seu nível de consciência, se torna mais ativo, crítico e capaz de realizar escolhas para construir a própria vida, conforme suas circunstâncias pessoais. Os ingredientes desta equação são a “liberdade conquistada” e a “liberdade preservada”.

Diferentemente de Harker e de Fausto, que puseram em risco a liberdade, Ricardo Vélez, com a coragem dos que se descobrem servos, vis-à-vis com o medo, tomou consciência – a partir de Paim – do poder que a palavra bem falada possui para provocar conversões culturais e políticas e para estimular a fé na liberdade e na individualidade. Tal descoberta lhe valeu a convicção, arrastada a partir de então por toda a vida, de que os momentos de maior plenitude são aqueles de maior liberdade.

Tive a satisfação de convidar Ricardo Vélez Rodríguez, com o apoio do Instituto Liberal da Alta Noroeste, do qual sou Diretor de Eventos e Cursos, para ministrar, em Araçatuba, no último dia 21 de setembro, um curso sobre Liberalismo Francês, tema de seu último livro publicado pela Editora E.D.A. e objeto de tese de pós-doutoramento no Centro de Estudos Políticos Raymond Aron, sob orientação de Françoise Mélonio, em Paris. Neste evento, pude contar ainda com a notável presença e participação, como debatedor, do historiador e editor Alex Catharino.

O reencontro com meu inesquecível professor de filosofia política (lá se vão quase vinte anos desde aqueles primeiros tempos memoráveis em Juiz de Fora) permitiu a mim e Maria, minha esposa, um convívio repleto de lições, orientações e afeto, qualidades típicas de um grande mestre. Por sinal, esse aspecto da figura veleziana foi confirmado por Darío Montoya, Embaixador da Colômbia no Brasil, ao prefaciar Da esquerda para a direita, cujas palavras faço minhas na conclusão desta breve resenha: “Longe dos extremismos que afligem todas as margens ideológicas, milhares de cidadãos brasileiros reconhecem, em Ricardo, um professor e um mestre, no sentido mais amplo dessas duas palavras. E neste pensador, historiador e filósofo, habita um cidadão, que tem feito da vida uma história contínua de amor pelos seus e respeito pelos outros”.

*Rogério Torres é advogado e Diretor de Eventos e Cursos do Instituto Liberal da Alta Noroeste (ILAN). 

[1] STOKER, Bram. Drácula. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2021. 478 p.

[2] GOETHE, J. W. Fausto. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2021. 632 p.

[3] RODRÍGUEZ, R. Vélez. Da esquerda para a direita: Minha opção liberal-conservadora. 1. ed. Brasília: Távola Editorial, 2020. 402 p.

[4] LEME, Og F. Entre os cupins e os homens: Fundamentos sociais, políticos e econômicos da ordem liberal. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2024.143p.

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