O Bicentenário de Dom Pedro II
Algumas interpretações liberais e conservadoras sobre a importância do segundo monarca brasileiro para a manutenção do sistema representativo
Na semana passada, ocorreram duas efemérides relacionadas ao imperador Dom Pedro II (1825-1891), do Brasil, sendo tais datas relacionadas, respectivamente, ao bicentenário do seu nascimento e aos 134 anos de sua morte. Tido pela maioria dos analistas como o melhor governante de nosso país, o ilustre monarca brasileiro, em grande parte, foi o principal responsável pela vigência do mais longo período de estabilidade institucional de nossa história pátria. A atuação dos mais significativos líderes políticos liberais ou conservadores brasileiros coincide com o reinado de nosso segundo imperador.
Em homenagem à augusta figura do segundo monarca, o Instituto Liberal (IL) irá abordar Dom Pedro II como tema do quinquagésimo sétimo encontro do Núcleo de Formação Liberal (NFL), dia 12 de dezembro, sexta-feira. A relatoria dessa edição do projeto ficará sob a responsabilidade do cientista político, empresário e deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança, que, além de ser descendente do homenageado, tem refletido de modo sistemático acerca de vários problemas da realidade brasileira, bem como vêm propondo soluções razoáveis, orientadas por noções liberais e conservadoras, para tais desafios.
O presente ensaio tem como objetivo servir como texto de orientação para a audiência do referido encontro. Além desse preâmbulo e de uma conclusão, nossa breve análise está dividida em mais três partes. A primeira seção apresenta a biografia resumida de nosso segundo monarca, ao acentuar alguns marcos de sua vida. O segundo ponto abordado é o caráter liberal do modelo de sistema representativo, vigente no Brasil, entre 1847 e 1889, durante a experiência parlamentarista do governo presidido por gabinetes ministeriais.
Finalmente, a partir das análises de determinados autores mais recentes, vinculados a posições do liberalismo ou do conservadorismo, iremos dissertar sobre a importância de Dom Pedro II para a manutenção do referido arranjo político, marcado pela alternância no poder entre liberais, os chamados “luzias”, e conservadores, denominados “saquaremas”. Acerca da temática discutida no presente ensaio, reconhecemos a grande importância das clássicas narrativas elaboradas por Alfredo d’Escragnolle Taunay (1843-1899), por Joaquim Nabuco (1849-1910), por Manoel de Oliveira Lima (1867-1928), por Heitor Lyra (1879-1926) e por Pedro Calmon (1902-1985), bem como as indispensáveis análises históricas desenvolvidas por nosso saudoso professor José Murilo de Carvalho (1939-2023) e por outros relevantes historiadores contemporâneos. Todavia, deliberadamente, optamos por ressaltar, de modo não exaustivo, a forma como a questão foi abordada, somente, por João Camilo de Oliveira Torres (1915-1973), por João de Scantimburgo (1915-2013), por José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017), por Antonio Paim (1927-2021), por Paulo Mercadante (1923-2013) e por Ubiratan Borges de Macedo (1937-2007), em alguns trabalhos desses seis autores.
A nossa intenção principal é oferecer um breve panorama das perspectivas de autores liberais ou conservadores brasileiros que, entre as décadas de 1960 e 1990, refletiram sobre o assunto não como mera curiosidade histórica, mas, ostensivamente, com o intuito de utilizar as considerações acerca do passado tanto como instrumento de assimilação das origens de determinadas crises institucionais e/ou políticas de suas respectivas épocas presentes quanto como meio de oferecer soluções para o futuro. Mais do que especulações academicistas, trata-se de respostas práticas para demandas concretas. Assim como nesses escritos dos seis renomados pensadores aqui tratados, pretendemos em nossas conclusões ressaltar a atualidade da discussão do tema. No entanto, faz-se necessário delinear algumas características singulares da experiência parlamentar monárquica brasileira, com ênfase na maneira como foram utilizadas por Dom Pedro II as prerrogativas constitucionais do Poder Moderador, além de resumir determinados aspectos da biografia de nosso segundo imperador.
A vida de Dom Pedro II
O futuro imperador Dom Pedro II nasceu, em 2 de dezembro de 1825, no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, então sede da corte brasileira. Devido ao golpe militar que derrubou o regime monárquico no país, em 15 de novembro de 1889, o monarca deposto faleceu no exílio, no dia 5 de dezembro de 1891, em Paris, na França, aos 66 anos.
Nosso segundo imperador era o sétimo filho do imperador Dom Pedro I (1798-1834) e da imperatriz consorte Leopoldina da Áustria (1797-1826), sendo o único varão legítimo do primeiro monarca brasileiro que sobreviveu à infância. Pela linhagem paterna, era neto do rei português Dom João VI (1767-1826) e da rainha consorte Dona Carlota Joaquina de Bourbon (1775-1830), ao passo que, pelo ramo materno, era neto do imperador austríaco Francisco I (1768-1835) e da imperatriz consorte Maria Teresa de Nápoles e Sicília (1772-1807), além de ter sido irmão da rainha portuguesa Dona Maria II (1819-1853), bem como das princesas brasileiras Dona Januária de Bragança (1822-1901), Condessa de Áquila, Dona Paula de Bragança (1823-1833) e Dona Francisca de Bragança (1824-1898), Princesa de Joinville.
Em decorrência da abdicação de nosso primeiro imperador, em 7 de abril de 1831, e da partida dele, juntamente com a segunda imperatriz consorte Dona Amélia de Leuchtenberg (1812-1873), para o exílio em Portugal, o jovem príncipe herdeiro, com apenas 5 anos, teve a sua guarda confiada a um tutor. A figura escolhida pelo próprio imperador abdicante como responsável foi José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), que ocupou a posição até 1833, quando foi destituído, tendo o cargo sido assumido por Manuel Inácio de Andrade (1782-1867), Marquês de Itanhaém, sendo que ambos foram responsáveis por garantir que o menino e suas irmãs recebessem, por intermédio de tutores, primorosa formação moral e intelectual. Caracterizada pela vasta erudição e pela constante disciplina, a educação oferecida para Dom Pedro II forjou o mais culto monarca de sua época, tendo sido os vastos conhecimentos e interesses de nosso segundo imperador reconhecidos não apenas em nosso país, mas também no exterior. Além de ter mantido contado com renomadas figuras intelectuais do período e participado de diferentes sociedades científicas nacionais e estrangeiras, o monarca brasileiro foi grande apoiador das ciências e das artes, tendo patrocinado, com seus próprios recursos, os estudos de diversas pessoas. No documento conhecido como Testamento Político de Dom Pedro II, que redigiu, em 23 de abril de 1891, na cidade de Canes, na França, expressou no último parágrafo que “nas preocupações científicas e no constante estudo é que acho consolo e me preservo das tempestades morais”.
No dia 23 de julho de 1840, por intermédio de arranjo político entre alguns liberais e conservadores, a Assembleia Geral declarou, antecipadamente, a maioridade do Dom Pedro II, na época com 14 anos, tendo sido, em 18 de julho de 1841, aclamado, consagrado e coroado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, com a idade de 15 anos. Conforme iremos discutir nas segunda e terceira seções do presente texto, ao ter utilizado com sabedoria o Poder Moderador, constitucionalmente estabelecido, nosso segundo imperador desempenhou papel de destaque para a manutenção da estabilidade institucional no cenário político brasileiro ao longo dos 49 anos em que reinou no país. Em seu testamento político, além de ter ressaltado seus esforços em favor de eleições livres, com a participação de todos os votantes da nação, e o empenho de preencher por intermédio de concursos tanto a magistratura quanto os cargos da gestão pública com os quadros mais qualificados, Dom Pedro II afirmou ter sempre procurando “não sacrificar a administração à política”. No mesmo documento, narrou que o seu “dia era todo ocupado no serviço público” e que jamais deixou “de ouvir e falar a quem quer que fosse”, tendo se dedicado à leitura das “folhas e jornais da capital e alguns das províncias para tudo conhecer”, além de assistido “a todos os atos públicos para poder ver e julgar” por conta própria.
Casou-se por procuração, em 30 de maio de 1843, com a princesa Dona Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias (1822-1889), nossa terceira imperatriz consorte, tendo a união gerado tanto as princesas Isabel do Brasil (1846-1921) e Leopoldina de Bragança (1847-1871) quanto os príncipes Afonso Pedro de Bragança (1845-1847) e Pedro Afonso de Bragança (1848-1850), ambos falecidos na infância. Os modos discretos e austeros da família imperial brasileira foram testemunhos concretos de moralidade pública na gestão política brasileira, razão pela qual as figuras de Dom Pedro II e da Princesa Isabel, após tantos anos, seguem como padrões inalcançáveis ao serem comparadas com qualquer presidente ou outro governante em qualquer instância ou período durante o vigente regime republicano. A leitura tanto dos diversos aconselhamentos sobre a forma de governar com competência e sabedoria oferecidos pelo monarca para a sua herdeira quanto as falas do trono proferidas por ambos demonstram o elevado caráter moral do imperador e da Princesa Imperial, bem como o elevado conhecimento e preocupação que tinham acerca dos principais desafios a serem enfrentados pela nação.
A própria natureza da função que exercia, como primeiro representante da nação, defensor perpétuo do Brasil, guardião da moralidade pública e moderador das disputas políticas tanto entre os demais poderes quanto entre as diferentes facções, torna inadequada e anacrônica qualquer tentativa de rotular a visão de mundo adotada por Dom Pedro II, bem como buscar justificativas para o uso das prerrogativas constitucionais do Poder Moderador em preferências especificas do monarca em relação a determinada agremiação partidária. Não obstante a impressionante erudição de nosso segundo imperador, não devemos adotar a postura limitadora de tentar enquadrar Dom Pedro II como um pensador vinculado a determinada corrente teórica, visto que, em diferentes ocasiões, manteve-se fiel à natureza geral do regime monárquico, à preservação da unidade do país, às instituições nacionais que precisavam ser conservadas e à necessidade de oferecer soluções concretas aos problemas circunstanciais de variadas conjunturas. Além dos relatos fornecidos por seus contemporâneos, essas características do segundo imperador brasileiro podem ser respaldadas no próprio entendimento de Dom Pedro II acerca do papel que deveria exercer no teatro político brasileiro, conforme expresso em seu testamento, nas falas do trono ou em outras manifestações públicas e, também, em sua vasta correspondência privada com diferentes pessoas.
A monarquia parlamentar brasileira
A experiência liberal da monarquia brasileira foi nomeada como “Democracia Coroada” pelo historiador e filósofo conservador mineiro João Camilo de Oliveira Torres, sendo que o mesmo autor definiu como “construtores do Império” os estadistas conservadores do referido período histórico. Em suas abordagens tanto da história do liberalismo brasileiro quanto dos momentos históricos decisivos do Brasil, o filósofo, historiador e educador liberal baiano Antonio Paim acentuou a importância decisiva do regime monárquico para a implementação do sistema representativo em nosso país, tendo sido essa moderna instituição basilar liberal quase abandonada no revolucionário, autoritário e demagógico modelo presidencialista republicano implementado após o golpe militar que, em 1889, depôs o imperador Dom Pedro II e extinguiu a monarquia em nosso país. Em oposição às mentalidades revolucionária cientificista adotada pelos republicanos positivistas, por um lado, e, por outro, reacionária do tradicionalismo ultramontano, parcela significativa dos estadistas brasileiros no período monárquico foi orientada pela visão liberal-conservadora, que, de acordo com a análise do filósofo, jurista e historiador liberal paranaense Ubiratan Borges de Macedo sobre a ideia de liberdade no Império, plasmou as estruturas institucionais do regime e a ação prática da maioria dos agentes políticos. Ao ter caracterizado a fórmula conciliatória como elemento distintivo do tipo de consciência liberal-conservadora vigente no Brasil durante o período monárquico, o filósofo, historiador e jurista conservador mineiro Paulo Mercadante destacou o modo como esse espírito de conciliação se manifestou em diferentes momentos da vigência do Império, não somente na arena das disputas partidárias, mas também nas instituições políticas, no aparato jurídico, no romantismo literário e na filosofia eclética, além de ter atuado como fator de contenção de diferentes manifestações de radicalismo. No seu monumental estudo sobre o espírito das revoluções, ao ter discutido, no último capítulo, as três vertentes distintas do liberalismo no Brasil desde o Império até a Nova República, o diplomata, psicólogo social e politólogo liberal carioca José Osvaldo de Meira Penna enfatizou a inexistência de contradições entre a predileção pelo ideário liberal e as simpatias monárquicas de diversos autores nacionais, dentre os quais ele próprio se inclui, pelo simples motivo de liberalismo e regime monárquico serem quase sinônimos na história do Brasil independente, ao passo que a República pode ser caracterizada como a vigência do democratismo autoritário, para, em seguida, ter apresentado uma narrativa resumida do período entre 1808 e 1889 como um milagre singular que vivenciou o florescimento de uma legítima experiência de liberalismo, manifesta não somente nos atos dos monarcas Dom João VI, Dom Pedro I e, principalmente, Dom Pedro II, mas também nas realizações teóricas de diversos pensadores e nas ações concretas da maioria dos estadistas. Finalmente, tanto em sua análise do Poder Moderador quanto em seu relato sobre a história do liberalismo no Brasil, o filósofo, historiador e jornalista conservador paulista João de Scantimburgo explicou o caráter liberal das instituições monárquicas brasileiras, tendo ressaltado a importância da atuação de Dom Pedro II para a manutenção do regime, para o bom funcionamento do sistema representativo e para a implementação de diversas reformas salutares no país.
Mais do que em teses modernas oriundas do liberalismo lockeano ou do democratismo rousseauniano, as noções políticas dos mais significativos integrantes da elite imperial brasileira estiveram amparadas no ideal de “Constituição Mista”, apresentado pelo geógrafo e historiador Políbio (203-120 a. C.), tendo como base a experiência histórica das instituições romanas durante o período republicano. Diferentemente das concepções filosóficas de Aristóteles (384-322 a. C.) sobre as três formas puras de governo, o modelo romano foi visto como um arranjo superior aos demais existentes na época pelo fato de congregar o que havia de melhor na monarquia, na aristocracia e na democracia, ao mesmo tempo em que prevenia a degeneração de tais conformações distintas em suas respectivas formas corrompidas de tirania, de oligarquia e de demagogia. Nos períodos históricos subsequentes, a ideia polibiana foi considerada por Marco Túlio Cícero (106-43 a. C.), na antiguidade, e por Santo Tomás de Aquino (1225-1274), no medievo, bem como por Montesquieu (1689-1755) e por James Madison (1751-1836), na modernidade. Em aspectos variados, tanto a Constituição dos Estados Unidos da América, assinada em 17 de setembro de 1787, quanto a Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824, trazem elementos da proposta de governo misto, tendo sido ambas consideradas, ao longo do século XIX, as cartas mais liberais de todo o hemisfério ocidental.
Inspirado pela ideia de “Poder Neutro” proposta pelo teórico liberal franco-suíço Benjamin Constant (1767-1830), pela experiência concreta do parlamentarismo britânico e, acima de tudo, pela tradição da monarquia católica portuguesa, o denominado Poder Moderador reforçou na carta brasileira, melhor do que no modelo presidencialista americano, o distintivo elemento monárquico enquanto força moral acima das disputas partidárias. Nesse sentido, a figura do imperador, na condição de primeiro representante da nação e de legítima encarnação do Estado, tinha a prerrogativa de exercer a moderação governamental, como árbitro imparcial capaz de dirimir os conflitos políticos, ao deliberar baseado na responsabilidade com a conservação da pátria em oposição aos interesses particulares das facções que disputavam o controle do governo. A distinção entre Estado, em seu caráter suprapartidário de compromisso com a salvaguarda da continuidade da nação, e o governo, em suas diferentes composições momentâneas para a administração pública, ficava mais bem delineada nesse modelo constitucional brasileiro.
Deve-se à vontade de Dom Pedro I a instauração desse arranjo constitucional, que, no lugar da mera tripartição do poder, estabeleceu um regime composto por Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Moderador, estando o último acima dos demais. Em última instância, diversamente do que ocorre no modelo britânico, no qual o rei, em larga escala, tornou-se uma figura quase decorativa que “reina, mas não governa”, sendo a chefia exercida, de fato, pelo primeiro-ministro, no regime parlamentarista imperial brasileiro, devido às prerrogativas constitucionais do Poder Moderador, o monarca tanto deveria “reinar, governar e administrar” quanto tinha a autoridade e o direito para interferir no Executivo, ao destituir e nomear ministros, além da possibilidade de efetuar “inversões partidárias”, nas quais trocava um gabinete ministerial com apoio do parlamento por outro com membros da oposição, garantindo a alternância dos partidos. A administração do governo era responsabilidade do Executivo, chefiado pelo monarca e pelos ministros, enquanto o Poder Moderador tinha como funções conservar o Estado e proteger a nação. Amparada nessas garantias monárquicas, o ideal de governo misto expressava o caráter aristocrático, principalmente, no Senado vitalício e no Conselho de Estado, em suas maiorias formados por estadistas saquaremas, bem como no Supremo Tribunal de Justiça do Império e em outros órgãos do Judiciário, ao passo que o aspecto democrático era garantido tanto pela Câmara dos Deputados e pelas assembleias locais quanto pela realização de eleições periódicas e pela vigência de ampla, total e irrestrita liberdade de expressão nos variados órgãos de imprensa.
Enquanto os governos dos demais países sul-americanos eram caracterizados na época pela instabilidade endêmica e pela constante implementação de variadas ditaduras, o Brasil vivenciou, graças ao parlamentarismo monárquico, o mais extenso período continuado de estabilidade política de nossa história. Ao longo dos 49 anos de seu reinado, de 1840 até 1889, o imperador Dom Pedro II utilizou com sabedoria e com firmeza o Poder Moderador, em uma espécie de “ditadura da moralidade”, como instrumento para resolver as querelas partidárias entre os liberais e os conservadores. No ano de 1847, o referido monarca aprovou legislação para que, no lugar de ser o responsável por organizar os ministérios, por intermédio da escolha de todos os ministros, passasse apenas a escolher um presidente de gabinete ministerial, que, por sua vez, teria as funções de presidir e de organizar o governo ao escolher os titulares de cada pasta. Durante os 42 anos de vigência desse peculiar sistema parlamentar brasileiro, a hegemonia foi dos conservadores, tendo os saquaremas chefiado o Estado imperial por um total de 27 anos não consecutivos, em 15 gabinetes distintos e com 11 presidentes diferentes, ao passo que, nos 15 anos totais das chefias liberais, foram 17 gabinetes, incluindo tanto as quatorze do Partido Liberal, a facção dos chamados “luzias”, quanto os três da Liga Progressista, com um total de 13 presidentes diversos.
Dentre as 17 legislaturas vigentes em seu reinado, Dom Pedro II dissolveu 11 dessas, convocando imediatamente novas eleições, tendo em 10 ocasiões consultado antes de tomar essas medidas o Conselho de Estado, cujas orientações não foram acatadas somente em três casos distintos. Esses números demonstram que o uso de tais prerrogativas constitucionais não foi exercido de modo arbitrário ou leviano por nosso segundo imperador, mas como instrumento necessário para a manutenção do sistema. Não obstante as críticas de determinados analistas hodiernos, de acordo com as quais tais interferências foram um elemento de instabilidade tanto para o parlamento quanto para os gabinetes ministeriais, defendemos que essa tutela política do imperador foi o principal elemento tanto para prevenir a tomada da gestão pública por oligarquias locais, conforme vem ocorrendo, desde o início, na história republicana, e também a escalada das disputas partidárias até o ponto de se tornarem conflitos violentos, quanto para a plural alternância no exercício do poder entre liberais e conservadores, não apenas ao organizarem maiorias na Câmara dos Deputados, mas, principalmente, no exercício da presidência e da participação em gabinetes ministeriais. A estabilidade do regime, em última instância, era garantida pelo Conselho de Estado, pelo Senado do Império, pela vigência da Constituição de 1824, com o conjunto de garantias liberais que assegurava e, acima de tudo, pela figura do próprio monarca.
A importância política de Dom Pedro II
Malgrado algumas pequenas divergências em relação a fatos específicos e suas interpretações, as discussões elaboradas por João Camilo de Oliveira Torres, por Paulo Mercadante, por Ubiratan Borges de Macedo, por Antonio Paim, por José Osvaldo de Meira Penna e por João de Scantimburgo convergem em relação à importância da utilização do Poder Moderador pelo monarca como elemento conservador primordial a sustentar o liberal regime parlamentarista monárquico brasileiro. O dissenso entre as interpretações desses seis autores, em linhas gerais, deve-se às variadas concepções teóricas distintas adotadas por cada um deles, bem como às necessidades especificas das conjunturas históricas diferenciadas para as quais elaboraram as suas meditações acerca da temática.
Em seu clássico livro A Democracia Coroada: Teoria Política do Império do Brasil, publicado, originalmente, em 1957, além de ter ressaltado a função do Poder Moderador como sendo, conforme descrito pelo texto constitucional, “a chave de toda a organização política”, tendo elaborado vasta discussão filosófica e ampla narrativa histórica sobre a questão, no capítulo V da Parte 2 da obra, João Camilo de Oliveira Torres salientou que, no exercício desse atributo, limitou-se Dom Pedro II a atuar para decidir as crises de gabinete, para nomear os senadores e para exercer o controle supremo a respeito da constitucionalidade das leis. No mesmo volume, o conservador mineiro dedicou todo o capítulo III da Parte 3 à análise da importância de Dom Pedro II para o regime, tendo apresentado, em três seções distintas, o “retrato do imperador”, o seu “poder pessoal” e o seu “pensamento político”. Sem minorar os erros humanos cometidos pelo monarca, ao apresentar o seu retrato, concluiu que, durante todo o seu reinado, manteve-se Dom Pedro II fiel ao credo de manter em sua atuação “senso de moralidade, respeito à opinião pública, amor às coisas do espírito, fidelidade ao princípio constitucional e respeito à lei”, nunca tendo colocado qualquer outra coisa, inclusive o interesse pessoal, acima dessa diretriz. A necessidade da utilização do “poder pessoal”, na época, justificava-se pelas inúmeras falhas inerentes aos mecanismos eleitorais vigentes, na maioria das vezes manipulados pelas oligarquias locais, sendo a intervenção do monarca necessária para corrigir tais imperfeições e para garantir a moralidade pública. Por fim, ao tratar do pensamento de Dom Pedro II, o filósofo e historiador sintetiza as concepções políticas do monarca ao entendimento próprio ao ter considerado “sua principal atribuição como chefe de Estado a defesa da Constituição” e ao ter se orgulhado “de sua fidelidade à lei”, além de ter atribuído “todas as falhas da vida política nacional aos usos inadequados da prática eleitoral vigente”, o que acarretou a concordância “com os liberais quando reconhecia a necessidade de reformas de leis e costumes para que o povo se manifestasse livremente”, por um lado, e, por outro, “com os conservadores, quando se recusava a reformar a Constituição e abolir a severa fiscalização da Coroa sobre a vida política nacional”. De forma menos sistemática, João Camilo de Oliveira Torres discutiu também a importância da atuação política de Dom Pedro II em sua obra Os Construtores do Império: Ideais e Lutas do Partido Conservador Brasileiro, concluído em 1963, mas lançado apenas no ano de 1968 devido a atrasos editoriais. Nesse estudo, além de ter resumido as interpretações teóricas conservadoras de Paulino José Soares de Sousa (1807-1866), Visconde de Uruguai, de José Antônio Pimenta Bueno (1803-1878), Marquês de São Vicente, e de Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) acerca do Poder Moderador, bem como, em suas atuações políticas concretas, o dogma dos saquaremas em favor da manutenção desse quarto poder, o historiador mineiro relatou os diversos momentos em que, ao acreditar ser o melhor para a defesa da nação no momento, o imperador utilizou de suas prerrogativas constitucionais para efetuar mudanças de gabinetes.
Tendo sido lançado pela primeira vez em 1965 e recebido novas edições, revistas e ampliadas pelo autor, nos anos de 1969, de 1980 e de 2003, o livro A Consciência Conservadora no Brasil: Contribuição ao Estudo da Formação Brasileira, de Paulo Mercadante, em sua versão original, buscava oferecer, diante dos conturbados acontecimentos de sua época, uma análise histórico-filosófica que pudesse orientar o futuro do conservadorismo em nosso país como alternativa aos movimentos radicais do período. A partir do texto constitucional de 1824, que afirmava ser o Poder Moderador “a chave de toda a organização política”, o autor questiona até que ponto, em última razão, todo o arranjo não seria apenas resultado da vontade pessoal do monarca, para asseverar que, em verdade, o uso do “poder pessoal” por Dom Pedro II, mais do que manifestação absolutista de uma personalidade individual, deve ser compreendido, em termos sociológicos, com base na autenticidade de nosso segundo imperador e na sua representatividade social, pois, devido à herança dinástica recebida, à formação moral e intelectual com a qual foi educado, aos arcabouços institucionais que deveria preservar e às conflitantes demandas nacionais que precisava atender, enquanto indivíduo, encarnou, concretamente, as estruturas sociais da nação, que podem ser mais bem explicadas por intermédio da noção de “homem total” que tem em si próprio tudo o que possuía a totalidade da sociedade.
O breve, mas profundo, livro A Ideia de Liberdade no Século XIX: O Caso Brasileiro, de nosso saudoso mentor e amigo Ubiratan Borges de Macedo, lançado no ano de 1997, é uma versão da obra A Liberdade no Império: O Pensamento sobre Liberdade no Império Brasileiro, de 1977, tendo sido revista e ampliada pelo próprio autor. Na condição de trabalho filosófico, o volume não pretende discorrer sobre fatos históricos, mas, acima de tudo, sobre as mentalidades que influenciaram o modo de agir de determinadas personagens, razão pela qual Dom Pedro II é discutido em apenas uma determinada passagem. Trata-se de breve reflexão acerca do Poder Moderador, na seção sobre a emergência das ideias novas do capítulo sobre Tobias Barreto (1839-1889), em que narra a denominada “Crise de 1868”, na qual, em disputa política entre o conservador Luís Alves de Lima e Silva (1803-1880), Duque de Caxias, então comandante das forças militares brasileiras na Guerra do Paraguai, e o liberal Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877), que ocupava a presidência do gabinete ministerial, o imperador utilizou suas prerrogativas constitucionais para solucionar o impasse entre os dois líderes ao ter destituído o segundo e encarregado o conservador Joaquim José Rodrigues Torres (1802-1872), Visconde de Itaboraí, para formar e presidir novo ministério. Em sua análise desse acontecimento histórico, o filósofo argumenta que, mesmo ao estar dentro dos termos da Constituição, nesse incidente específico, ao ter forçado uma Câmara dos Deputados controlada pelos liberais a aceitar um gabinete de conservadores, Dom Pedro II rompeu um acordo de cavalheiros que era a base de sustentação da monarquia, tendo lançado as bases tanto para o arrefecimento do apoio de vários membros do Partido Liberal ao regime quanto para a criação, em 1870, do Partido Republicano.
Lançado no ano de 1980, o livro O Poder Moderador: História e Teoria, de João de Scantimburgo, apresenta sistemática análise filosófica e histórica sobre o tema, na qual, além de ter defendido a necessidade desse quarto poder, ao enfatizar que parte das mazelas do presidencialismo republicano são devidas à ausência desse tipo de moderação, acentuou a importância, em diversas passagens, de Dom Pedro II, que não era liberal nem conservador, sendo um monarca que estava acima desses rótulos no exercício de sua autoridade constitucional em favor da nação; entretanto, contestou a percepção de determinados críticos segundo os quais esse tipo de poder pessoal funcionou apenas por ter sido exercido por uma figura ímpar como nosso segundo imperador, tendo defendido que funcionaria com qualquer monarca, devido às nossas bases institucionais, para, finalmente, admoestar que os arbítrios praticados em nossa experiência republicana são muito piores de que qualquer abuso que poderia ser cometido durante o período monárquico. Em sua obra História do Liberalismo no Brasil, de 1996, o mesmo autor discute a importância da atuação de Dom Pedro II em passagens diversas da obra, tendo, contudo, dedicado o nono capítulo à análise do perfil de nosso segundo imperador, sobre quem ressalta “o rigor no exercício do cargo, a pontualidade no cumprimento das obrigações, o senso de dever na atenção aos compromissos” como características de sua personalidade, que soube, em muitos aspectos, amoldar-se ao liberalismo de seu século, sem ter por isso abandonado a noção segundo a qual “a política, ciência do governo da nação pelo Estado, deveria se enquadrar à lei moral”, razão pela qual, no exercício do Poder Moderador, sempre colocava a moralidade pública “acima dos imperativos do momento, do partido, dos grupos que dominavam o Estado, contra os princípios da justiça”, sendo o compromisso com tais princípios o motivo de suas intervenções corretivas no jogo partidário.
A volumosa e erudita obra O Espírito das Revoluções: Da Revolução Gloriosa à Revolução Liberal, de nosso finado mestre e amigo José Osvaldo de Meira Penna, foi publicada, originalmente, em 1997, tendo sido reeditada, no ano de 2016, em versão revisada pelo autor. O vetusto diplomata, psicólogo social e politólogo liberal afirmou que tanto a França no período da chamada Monarquia de Julho, entre 1830 e 1848, quanto o Brasil durante o reinado de Dom Pedro II, de 1840 até 1889, podem ser vistas como um período curto de “tempo ensolarado entre ventanias, tempestades e um sombrio inverno”. No décimo quarto capítulo do livro, ao dissertar sobre as três vertentes distintas do liberalismo no Brasil desde o Império até a Nova República, o incisivo Meira Penna afirmou ter sido o reinado de Dom Pedro II “o mais longo, consistente e brilhante período de estabilidade constitucional, liberdade de pensamento e arremedo de moderna economia de mercado em nossa história – um fato inédito e um invejável resultado, ímpar na experiência brasileira e que nunca mais se reproduziu”. No entanto, ainda nesse último capítulo, ao ter destacado que, invariavelmente, o sustentáculo das monarquias católicas na modernidade eram a Igreja, as Forças Armadas e a aristocracia latifundiária, o politólogo liberal reiterou que “Dom Pedro II, não se pode dizer se conscientemente, sabotou os alicerces desse edifício ao final de seu reinado, comprometendo o relacionamento do regime exatamente com esses três poderes”. Por fim, ainda ao tratar do mesmo tópico, Meira Penna argumentou que “Igreja, Exército e Latifúndio são as instituições que um regime liberal procura necessariamente afastar do controle do poder estatal”, para concluir, em seguida, que “o paradoxo está justamente nessa contradição que o Liberalismo do Império não conseguiu evitar”.
Nosso falecido mentor e amigo Antonio Paim publicou, no ano de 1998, os livros Momentos Decisivos da História do Brasil e História do Liberalismo Brasileiro, os dois relançados em novas edições, respectivamente, nos anos de 2014 e de 2018, tendo sidos ambos revisados e ampliados pelo próprio autor. Ao tratarem do período, entre 1840 e 1889, em que Dom Pedro II ocupou o trono e exerceu o Poder Moderador, os dois trabalhos focam no contexto histórico e institucional, sem dedicar maiores reflexões acerca do monarca. Tal ausência, em grande parte, deve-se ao fato de o filósofo e historiador liberal, amparado nas concepções do filósofo e estadista português Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), ter enfatizado a importância do governo representativo como elemento decisivo para a preservação da liberdade.
Em sua narrativa, na obra Momentos Decisivos da História do Brasil, Antonio Paim dividiu o desenvolvimento histórico do país em três fases distintas, sendo a primeira a análise das razões pelas quais, no período colonial, o Brasil, sendo um país mais rico do que os Estados Unidos da América, escolheu o caminho da pobreza, ao passo que, na segunda etapa, durante a vigência do regime monárquico, discute-se a manutenção da unidade nacional e a tentativa de consolidação do sistema representativo, enquanto a terceira e última explica o modo pelo qual, ao longo da República, não conseguimos superar o patrimonialismo, além de ressaltar a fragilidade da representação política. De modo específico, ao tratar do Segundo Reinado na quarta e última das partes da análise sobre o segundo momento decisivo, após ter mencionado que a primeira década do reinado de Dom Pedro II ainda foi um período de concepção e de configuração em leis que asseguraria a estabilidade das quatro décadas seguintes, com destaque para a centralização dos mecanismos eleitorais, em 1841, e, em 1847, o estabelecimento do cargo de presidente do Conselho de Ministros, tendo as revoltas liberais em Minas Gerais e em São Paulo, no ano de 1842, e, em 1848, a Revolução Praieira em Pernambuco ocorrido ainda nessa época, Paim enfatizou que os “quarenta anos que vão de 1850 a 1889 não registraram nenhum movimento insurrecional”, para, subsequentemente, acrescentar que “o funcionamento das novas instituições e o aprimoramento da representação convenceram os diversos segmentos da sociedade de que a negociação e a barganha eram meios mais eficazes e duradouros na defesa de seus interesses”. Antes de apresentar breves reflexões sobre o povoamento e a civilização material, sobre a Guerra do Paraguai e sobre o isolamento do Trono e o surgimento da facção militar com aspirações política, ainda ao dissertar na parte inicial sobre as grandes realizações efetuadas durante o governo de nosso segundo imperador, nosso estimado mestre evidenciou que, por conta de todos os avanços institucionais, sociais e culturais, “o Segundo Reinado é sem dúvida um período destacado na história nacional”. Sem negligenciar os três atritos que, respectivamente, a Coroa teve com a Igreja Católica, no enfrentamento entre ultramontanos e maçons, com a elite agrária escravagista, em decorrência da abolição da escravatura, e com determinados seguimentos das forças armadas, bem como o enfraquecimento da saúde de Dom Pedro II e a impopularidade para alguns setores de um eventual Terceiro Reinado sob a égide da Princesa Isabel, pela condição de mulher católica e casada com um conde francês, Paim concluiu como sendo o fator “que decidiu mesmo a sorte da Monarquia (…) a disposição dos militares de derrubá-la”.
De modo similar ao livro anterior, em História do Liberalismo Brasileiro, Antonio Paim defendeu que “o Segundo Reinado mantém-se como fato isolado em nossa história, quando vivemos sem golpes de Estado, estados de sítio, presos políticos, insurreições armadas, tudo isto com absoluta liberdade de imprensa, mantidas as garantias constitucionais dos cidadãos”. Em sua avaliação inicial sobre o liberalismo do período, creditou à obra de Silvestre Pinheiro Ferreira ter fornecido “a orientação básica a partir da qual notável grupo de políticos brasileiros conseguiu assegurar cerca de meio século de estabilidade política, durante o Segundo Reinado, feito que não mais se repetiu em nossa história”. Não obstante ter dedicado inúmeras páginas à análise teórica do Poder Moderador, nas análises conservadoras ecléticas de Paulino José Soares de Sousa, Visconde de Uruguai, e de José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente, conservadora tradicionalista de Braz Florentino Henriques de Souza e liberal de Zacarias de Góis e Vasconcelos, a narrativa apresentada na obra buscou destacar o papel das instituições, bem como das lideranças partidárias, para a manutenção do sistema representativo, sem ter dado a importância merecida à figura de nosso segundo imperador. Em determinada passagem da obra, Paim afirmou que “o declínio da ideia do Poder Moderador, que começa na metade do Segundo Reinado, aponta para o equívoco dos analistas que veem na figura de Dom Pedro II a chave para a explicação do largo período de estabilidade política experimentado pelo país no século XIX”, tendo concluído “talvez haja contribuído, de forma mais expressiva, para o término do ciclo das insurreições, a representação que veio a ser assegurada aos interesses diversos dos dominantes”. Todavia, em capítulos mais adiante na mesma obra, nosso saudoso mestre teceu elogios aos trabalhos de Ubiratan Borges de Macedo, de João de Scantimburgo e de José Osvaldo de Meira Penna discutidos no presente ensaio.
Conclusão
Em conjunturas diferentes e com finalidades bastante diversificadas, os trabalhos mencionados na seção anterior refletem a contínua tensão entre a manutenção da ordem e, simultaneamente, a salvaguarda da liberdade, que tanto conservadores não reacionários quanto liberais não revolucionários, ambos dentro do escopo do liberalismo moderado, buscaram balancear em um justo meio. No caso específico da experiência brasileira no período monárquico, o equilíbrio almejado pode ser mais bem explicitado por intermédio da máxima “ordem sem autoritarismo e liberdade sem anarquia”.
Os seis autores discutidos no presente ensaio escreveram as obras aqui mencionadas em contextos históricos bastante distintos, fator que, parcialmente, pode explicar a escolha por determinadas abordagens, mesmo que tais percepções acerca dessas escolhas não tenham sido explicitadas ou, em alguns desses trabalhos, sequer feitas de modo deliberado. Uma das duas exceções são os dois livros de João Camilo de Oliveira Torres, que admitiu ter escrito A Democracia Coroada, na década de 1950, na época em que a liberdade precisava ser expandida, ao passo que, na conturbada década de 1960, quando redigiu Os Construtores do Império, era a ordem que se encontrava sob ameaça. De modo similar, Paulo Mercadante reconheceu que o intento de seu livro A Consciência Conservadora no Brasil era oferecer caminhos para que as rupturas causadas pelo movimento de 1964 pudessem ser restauradas por intermédio das lições conciliatórias do passado. O nosso saudoso mentor Ubiratan Borges de Macedo também explicitou que, no final da década de 1970, quando escreveu a versão original de A Ideia de Liberdade no Século XIX, o grande problema a ser enfrentando no campo político, após mais de uma década de regime militar, era a volta da liberdade e a instauração da democracia em caráter duradouro. Infelizmente, não tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente João de Scantimburgo, que, por sua vez, não explicitou algum possível intento prático, além das eruditas reflexões históricas e filosóficas, oferecidas pelas análises em O Poder Moderador e em História do Liberalismo no Brasil, entretanto, acreditamos que os dois volumes, escritos nos contextos, respectivamente, da abertura política que deu origem à Nova República e das reformas promovidas no governo de Fernando Henrique Cardoso, buscam oferecer tanto uma alternativa ao fisiologismo demagógico e ao esquerdismo militante do período que antecedeu a promulgação da Constituição de 1988 quanto ao risco de a tecnocracia da gestão dos sociais-democratas, na segunda metade da década de 1990, sufocar a difusa emergência do liberalismo no período. Assim como ocorreu com Ubiratan Borges de Macedo, tivemos a gratificante oportunidade de conviver também, por bastante tempo, com José Osvaldo de Meira Penna e com Antonio Paim, desde a primeira metade da década de 1990 até suas respectivas mortes, de modo que pudemos conversar sobre muitos de seus escritos, sendo que tanto O Espírito das Revoluções quanto História do Liberalismo Brasileiro visavam a colaborar com a formação de lideranças de cunho liberal em nosso país, sendo o primeiro trabalho mais voltado para o público do Instituto Liberal (IL) e do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), ao passo que o segundo, publicado, originalmente, pelo Instituto Tancredo Neves (ITN), fundação do extinto Partido da Frente Liberal (PFL), tinha como alvo principal os futuros quadros partidários.
A compreensão dessas motivações, bem como de seus respectivos contextos, não diminui a importância filosófica e/ou histórica das análises desenvolvidas pelos seis autores que discutimos neste ensaio, mas, em determinados aspectos, pode ajudar na renovação de seus objetivos práticos em nossa conjuntura. Atualmente, a maior ameaça política em nosso país reside na falta de contenção do poder exercido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, por intermédio do ativismo judiciário, usurpa as funções do Poder Legislativo, além de cercear a liberdade de algumas lideranças políticas e de muitos cidadãos que ousam denunciar tais abusos. Nesse sentido, a augusta figura do imperador Dom Pedro II, bem como dos mais ilustres estadistas conservadores e liberais, é um testemunho concreto a servir de inspiração em nossos dias.
Somos de uma época em que o nosso finado mestre e amigo Roberto Campos (1917-2001) era o único parlamentar brasileiro, de fato, comprometido com o ideário liberal plenamente. Apesar da gravidade política que vivenciamos, existe uma pequena constelação de lideranças políticas que seguem firmes na oposição ao que ocorre de errado em nosso país. Dentre esses parlamentares, sem desmerecer a atuação de muitos outros, inclusive diversos amigos próximos, gostaria de destacar a atuação do deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança, que, dentre outras, brindou-nos com os livros Por que o Brasil é um país atrasado?: O que fazer para entrarmos de vez no século XXI, de 2017, A libertadora: Uma constituição para o Brasil, de 2022, e Os 7 poderes: O Brasil no século XXl, de 2024, além do importante trabalho que desenvolve no Congresso Nacional e nas redes sociais. Acreditamos que a participação do referido deputado federal conosco no quinquagésimo sétimo encontro do Núcleo de Formação Liberal (NFL), em homenagem ao bicentenário de Dom Pedro II, a ser realizado no dia 12 de dezembro, às 19 horas, tanto no canal no YouTube quanto no perfil no Facebook do Instituto Liberal (IL), poderá ser uma oportunidade para, à luz do passado, melhor compreendermos os problemas a serem enfrentados no presente em busca de solução em um futuro próximo.
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