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Voltamos ao padrão da época do governo Dilma?

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O Boletim Focus divulgado hoje mostra que o “pessoal do mercado” mais uma vez atualizou para cima a expectativa de inflação para 2021. Começar com um valor baixo para inflação esperada e atualizar para cima durante o ano foi o padrão no governo Dilma. Em 2016, ano do impeachment, e nos dois anos do governo Temer, o padrão ficou invertido: a expectativa de inflação começava alta e caía durante o ano. No governo Bolsonaro, voltou o padrão de expectativas baixas (eu chamo de excesso de otimismo) no começo do ano e ajuste durante o ano. A figura abaixo ilustra esses padrões. Note que, por usar escalas diferentes no eixo vertical, a figura não deve ser usada para comparar as expectativas de inflação de cada ano e sim a dinâmica dessas expectativas em cada um dos anos.

Por que o Banco Central (BC) de Roberto Campos não consegue entregar a inflação igual ou menor do que a esperada pelo “pessoal do mercado” no começo de cada ano? Difícil responder. É fácil encontrar declarações de figurões do BC colocando a culpa no lado fiscal. De fato, a política fiscal é um problema, mas o BC não sabe disso? O quão razoável foi apostar a estabilidade do real em um ajuste fiscal no meio de uma pandemia e liderado por um governo com notória dificuldade em liderar? O quão razoável foi imaginar que uma moeda emitida por um dos países emergentes mais endividados do mundo e sem grau de investimento nas agências de risco atrairia investidores por ser uma espécie de porto seguro?

A verdade é que já faz algum tempo que a política fiscal do Brasil é problemática. Tentativas de ajuste fiscal são barradas pelos mais diversos lobbies. Com a chegada de Bolsonaro ao Planalto, a despeito dos desejos da equipe econômica, a situação piorou. Incapaz de gerenciar conflitos naturais em uma democracia, o governo ficou refém de interesses pontuais e agora nem sequer consegue ter um orçamento. O problema é que a questão fiscal já deve estar embutida nas expectativas de inflação do começo do ano. É preciso entender qual foi a surpresa que levou o mercado a “errar para baixo” no começo de 2019, 2020 e, aparentemente, 2021. Alguém pode dizer que em 2020 houve a pandemia. Não compro a tese; o efeito da pandemia foi de baixar a inflação, como mostram os números do IPCA em abril e maio do ano passado. Porém, mesmo que tenha sido a pandemia, a surpresa ocorreu em março e até outubro as expectativas estavam bem abaixo da inflação que ocorreu em 2020.

Uma comparação de 2020 e 2018 pode ser didática. Em 2018, a greve dos caminhoneiros pegou o mercado de surpresa; a resposta foi um aumento da expectativa de inflação para aquele ano. O susto do mercado foi justificado, mas a política econômica soube controlar as expectativas e entregou uma inflação de 3,75%. Repare que em 2020 o movimento foi diferente: logo após o choque, não houve um crescimento forte das expectativas de inflação. A reação inicial do mercado foi projetar que a pandemia levaria a uma queda na variação do IPCA. O que aconteceu?

Como disse acima, é difícil explicar o que está acontecendo. O problema pode estar nas projeções do “pessoal do mercado” que parece insistir em ignorar a mudança de regime que ocorreu no governo Bolsonaro segundo o próprio Paulo Guedes. Para piorar, a incerteza aumentou muito por conta da pandemia. Outra possibilidade é que as políticas econômica, fiscal e monetária tiveram uma melhor condução no governo Temer ,no sentido de surpreender o mercado com menos e não com mais inflação. Enfim, deixo mais perguntas do que respostas, mas vale registrar que talvez seja o momento para o BC colocar a barba de molho. A barba da vizinha política fiscal já está pegando fogo faz tempo.

Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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