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Uma nota sobre a crise orçamentária da Unb

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Estou tentando evitar a posição de ficar dando pitacos sobre possíveis soluções para a crise orçamentária na UnB sem participar nem ser interlocutor da administração. Muitas das soluções que parecem viáveis quando estamos de fora se revelam impossíveis quando alguém tenta aplicá-las. Não vou manter o mesmo silêncio em relação a alguns diagnósticos da crise que são apresentados por setores da comunidade da UnB, o motivo é que diagnósticos errados costumam levar a soluções erradas. No caso específico a insistência um culpar o teto de gastos pelas dificuldades da UnB acaba por induzir algumas pessoas a acreditar que o caminho para resolver nosso problema é tentar eliminar o teto de gastos. Eu acredito que mesmo sem o teto de gastos estaríamos enfrentando as dificuldades pelas quais estamos passando.

Para justificar minha leitura vou usar os dados que estão no gráfico elaborado pela reitoria da UnB e que está circulando na imprensa e nas redes sociais (link aqui). O gráfico tem alguns problemas, um deles é que mostra os valores do orçamento e esses nem sempre são iguais aos valores que de fato foram ou serão gastos, outro é que os valores estão em reais correntes quando o mais adequado para comparações de valores relativos a anos diferentes é usar valores corrigidos pela inflação. O primeiro problema eu vou ignorar, não quero entrar no labirinto de definições que existem no orçamento público e desviar o foco da discussão para questões técnicas. O segundo problema eu vou corrigir, antes, porém, vale comentar a figura abaixo que apresenta os dados tais como foram divulgados.

Na figura é possível ver que o orçamento total da UnB aumenta ano a ano a um ritmo menor que o gasto com pessoal, encargos e benefícios. Esse é um ponto importante porque, creio eu, está no centro do nosso problema orçamentário. Também é possível ver a queda do orçamento para outras despesas correntes que aconteceu com mais força em 2017, de fato, em 2018 o orçamento para esse item de despesa aumentou. Por fim aparece a queda do investimento, tal queda é natural em períodos de crise orçamentária, ela também pode ser explicada pelo fim do grande ciclo de investimento que se seguiu a expansão da universidade durante o Reuni. Olhando esses números alguém pode acreditar que o teto orçamentário, aprovado no final de 2016, é o culpado pelo drama da UnB. Quanto a isso, uma olhada nos dados corrigidos pela inflação mostra outra realidade. A figura abaixo mostra os dados da figura anterior corrigidos pelo IPCA, para 2018 usei a previsão do Boletim Focus.

 

Os dados corrigidos mostram que a queda no orçamento total da UnB começou em 2015, como estamos falando de orçamento a queda de 2015 foi determinada ainda em 2014. De 2014 para 2015 o orçamento total diminuiu em 5,2%, de 2015 para 2016 a queda foi 5,8%. Curiosamente no orçamento de 2017, elaborado em 2016 com a previsão de aprovação do teto de gastos, a queda foi de 2%, menos da metade das quedas ocorridas nos anos anteriores. No orçamento para 2018, elaborado com o teto em vigência, ocorreu o primeiro aumento no orçamento total desde 2015, a elevação, pequena, foi de 0,3%. Como pode ser visto os cortes de orçamento na UnB foram mais severos antes da aprovação do teto do que depois do teto entrar em vigor.

Como então explicar o problema? A maior parte do orçamento da UnB vai para o pagamento de pessoal, encargos e benefícios, conta que, entre outros, inclui o pagamento de servidores ativos e inativos. Essa conta teve um aumento real de 14% quando comparamos 2017 com 2016, em valores de 2018 o gasto com pessoal, encargos e benefícios aumentou R$ 177,9 milhões. A queda de R$ 187,5 milhões, também em reais de 2018, observada nas outras despesas de custeio mal compensou o aumento da conta de pessoal, encargos e benefícios.

O significativo aumento dos gastos com pessoal, encargos e benefícios não pode ser debitado na conta da gestão da UnB, pelo menos não a curto prazo. Tais aumentos decorrem de aumentos de salários concedidos pelo governo, contratações de pessoal, progressão funcional e outros fatores regulados por lei. Um dos fatores específicos da UnB que podem explicar esse salto foi a substituição de servidores contratados por meio de projetos e/ou pagos com recursos próprios da UnB por servidores concursados, essa mudança foi uma exigência do Ministério Público do Trabalho. Naturalmente poderíamos questionar as decisões que levaram a expansão do quadro da UnB, tais decisões foram tomadas em 2008, uma época em que muitos acreditavam que viveríamos eternamente na fartura. Voltar a esse ponto é bom para evitar repetir erros no futuro, mas não ajuda a resolver o problema presente.

Com os gastos com pessoal, encargos e benefícios tomando uma parcela cada vez maior do orçamento o ajuste acaba sendo nas outras despesas correntes e no investimento. Isso não é culpa da lei do teto, de fato, como vimos, a redução no orçamento total foi mais forte no período anterior a aprovação da lei do teto. A situação de quem estiver na gestão da UnB não é fácil, outras despesas correntes são necessárias para financiar o dia a dia da universidade, nesse grupo estão incluídos os serviços terceirizados como vigilantes, porteiros e pessoal de limpeza. Em termos reais a atual administração conta com menos da metade do que estava disponível para esse tipo de gasto em 2015. A cada rodada de cortes fica mais difícil realizar novos cortes, a cada aumento de gastos com pessoal, encargos e benefícios serão necessários mais cortes em despesas correntes. A figura abaixo mostra o gasto orçado com pessoal, encargos e benefícios como proporção do orçamento total, repare o salto de 62% para 84% ocorrido entre 2013 e 2018.

O lado bom é que as despesas com pessoal, encargos e benefícios parecem que caminham para estabilidade, o lado ruim é que está estabilizando em um nível muito alto. A dura realidade é que nas condições de hoje contratar um professor significa reduzir um valor equivalente ao salário desse professor em outras despesas correntes, no limite podemos dizer que contratar um professor significa demitir alguns porteiros.

No caso específico da UnB o drama poderia ser amenizado pela regulamentação do uso de recursos próprios, a conhecida fonte 250 (link aqui). Por conversas que já tive com pessoal de ministérios e no Congresso acredito que tal regulamentação seja possível, mas as universidades federais precisam ser proativas e liderar esse esforço. A médio prazo a UnB talvez tenha de repensar a política de pessoal, especialmente as contratações. A aprovação de uma reforma da previdência que reduzisse os gastos com inativos e a adiasse a necessidade de contratar novos professores e técnicos administrativos também ajudaria, mas isso não depende da UnB.

A curto prazo sobram medidas emergenciais como revisar contratos com empresas prestadoras de serviços (possibilidade prevista nos contratos), adiar investimentos, renegociar contratos de telefonia e internet, implementar planos de redução de consumo de energia e coisas do tipo. Uma medida interessante é repassar custos para as unidades, a proposta relativa aos estagiários foi nessa direção, a medida não tem impacto direto no orçamento total, só muda quem faz a despesa, mas pode levar as unidades a ter mais rigor em suas demandas. Nesse sentido seria interessante que cada unidade tivesse informações quanto a seu custo total e como esse é distribuído, com essa informação os diretores teriam mais condições de avaliar onde podem ser feitos cortes com o mínimo prejuízo para as atividades acadêmicas da unidade.

Enfim, falei mais do que queria, o ponto que quis mostrar é que a UnB, e várias outras universidades federais, estão em uma encruzilhada. Um caminho é sair acusando o governo de plantão e exigindo o fim de medidas como o teto de gastos que, insisto, não levou a uma queda no orçamento da UnB, pelo contrário, ou exigindo o fim do ajuste fiscal, que veio mais de necessidade do que da vontade do inquilino (inquilina?) do Planalto. Outro caminho é olhar item a item a procurar medidas para conter o aumento dos gastos com pessoal, encargos e benefícios enquanto mantém os esforços para reduzir outras despesas correntes e conseguir a regulamentação do uso dos recursos próprios. O primeiro caminho é mais romântico, é o caminho que cria heróis carreiras políticas e coisas do tipo. O segundo caminho é chato, não tem brilho nem heróis e não ajuda a eleger ninguém, mas, creio eu, é o caminho que pode livrar a UnB de repetir a cada ano e com mais intensidade o drama que estamos vivendo. O diagnóstico que o teto de gastos é o culpado por nossos problemas pode sugerir o primeiro caminho, o diagnóstico que tentei fazer nesse post implora pelo segundo caminho.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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