Um governo reborn
Que o mundo enlouqueceu é sabido e notório. Tantas atitudes e comportamentos estranhos têm se tornado cada vez mais comuns que a normalidade, tal como sempre foi entendida, parece ter sido completamente abolida da civilização e substituída por um curioso homônimo fake, que estabelece que o errado é certo, o torcido é endireitado, a sinuosidade é linearidade e o analfabetismo é sabedoria. Muitas vezes, temos a impressão de que tudo virou um enorme manicômio às avessas, um hospício woke em que os sadios são os loucos, e os malucos, os sãos.
O mais recente item no cardápio do sanatório em que transformaram o Ocidente são os bebês reborn, bonecos muito realistas feitos manualmente de vinil ou silicone e que imitam quase que perfeitamente os bebês reais — os de carne e osso, nascidos de uma mulher a partir da união com um homem —, em características como aparência, peso, pele, cabelos, unhas e até artérias. Até aí, nada de errado, uma vez que se trata apenas de peças artesanais. O problema é que muitas pessoas estão tratando esses bonecos como filhos de verdade, com tudo o que isso implica: trocar fraldas, amamentar, levar ao pediatra, cantar canções de ninar, solicitar guarda em caso de divórcio e até mesmo usá-los como pretexto para furar filas em supermercados.
Psicólogos como Jordan Peterson quase que certamente atribuiriam o comportamento desses “pais” e “mães” de bonecos a uma necessidade de escapar da realidade, de esquivar-se dos desafios da vida real, ou como indicador da ausência de um propósito na vida, ou simples carência, ou busca por maternidade e responsabilidade. Enfim, penso que temos que desejar o melhor para essas pessoas, mas não podemos fugir ao dever de dizer que o seu comportamento não pode ser considerado normal, porque brincar de boneca quando não se é mais uma menina não é mesmo normal. Cada um deve ser livre para fazer o que quer com a própria vida, mas desde que suas doidices não causem danos a terceiros, como no caso daquela moça que exigiu atendimento para o seu boneco em um posto de saúde e, diante da negativa, aprontou uma confusão tamanha que atrasou o atendimento de quem realmente necessitava.
Mas este artigo não é sobre bebês reborn, é sobre o governo reborn de Lula, um governo que, exatamente como o boneco, em tudo se assemelha a um governo de verdade, mas não tem vida, no sentido que se atribui a qualquer governo. Assim como um bebê de silicone jamais aprenderá a ler, um governo reborn em nenhuma hipótese saberá governar. A gestão petista, com suas quase quatro dezenas de ministros, é um acúmulo de desordem, incompetência, ideologia e autoritarismo fantasiado de democracia. Não tem sinais vitais. A rigor, não é um governo, é uma peça reborn. Vamos tentar mostrar alguns porquês?
A economia rupestre
Não obstante o partido do governo, sempre apoiado cegamente por seu exército de militantes na imprensa, tentar vender há 45 anos aos incautos a narrativa de que é voltado para os pobres, hoje, em meio ao seu quinto mandato, o país está submerso em uma crise fiscal aguda, em uma inflação de preços bastante alta e com uma fuga de investimentos significativa, em consequência de suas políticas desastrosas. O Brasil, que já fora considerado uma potência emergente, está com a economia à deriva e à beira do abismo, enquanto o governo não se cansa de privilegiar aliados ideológicos e ignorar as vantagens da economia de mercado.
As promessas populistas de Lula, que refletem uma concepção antediluviana da economia, têm acarretado altos custos para o povo brasileiro e levado o Brasil à desindustrialização, ao aumento da pobreza e à estagnação econômica. Na cartilha econômica do PT, empreendedores e investidores são tratados como inimigos. Isso inevitavelmente gera um ambiente hostil para os negócios e um desestímulo ao empreendedorismo, acendendo o sinal vermelho para investimentos estrangeiros e nacionais, tendências amplificadas pelo inacreditável ambiente de instabilidade jurídica decorrente dos conflitos no terreno das atribuições dos três Poderes.
Para agravar a situação, o governo continua a distribuir benesses para os seus aliados políticos, a ampliar o assistencialismo e os privilégios para sindicatos amigos e a expandir um Estado que já era inchado e ineficiente havia bastante tempo. A receita do PT é perfeita para o declínio econômico.
A derrocada moral e democrática
As críticas ao governo reborn não se restringem à economia. Há um autoritarismo que contempla perseguição a opositores, aproximação com ditadores espalhados pelo mundo e insistência doentia em controlar a mídia e enfraquecer instituições democráticas. Há, ainda, ataques sistemáticos à liberdade de expressão, tentativas reiteradas de censurar as redes sociais, perseguição a jornalistas e a políticos de oposição, presos políticos e brasileiros asilados no exterior, o que evidencia intolerância a críticas e desejo de apossar-se do Estado.
Na semana passada, na China, Lula, ao tentar defender sua mulher de uma de suas habituais atitudes inconvenientes, deixou escapar que havia pedido pessoalmente ao ditador chinês Xi Jinping — a quem chamou de “companheiro” — que designasse um representante “de confiança” para “discutir o que a gente pode fazer para regulamentar a internet com ênfase na plataforma TikTok”. Para o jurista André Marsiglia, isso é revelador: “Sem dúvida é um sinal, pois a China é um modelo de gestão totalitária da liberdade de expressão. Chega a ser uma confissão de que a regulação é, para o governo, um mero eufemismo para a censura”. Caros leitores, não há como aceitar que o presidente do Brasil, um país supostamente democrático, faça um pedido desse teor ao líder de uma ditadura.
A impressão que se solidifica é a de que o interesse maior dessa gente que está no leme do país é apenas consolidar o seu projeto de poder, em detrimento de tentar resolver os problemas reais da população. O fato — evidente e patente — é que estamos longe de uma democracia vibrante, reféns de políticos obcecados pelo controle absoluto do poder e com perspectivas incertas de resgate das liberdades que nos vêm sendo paulatinamente surrupiadas. Essa visão de um Estado centralizador e — o que é ainda mais preocupante — aliado de regimes autoritários nos leva a reconhecer que o Brasil está flertando com o fracasso.
Enquanto isso, o povo brasileiro enfrenta as consequências do governo reborn: inflação, desemprego, aumento da criminalidade, perda de confiança nas instituições etc. Como expôs o Wall Street Journal em artigo de novembro do ano passado, Lula, que se apresenta como “o pai dos pobres”, é, na verdade, o pai do caos. Essa crítica acerba ao presidente apenas reflete o que todos já sabíamos havia muito tempo (inclusive muitos “liberais” que o apoiaram em 2022): que sua gestão seria uma tragédia anunciada. Não tinha como ser diferente.
A política externa nanica
Lula e o PT sempre demonstraram simpatia por ditadores de esquerda e era ingenuidade esperar que fosse diferente neste seu terceiro mandato (que já é o quinto do partido): a conhecida nanodiplomacia petista tem reafirmado sua velha paixão por regimes autoritários espalhados pelo planeta: Maduro foi recebido com honras de chefe de Estado; navios de guerra do Irã atracaram misteriosamente no Rio de Janeiro; gestos de antipatia a Israel logo depois dos ataques cometidos pelos terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023; apoio declarado ao Hamas e ao regime dos aiatolás; alinhamento com a ditadura chinesa; agressividade de adolescente contra os Estados Unidos; apego ao Brics e ao Mercosul; afagos subservientes ao ditador Putin; asilo concedido a Nadine Heredia, logo depois de ser condenada a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro durante a campanha eleitoral de seu marido, Ollanta Humala, também sentenciado a 15 anos de reclusão.
Entre tantos vexames, desponta ainda a presença de Lula em Moscou, no 80º aniversário da derrota do nazismo na Segunda Guerra Mundial, com a presença de cerca de 20 chefes de Estado, todos eles ditadores convictos e contritos, entre os quais o próprio Putin, Xi Jinping (China), Nicolás Maduro (Venezuela), Miguel Díaz-Canel (Cuba), Mahmoud Abbas (Palestina), Masoud Pezeshkian (Irã), Denis Sassou-Nguesso (República do Congo), Abdelmadjid Tebboune (Argélia), Abdul Fatah al-Sisi (Egito) e Tô Lâm (Vietnã). Enquanto o mundo livre celebrava o Dia da Vitória, uma conquista principalmente dos Estados Unidos e das democracias da Europa, o nosso presidente preferiu festejar em um país que era (e ainda é) uma ditadura e que só passou a combater o nazismo quando Stalin percebeu que Hitler não estava disposto a cumprir o acordo que assinaram na própria Moscou em agosto de 1939, conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop ou Pacto Nazi-Soviético, seguido pelo Acordo Comercial Germano-Soviético, de fevereiro de 1940. Lula não hesita em fazer o Brasil passar vergonha.
Em suma, a política externa do PT está muito mais focada na agenda ideológica esquerdista e globalista, como a pasmaceira do Sul Global, o nhe-nhe-nhem do clima e a mesmice das pautas woke, do que na boa diplomacia para obter ganhos geopolíticos e econômicos para o Brasil mediante um pragmatismo de acordos comerciais mais amplos com países reconhecidamente democráticos. É antiquada, é estulta, é desastrosa. É o nanismo diplomático. Parece que os responsáveis por nossa atual política externa acreditam piamente em um falso teorema, o de que o somatório das pobrezas é igual à riqueza.
Outras críticas
Há muitas outras críticas ao governo reborn do PT. Vamos apenas citar algumas: (a) a visível inoperância e falta de qualificação da maioria dos quase 40 ministros; (b) a volta dos escândalos de corrupção ao noticiário, com a revelação, pela Operação Arcanjo, de fraudes gigantescas no INSS, que levaram à demissão do ministro da Previdência (que foi substituído, inacreditavelmente, por seu próprio homem de confiança) e a pressões da oposição pela instauração de uma CPI; (c) a priorização de despesas desnecessárias, como diversos eventos ditos “culturais”, a renovação da mobília e do enxoval do casal presidencial e a ideia de comprar um novo avião para o presidente, tudo isso pago com recursos dos pagadores de impostos, ao mesmo tempo em que o governo se nega a cortar gastos para buscar o equilíbrio fiscal; (d) a falta de diálogo com o Congresso e o recurso ao socorro do Judiciário; (e) o descumprimento de dezenas de promessas de campanha, como a da picanha para todos e a da acessibilidade a viagens aéreas para os pobres, que caíram no terreno das chacotas; (f) a ausência total de um projeto claro de governo (que é diferente de projeto de poder), citada até mesmo por bases que o apoiaram em 2022; (g) o acirramento da polarização, com a insistência na criminalização da oposição por meio da narrativa descabida de uma pretensa tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023; (h) as críticas, endossadas por setores do próprio governo, à primeira-dama, no sentido de que mistura frequentemente o papel institucional com ativismo.
Se somarmos a todos os porquês apontados até aqui a omissão indesculpável do Congresso, especialmente do Senado, e a invasão, por parte do Judiciário, da esfera de competência dos outros Poderes (judicial overreach), concluiremos que não apenas o governo é reborn, mas nossa própria democracia. O Executivo brinca de governar, e o Legislativo e o Judiciário, de democracia. Só que os bonecos, aí, somos nós.
*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.