Socialismo científico (Marxismo) não é científico
O método científico tem como objetivo fundamental a produção de conhecimento sistemático, testável e aberto à crítica. Em sua forma mais aceita no campo da epistemologia contemporânea, a ciência exige a formulação de hipóteses passíveis de refutação empírica. A teoria deve, portanto, correr o risco de ser falsa e estar disposta a ser rejeitada diante de evidências contrárias.
Karl Marx, ao desenvolver sua crítica ao capitalismo e propor o socialismo como uma etapa inevitável da história, acreditava estar fundando um “socialismo científico”, em contraste com os socialismos utópicos, que julgava baseados em ideais morais abstratos. Essa proposta se apoia em uma epistemologia própria — o materialismo histórico-dialético — que difere dos padrões da ciência moderna no que diz respeito à testabilidade empírica, delimitação conceitual e neutralidade valorativa. Mesmo que coerente em sua lógica interna, essa abordagem apresenta sérias limitações quando analisada sob os critérios das epistemologias contemporâneas predominantes.
Segundo Karl Popper, um dos principais critérios para se demarcar uma teoria científica é sua falseabilidade — ou seja, sua capacidade de ser posta à prova e, em caso de refutação, ser abandonada. Popper argumenta que o Marxismo deixou de ser falseável ao se proteger com definições ad hominem, como “alienação” e “consciência de classe”. Se um crítico do Marxismo pertence à classe dominante, ele está defendendo seus “interesses de classe”; se é da classe dominada, está “alienado” e precisa ser conscientizado. Para Popper, essa prática representa um afastamento do método científico: ao se tornar resistente à refutação, o Marxismo enfraquece sua pretensão de ser ciência.
Sob uma perspectiva mais flexível, como a do racionalismo crítico popperiano — que admite a falibilidade de todo conhecimento —, o Marxismo se mostra excessivamente adaptável. A crítica reside no fato de que, embora tenha começado como uma teoria com risco empírico, o Marxismo passou a adotar hipóteses ad hoc posteriores para explicar resultados contrários às previsões originais, como o sucesso do capitalismo em várias regiões ou a revolução em países agrários, como a Rússia. Exemplos dessas reformulações incluem a transição do discurso de que o capitalismo gera pobreza objetiva para o de que gera desigualdade e a inclusão da teoria do “imperialismo” como justificativa para o êxito capitalista. Esse movimento reforça a crítica de que o Marxismo deixou de operar como uma teoria passível de refutação empírica, assumindo o caráter de uma doutrina ideológica.
Além disso, os positivistas lógicos, como os do Círculo de Viena, também questionam o caráter científico do Marxismo, embora por razões distintas. Para esses pensadores, uma teoria só possui significado cognitivo se seus termos puderem ser traduzidos em enunciados observacionais verificáveis. Conceitos centrais do Marxismo, como “alienação”, “consciência de classe” ou “infraestrutura/superestrutura”, embora funcionem como categorias analíticas dentro de um modelo histórico-estrutural, ou carecem de correspondência direta com experiências empíricas observáveis ou são excessivamente vagos. Por isso, esses termos são considerados de aplicação científica problemática do ponto de vista verificacionista.
Sob uma abordagem apriorista, que valoriza a dedução lógica a partir de premissas fundamentais, o Marxismo também encontra dificuldades. O economista austríaco Eugen von Böhm-Bawerk aplicou esse modelo para criticar a teoria do valor-trabalho — base da teoria marxista da exploração. Segundo ele, é a utilidade subjetiva, e não o trabalho, o verdadeiro determinante do valor. Se o valor dependesse unicamente do trabalho, bens indesejados, porém trabalhosos, deveriam valer tanto quanto bens escassos e altamente desejados, o que não se verifica empiricamente. Exemplos clássicos incluem: pepitas de ouro encontradas ao acaso (valiosas sem trabalho), buracos escavados aleatoriamente (trabalhosos, mas sem valor) ou mercadorias idênticas de marcas diferentes (com valor distinto apesar do mesmo trabalho).
Böhm-Bawerk também argumenta que a teoria marxista ignora noções fundamentais como o valor temporal — a diferença entre valor presente e futuro —, negligenciando que o salário representa uma antecipação de tempo e risco por parte do capitalista. O capitalista que decide abrir uma fábrica, por exemplo, opera por vários anos no vermelho antes de obter lucros. Nesse sentido, sem o risco e o capital inicial do capitalista, os trabalhadores não teriam como receber por seu trabalho por anos, sendo levados à fome.
Do ponto de vista da própria tradição marxista, reconhece-se que o materialismo histórico-dialético rejeita a fragmentação analítica em favor da totalidade e da contradição. Os marxistas alegam que categorias como “alienação” e “consciência de classe” não podem ser reduzidas a experiências empíricas isoladas, pois expressam relações estruturais e dinâmicas históricas. No entanto, ao operar com categorias que não são operacionalizáveis empiricamente nem dedutíveis de forma clara, essa epistemologia entra em tensão com os critérios de cientificidade.
Portanto, embora Marx tenha defendido a cientificidade de sua teoria com base em uma epistemologia histórico-dialética, ela se revela incompatível com os critérios de testabilidade, clareza conceitual e disposição à refutação que caracterizam o método científico nas tradições popperiana, positivista e apriorista. Sob essas perspectivas, o socialismo científico proposto por Marx apresenta limitações epistemológicas significativas e não se qualifica como ciência no sentido estrito e rigoroso do termo.
Referências
BÖHM-BAWERK, Eugen von. Karl Marx and the Close of His System. Auburn: Ludwig von Mises Institute, 2008.
ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2010.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política – Livro I: O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.
NEURATH, Otto et al. Fundamentação lógica da ciência. São Paulo: Cultrix, 1975.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2004.
SCHONS, Marize. O mínimo sobre Marx. O Mínimo: 2024.
*Tiago Oliveira Mota é economista e empresário com atuação em Belo Horizonte. É bacharel em Economia pelo Ibmec e mestre em Economia Aplicada pela USP. Associado ao Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte (IFL-BH), atua na interseção entre análise político-econômica e gestão empresarial.