Quando o erro econômico vira política de governo
Inflação não é aumento de preços. Não são raros os livros-texto de economia que, de forma equivocada, afirmam, porém, que inflação é, pura e simplesmente, um aumento generalizado de preços.
Embora pareça que a afirmação seja apenas um erro conceitual, há algo de muito perigoso nela. Em primeiro lugar, não existe algo como um aumento geral de preços. A respeito desse improvável fenômeno, explica Mises em seu livro As seis lições:
Quando se fala de “nível dos preços”, a imagem que as pessoas formam mentalmente é a de um líquido que sobe ou desce, segundo o aumento ou a redução de sua quantidade, mas que, como um líquido num reservatório, eleva-se sempre por igual. Mas, no caso dos preços, nada há que se assemelhe a “nível”. Os preços não se alteram na mesma medida e ao mesmo tempo. Há sempre preços que mudam mais rapidamente, caem ou sobem mais depressa que outros.
Dito de outra forma, para que economistas (ou quaisquer outros “especialistas”) afirmem que inflação é o aumento geral de preços, eles têm de pressupor que, necessariamente, preços de bens e serviços distintos, cujos usos e aplicações são igualmente distintos, devem ter seus preços majorados na mesma proporção quando intervenções governamentais levam à expansão creditícia-monetária. Governos perdulários, notadamente os governos de esquerda, famosos por adotar políticas públicas próprias de regimes centralizadores, tendem a expandir seus gastos indefinidamente para atingir fins populistas e eleitoreiros, muito embora suas intenções sejam camufladas por uma embalagem de bom-mocismo, o qual, por sua vez, é apresentado ao grande público sob o eufemismo da justiça social, da geração de empregos e do crescimento econômico.
A prodigalidade é justificada sob o argumento de que, sem dinheiro estatal, milhões de pessoas seriam lançadas na miséria, a economia não decolaria e uma massa de desempregados seria empurrada para a fila do pão. Para as três situações, haveria três soluções estatais: assistencialismo, taxas de juros reduzidas (ignora-se, aqui, que a taxa de juros é um preço) e projetos de engenharia grandiosos nos quais serão empregadas multidões de pessoas*.
É aqui, mais precisamente, que reside o grande perigo do erro conceitual que deu início a esse texto. Isso porque a inflação ocorre no momento em que governos autoritários (que acreditam ter autoridade, inclusive, sobre aquilo que está reservado à ciência econômica) decidem que gasto corrente é vida e, a partir de então, despejam quantidades indefinidas de dinheiro no sistema bancário. Em forma de empréstimo ou em forma de assistencialismo, o dinheiro adicional injetado pelos governos na economia dá início ao processo de inflação. Logo, cuidado, caro leitor! Inflação e aumento de preços são fenômenos que, embora conectados, têm uma distinção temporal e de causa e efeito. Primeiro vem a inflação, a injeção desmedida de dinheiro na economia e, depois o aumento de preços. A inflação é a causa; o aumento de preços, a consequência.
Se os livros-texto de economia, aos quais grande parte dos nossos acadêmicos é submetida, levam à compreensão equivocada e irreal (sem constatação prática) de que ambos os fenômenos são uma só coisa, as consequências podem ser desastrosas. Num primeiro momento, será criado o estímulo para que governos centralizadores, perdulários, fiscalmente irresponsáveis, consolidem sua prática de espoliação, uma vez que o crescimento artificial da economia lhes dará sustentação popular (não nos esqueçamos de que o aumento de preços ainda não apareceu no horizonte, muito embora os gastos excessivos, que beneficiam milhares de pessoas, já sejam uma realidade). Para gastar, o governo, inevitavelmente, retirará recursos da iniciativa privada. É justamente na iniciativa privada, porém, que os projetos empreendedores tendem a dar certo, a gerar lucro e benefícios para sociedade. É lá, no ambiente privado, que a viabilidade de novos projetos é testada e cuidadosamente analisada sob os instrumentos da engenharia econômica. Projetos inviáveis são logo descartados quando a nulidade de seu retorno é comprovada.
Com o governo, não é assim, entretanto. Os critérios para aplicação de recursos em novos projetos (não confundir com inovadores) são puramente políticos, eleitoreiros. Não há técnica, há interesses ideológicos, apenas. O maior problema talvez esteja na forma como o governo obtém toda a dinheirama. São duas as possíveis fontes: 1) Tributação; 2) Endividamento. Em ambos os casos, o governo subtrai recursos escassos (não nos esqueçamos de que a lei ou princípio básico da economia é a escassez) de projetos privados para aplicar em projetos de cunho eleitoreiro. A economia e toda a população perdem quando lhes é tirada a possibilidade do emprego desses recursos em projetos de inovação que provocariam uma evolução no bem estar geral da sociedade.
Em ambos os casos, o governo terá, necessariamente, mais dinheiro, ao passo que a iniciativa privada terá menos. Ora, com menos recursos disponíveis, quaisquer projetos de inovação, cuja verificação de viabilidade é facilmente comprovada na iniciativa privada, serão amputados antes mesmo de que tenham qualquer chance de sair dos relatórios analíticos das empresas.
O endividamento, um problema à parte (e que merece um segundo artigo) compromete as gerações atuais e futuras. Em algum momento, afinal, a conta terá de ser paga, o que comprometerá poupança e renda da população penalizada com mais tributos (estes, por sua vez, decorrerão da necessidade de maior arrecadação).
A conclusão desta análise não poderia ocorrer sem que sejam mencionados os custos da inflação para a classe dos subjugados ou desfavorecidos (e aqui faço uso do termo e do apelo classista da turma canhota para expor suas incoerências).
O dinheiro injetado na economia não chega a todas as mãos que a compõem. Primeiro, uma parcela da população mais pobre, escolhida sob critérios populistas, irá recebê-lo e sair às compras. Os preços não terão subido a esse tempo, e os compradores, felizes, poderão comprar quantidades significativas dos produtos que desejam a preços inalterados. Com a repetição do fenômeno, todavia, a procura pelos produtos aumentará e pressionará os preços para cima. A parcela da população que não recebeu nenhuma assistência terá agora de comprar, com os poucos recursos mensais a que tem acesso, uma quantidade menor de produtos cujos preços estão agora majorados.
Isso explica por que o aumento de preços e a inflação são as piores formas de tributação e provocam queda na qualidade de vida dos mais pobres, aqueles a quem os discursos político-eleitoreiros são destinados. Para finalizar, aos que desejam entender claramente os malefícios da inflação, sugiro a leitura do capítulo 4 do livro de Ludwig von Mises, A Inflação, um bom início para quem deseja escapar às armadilhas do bom-mocismo.
*A respeito das soluções adotadas por governos de esquerda em nome da geração de riqueza nacional, consultar este, este e este artigo.



