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Liberação das drogas: entre Solozzos e Corleones

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Meu caro amigo Ivanildo Terceiro, brilhante jovem libertário, fez ontem um post em contraposição ao meu artigo onde eu me posiciono como sendo contra o argumento utilitário sobre a liberação de drogas.

Para tentar desconstruir meus argumentos, Ivanildo lista basicamente três supostos fatos: (i) que a legalização cortaria a maior fonte de financiamento do crime organizado; (ii) que a legalização faria a polícia focar em solucionar outros crimes; e (iii) que a legalização geraria mais receita pública via tributação para o combate ao crime.

Vamos refutar as colocações de Ivanildo ponto a ponto.

Sobre 1 (a legalização cortaria a maior fonte de financiamento do crime organizado):

O cerne do meu argumento anterior é justamente que há uma substitutividade nas atividades criminosas. De fato o financiamento do crime por drogas acaba, mas o problema é que ELE PASSA A SER FINANCIADO PELO AUMENTO DOS OUTROS CRIMES. Foi exatamente o que aconteceu no Rio no começo da década de 90. Quando o Estado reduziu drasticamente a atividade do bicho, o tráfico de drogas recebeu esse contingente de trabalho criminoso e supriu financeiramente o crime organizado. A legalização das drogas gerará o mesmo efeito, provavelmente reforçando o roubo e o sequestro, seja ele em forma tradicional ou aquele mais praticado no Rio hoje.

Para quem viu o primeiro filme do “Poderoso Chefão”, esse fenômeno é explicado de forma bastante clara no embate entre Solozzo e Don Corleone. Solozzo era um traficante de drogas e exigiu de Corleone ajuda das famílias ao seu negócio, enquanto Corleone, que praticava jogos e contrabando, dizendo ser contra as drogas, disse que nada tinha contra Solozzo, mas que não o ajudaria nem o atrapalharia. Solozzo, percebendo que a mera existência dos negócios de Corleone já era prejudicial ao seu negócio, por lhe tomar espaço na contratação de mão-de-obra e compra de corruptos, tramou seu assassinato. Sua tentativa foi frustrada, mas a incapacitação de Don Corleone levou à ascensão de Michael como novo Padrinho.

Em suma, com o argumento de que a legalização ataca a fonte de financiamento do crime organizado, Ivanildo sequer se contrapõe, na prática, aos argumentos que expus no artigo anterior, já que eu mesmo já havia alertado sobre a mera mudança da fonte de financiamento criminosa.

Sobre 2 (a legalização faria a polícia focar em solucionar outros crimes):

Eu mesmo afirmei no meu texto que isso aconteceria, e no meu próprio texto esclareci o efeito prático disso: com o trade-off e aumento dos demais crimes com a legalização, o aumento do custo para solucionar os outros crimes substitui o custo para o combate ao tráfico de drogas. Uma coisa compensa a outra e isso vira um jogo de soma zero, com a polícia gastando exatamente a mesma coisa que gastava no status quo anterior.

Esse argumento também se perde em si mesmo quando percebemos um pressuposto dele. Segundo esse pensamento, somente 5% dos homicídios no Brasil são solucionados porque a polícia está concentrada em combater o tráfico de drogas. Então podemos concluir que, pelo menos no que tange ao combate ao tráfico de drogas, que é o suposto foco da polícia e sorvedouro de recursos públicos, o combate ao tráfico tem sido feito com excelência, certo?

Não é o que diz os relatórios da UNODC, agência da ONU para combate a crimes e drogas, que afirmam continuar a aumentar o consumo de todas as drogas no Brasil, não somente a mais leve, a maconha. No resto do mundo o consumo de drogas está estabilizado, em regra.

Agora vamos comparar a realidade do solucionamento dos homicídios no Brasil com outros países: no Reino Unido, a taxa de solução é de 90%; na França é de 85%; e nos EUA é de 65%. O que todos esses países têm em comum com o Brasil? Todos possuem políticas proibitivas quanto às drogas.

A culpa da nossa taxa de 5% de solução de homicídios ser jogada nas costas da proibição de drogas é uma falácia, para dizer o mínimo.

Como eu disse no meu texto original e reafirmo agora: o que vai realmente diminuir a criminalidade não é a legalização do tráfico, mas sim a mudança cultural da sociedade e do Estado na sua postura com o crime como um todo, com desaparelhamento da esquerda das instituições e fim do coitadismo como base das políticas públicas no Brasil, além de uma reforma criminal séria.

O que gera incentivo para a ocorrência de crimes no Brasil é a impunidade gerada por uma política de direitos humanos falha, uma legislação excessivamente pró-bandido e TJs, MPs e OABs aparelhadas por discípulos de Rousseau e Foucault, que entendem que o homem nasce bom mas a sociedade é que o corrompe, portanto a culpa é da sociedade e não do criminoso nessa loucura implantada aqui.

Sobre 3 (a legalização geraria mais receita pública via tributação para o combate ao crime)

O único argumento relevante naquele texto é o 3, e verdadeiramente consistente nessa abordagem. De fato há um aumento substancial na receita pública proveniente da tributação no caso da legalização.

Meu contra-argumento é que as despesas com os custos de saúde pública e do aumento exponencial da adicção social vai contrabalançar o ganho de receita com essa tributação.

Na discussão no post do Ivanildo, algumas pessoas argumentaram que o aumento exponencial da adicção social não seria verdade.

Acontece que seres humanos reagem a incentivos, e é claro que a retirada da proibição gera um incentivo de uso. Na prática, o consumo de drogas, sendo incorporado na cultura social como sendo de uso comum da mesma maneira como hoje as bebidas os são, porém com um grau de adictibilidade muito maior que o álcool, certamente vai gerar uma catástrofe de cunho social.

Na melhor das hipóteses, haverá apenas uma redução significativa da produtividade média do brasileiro dentro da sua atividade econômica, compensando negativamente o aumento da arrecadação nesse novo mercado legalizado com a perda de receita em todos os demais mercados pela perda parcial da produtividade do nosso trabalhador.

Na pior das hipóteses, com o aumento da competição por drogas mais eficientes, mais baratas, com adictibilidade perfeita (uma dose sendo suficiente para adicção eterna) e mais potentes, por empresas especializadas em busca de mercado consumidor, chegaremos a uma sociedade huxleyana de zumbis viciados pela “Soma”.

Certamente não é esse “admirável mundo novo”, fruto do suposto utilitarismo na liberação das drogas, que gostaria de ver o Brasil, ou qualquer lugar, se tornar. E fica uma última pergunta: esse cenário é realmente útil pra quem?

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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