Espaço para Crescer: os bastidores da nova economia espacial

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14 de novembro de 2011 marcou um ponto baixo na exploração espacial tripulada dos Estados Unidos, quando o astronauta americano Daniel Burbank teve que ser transportado para a Estação Espacial Internacional (ISS) a bordo de um foguete russo Soyuz, já que os Estados Unidos não tinham mais capacidade de enviar seus próprios astronautas à órbita após o fim do programa do ônibus espacial. Nos anos que se seguiram, astronautas americanos realizaram 30 voos desse tipo até a ISS utilizando foguetes russos Soyuz – até que um foguete Falcon 9 da SpaceX levou astronautas americanos à ISS em 30 de maio de 2020, marcando a primeira vez em quase uma década em que os Estados Unidos lançaram sua própria missão tripulada ao espaço.

De acordo com Matthew Weinzierl e Brendan Rosseau (ambos da Harvard Business School), o declínio dos voos espaciais tripulados liderados por governos após o sucesso da missão Apollo que levou o homem à Lua em 1969 pode ser atribuído a problemas estruturais inerentes ao planejamento centralizado: “A ausência da concorrência típica de um mercado livre significa que há incentivos limitados para eficiência e inovação. Com o tempo, os sinais de preço se deterioram, tornando quase impossível determinar a melhor forma de alocar recursos, mesmo para os planejadores centrais mais bem-intencionados. E, com demasiada frequência, quando colocamos o controle nas mãos de poucos funcionários públicos, há pressão para atender a interesses concentrados em detrimento dos interesses da sociedade. Essas fragilidades estruturais, ao longo do tempo, começaram a minar o programa espacial americano. Ironicamente, são exatamente as mesmas que condenaram a economia da União Soviética, rival do país na corrida espacial” (p.17).

Em uma palestra em 1992, S. Peter Worden, Deputado de Tecnologia da Organização da Iniciativa de Defesa Estratégica do Departamento de Defesa dos EUA, não poupou críticas: “Como a NASA efetivamente trabalha para a parte mais eleitoreira do Congresso, não é surpresa que seus programas sejam desenhados para maximizar e perpetuar programas de empregos em distritos-chave do Congresso. O Ônibus Espacial e a Estação Espacial são um exemplo ultrajante. Quase dois terços do orçamento da NASA estão atrelados a esse programa autoalimentado. O Ônibus Espacial é uma forma incrivelmente cara de chegar ao espaço, custando 1 bilhão de dólares por lançamento… Como dezenas de milhares de empregos estão ligados a esses programas e a maior parte do orçamento da NASA também, não há apenas falta de dinheiro para sair desse ciclo infinito, mas também existem pressões políticas positivas para garantir que não saiamos dele. Basta ver que nem mesmo 175 milhões de dólares puderam ser encontrados dentro do orçamento de 14 bilhões da NASA para o desenvolvimento de um novo sistema de lançamento custo-efetivo” (pp. 25-26).

As empresas aeroespaciais tradicionalmente constroem seus foguetes usando componentes provenientes de uma vasta e complexa rede de fornecedores. Os autores de Space to Grow [em português, Espaço para Crescer] citam o pesquisador da NASA Harry Jones, que estimou que a ULA (United Launch Alliance, uma joint venture fundada em 2006 pela Lockheed Martin Space Systems e Boeing Defense, Space and Security) possuía “centenas de subcontratados que têm dezenas de instalações espalhadas por todo o país.” Como Jones aponta, isso era “uma necessidade política para um programa de empregos financiado pelo governo” (p. 73). No fim das contas, o sistema tornou-se cada vez mais ineficiente porque a política – cada estado federal buscava garantir sua parte do programa – e não critérios objetivos determinava grande parte das decisões. Em contraste, a SpaceX tem sido capaz de produzir foguetes a custos significativamente menores, pois não precisa fazer concessões políticas e fabrica muitos componentes internamente. A SpaceX estima que “cada dólar enviado para fora da empresa na verdade custa entre 3 e 5 dólares, considerando as despesas gerais e o lucro dos subcontratados” (p. 73).

É mérito da NASA ter reconhecido os problemas e mudado a forma como trabalhava com empresas espaciais privadas como a SpaceX – abrindo assim caminho para a exploração espacial privada em larga escala. O programa de financiamento NASA Commercial Orbital Transportation Services (COTS) desempenha um papel fundamental no avanço da exploração espacial ao viabilizar o transporte de equipamentos essenciais, suprimentos e experimentos de e para a ISS por meio de parcerias com empresas privadas. O programa foi anunciado em 18 de janeiro de 2006 e tem sido um sucesso absoluto.

De acordo com os autores, a concorrência no setor privado e o abandono dos onerosos programas de “cost-plus” (custo acrescido) permitiram que a SpaceX reduzisse os custos de lançamento em mais de 90% em comparação ao ônibus espacial (p. 55), e em outra parte chega-se a mencionar uma redução de até 95% (p. 35). Os autores afirmam, porém, que isso é apenas o começo, já que a Starship da SpaceX pode potencialmente reduzir os custos de lançamento para apenas alguns milhões de dólares. “Com uma capacidade de 150.000 quilos, isso significa que o custo real de enviar carga útil para a órbita baixa da Terra (onde a maioria dos satélites opera) poderia ser de cerca de 200 dólares por quilo, uma ordem de grandeza menor até mesmo que o Falcon 9. Isso significaria que a SpaceX reduziu os custos de lançamento em 99%, em relação ao ônibus espacial, em apenas algumas décadas.” (pp. 78-79)

Também vale muito a pena comparar a Starship com o Sistema de Lançamento Espacial da NASA, ou SLS, para abreviar. O SLS, um foguete pesado desenvolvido para a NASA, realizou seu lançamento inaugural não tripulado em 16 de novembro de 2022, com a primeira missão tripulada prevista para 2026. Cada lançamento do SLS e de sua cápsula espacial, Orion, está estimado em 4,2 bilhões de dólares. Até o momento do primeiro voo, a NASA havia gasto cerca de 24 bilhões de dólares no desenvolvimento do SLS, incluindo 6 bilhões em estouros de custo e mais de 6 anos de atrasos além das projeções originais da NASA. A SpaceX estima que o custo de um lançamento da Starship ficará em torno de 10 milhões de dólares. Mas mesmo que essa estimativa se mostre excessivamente otimista e os custos acabem sendo dez vezes maiores, ainda assim seriam 42 vezes menores do que os do SLS. (p. 149)

Os autores não são opositores da NASA nem das viagens espaciais governamentais em geral. Pelo contrário, eles ressaltam que:

“Os governos sempre terão um papel essencial na coordenação, no subsídio e na orientação das empresas privadas que avançam a fronteira da economia espacial” (p. 52). Em outra passagem, afirmam: “Assim como a tributação ou regulamentação das atividades que geram detritos espaciais pode internalizar uma externalidade negativa, subsidiar ou apoiar atividades ricas em externalidades positivas pode criar valor que não seria capturado em um mercado puro” (p. 193).

Eu também acredito que, embora ainda não tenhamos alcançado esse ponto, as viagens espaciais governamentais poderão ser completamente dispensadas no futuro. No entanto, sou mais cético que os autores quanto ao papel dos subsídios. Depois de décadas de estagnação na exploração espacial tripulada, foi apenas a participação das empresas privadas que impulsionou a inovação real. Nada indica que agências governamentais ou políticos estejam em melhor posição para avaliar quais empresas e tecnologias emergentes terão sucesso nos próximos anos. O que realmente gera resultados, e que os autores destacam repetidamente, é a competição, o verdadeiro motor da inovação e da redução de custos.

Fonte

Matthew Weinzierl, Brendan Rosseau, Space to Grow. Unlocking the Final Economic Frontier, Harvard Business Review Press, Boston, MA, 2025, 307 páginas.

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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