Crédito rural na mira: agro pode pagar a conta

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Você sabia que quase metade do crédito rural brasileiro pode ficar mais caro em 2026? A recente proposta do Governo Federal de tributar em 5% os rendimentos das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) — atualmente isentas de Imposto de Renda para pessoas físicas — acendeu um alerta em todo o setor produtivo.

A medida, apresentada como alternativa ao aumento do IOF, promete impactos profundos no financiamento agrícola, no mercado imobiliário e, em última análise, no bolso do consumidor brasileiro.

Entendendo LCAs e LCIs: pilares do crédito privado para o agro e o imobiliário

As LCAs e LCIs são instrumentos de renda fixa emitidos por bancos para captar recursos destinados, respectivamente, ao financiamento do agronegócio e do setor imobiliário. O investidor empresta dinheiro ao banco, que, por lei, deve direcionar esses recursos para operações de crédito nesses setores.

O grande diferencial sempre foi a isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas, criada como incentivo para estimular o crédito privado e garantir recursos a segmentos estratégicos da economia nacional.

No caso do agronegócio, as LCAs se consolidaram como a principal fonte de financiamento privado. Dados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) mostram que, em abril de 2025, o estoque de LCAs somava R$ 559,9 bilhões, representando cerca de 43% dos recursos privados destinados ao crédito rural — que, por sua vez, já responde por 42% do financiamento da safra brasileira.

No primeiro trimestre de 2025, o estoque conjunto de LCIs e LCAs na B3 alcançou R$ 979,1 bilhões, com parcela significativa direcionada ao agro.

A proposta do governo: arrecadação sem corte de gastos

proposta do Executivo prevê a taxação de 5% sobre os rendimentos de LCAs e LCIs, em substituição ao aumento do IOF, que enfrentou forte resistência no Congresso e no mercado financeiro.

A medida, que também inclui a elevação da tributação sobre apostas esportivas e outros instrumentos, busca compensar a perda de arrecadação sem mexer nas despesas públicas.

A cobrança do novo imposto, se aprovada, valerá a partir de 2026, respeitando o princípio da anualidade dos tributos. Importante: de acordo com a regra proposta, a taxação incidirá apenas sobre novas emissões de LCAs e LCIs realizadas a partir de janeiro de 2026, preservando os títulos já adquiridos até 31 de dezembro de 2025.

Impactos diretos: crédito mais caro, produção ameaçada e repasse ao consumidor

A tributação das LCAs e LCIs diminui sua atratividade para os investidores, que passam a exigir remuneração maior para compensar o novo imposto. Como consequência, os bancos terão mais dificuldade em captar recursos para financiar o agro e o setor imobiliário, pressionando o custo do crédito para produtores rurais, cooperativas e construtoras. O efeito em cadeia é claro:

  • Redução da captação: Menos recursos disponíveis para o crédito rural e imobiliário.
  • Aumento dos juros: Bancos repassam o custo adicional ao tomador final.
  • Risco para médios produtores e cooperativas: Segmentos mais dependentes do crédito privado sentem o impacto de forma mais aguda.
  • Alimentos e imóveis mais caros: O encarecimento do crédito pode pressionar os preços das commodities agrícolas e dos imóveis, afetando diretamente o consumidor final.

Segundo a consultoria Markestrat, o custo do financiamento rural pode subir entre 0,5 e 1,5 ponto percentual, dependendo do mix de prazos e modalidades de crédito, com impacto significativo no Plano Safra 2025/26.

Contradição institucional e insegurança para o mercado

A proposta de tributação vai na contramão de medidas recentes do próprio governo. Em maio, o Conselho Monetário Nacional (CMN) reduziu o prazo mínimo de vencimento das LCAs e LCIs de nove para seis meses, justamente para ampliar a liquidez e fortalecer o financiamento dos setores agro e imobiliário.

Agora, ao propor a taxação, o governo sinaliza instabilidade regulatória, desestimulando investidores e desorganizando o mercado de capitais.

Além disso, a medida não apresenta critérios técnicos claros para a escolha dos títulos a serem tributados. Outros instrumentos de financiamento, como CDBs e debêntures incentivadas, permanecem isentos ou com regimes distintos, criando desequilíbrios e insegurança jurídica.

Críticas do setor e riscos para a competitividade brasileira

A Frente Parlamentar da Agropecuária, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e entidades do setor imobiliário manifestaram preocupação com a medida, destacando o risco de retração no crédito, aumento dos custos de produção e perda de competitividade internacional do Brasil.

Em um cenário de juros elevados e queda nos preços das commodities, penalizar o crédito privado pode comprometer a próxima safra e pressionar a inflação, além de afetar a segurança alimentar e o superávit comercial do país.

Medida arrecadatória, não estruturante: há alternativas?

Especialistas e representantes do setor produtivo criticam o foco exclusivo na arrecadação, sem revisão de despesas ou de privilégios fiscais em outros segmentos. A taxação das LCAs e LCIs não resolve o desequilíbrio estrutural das contas públicas e penaliza justamente quem sustenta a economia real — produtores rurais, cooperativas, construtoras e, ao fim, o consumidor brasileiro.

Como alternativas, entidades sugerem:

  • Manutenção da isenção para pessoas físicas, especialmente para LCAs e LCIs de menor valor;
  • Revisão das exigibilidades e prazos para tornar o crédito mais acessível;
  • Discussão ampla e transparente no Congresso, com participação ativa das frentes parlamentares e entidades representativas.

Conclusão: o agro não pode pagar essa conta 

A proposta de tributar LCAs e LCIs, apresentada como solução rápida para o ajuste fiscal, ameaça desorganizar o mercado de crédito rural e imobiliário, encarecer a produção de alimentos e imóveis e transferir o ônus para toda a sociedade.

O setor produtivo precisa se posicionar, defendendo políticas públicas coerentes, estáveis e que promovam o desenvolvimento sustentável do país.

Continuaremos atentos ao debate no Congresso Nacional e à mobilização das entidades do agro, do setor imobiliário e das cadeias produtivas em defesa de um ambiente regulatório previsível e favorável ao investimento.

*Patrícia Arantes de Paiva Medeiros é Diretora Executiva da Sociedade Rural Brasileira. Possui mestrado em Direito, Justiça e Impactos na Economia pelo Centro de Estudos em Direito Econômico e Social (CEDES) sobre competitividade no agronegócio. É autora do livro Análise Econômica do Agronegócio: competitividade no mercado agropecuário global. Pós-Graduada em Análise Econômica do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). LLM em Direito Empresarial pela FGV. Pós-graduação em Ética Empresarial pela Universidade de São Paulo (USP). Advogada especializada em agronegócio. Conselheira na Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG) nas câmaras de agronegócio e de alimentos e bebidas.

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