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Contas nacionais do segundo trimestre de 2021

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O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao segundo trimestre de 2021 (link aqui). A recuperação da queda causada pela Covid-19 no primeiro semestre de 2019 perdeu fôlego. Em relação ao trimestre anterior, o PIB teve uma queda de 0,1%. O resultado traz dúvidas pertinentes a respeito do desempenho da economia.

Uma delas é se, após voltar aos níveis pré-crise da pandemia – o índice de PIB com ajuste sazonal chegou a 171,5 no primeiro trimestre de 2021 contra 171,6 no quarto trimestre de 2019 -, a economia perdeu o fôlego para continuar crescente, ou seja, a crise que apareceu em meados da década passada continua. Outro ponto importante é que a dinâmica da economia brasileira fica cada vez mais parecida com a esperada após um choque negativo de oferta, queda do PIB e aumento no nível de preços. Nesse caso, as políticas de expansão da demanda, especialmente no caso da política monetária, são pouco úteis para estimular a economia (faz sentido estimular a economia de um país com risco de racionamento de energia?), porém são fatais para o controle da inflação.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996. As barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado, houve um crescimento de 1,8%, o que mostra que a queda do segundo trimestre, apesar da frustração, não reverteu a tendência de crescimento dos trimestres anteriores.

Como é tradição no blog, a análise será feita pelo lado da produção. A análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres, a agropecuária, que no segundo trimestre de 2021 respondeu por 9,7% do valor agregado e 8,4% do PIB, cresceu 2%; o setor de serviços, 68,1%% do valor agregado e 58,7% do PIB, cresceu 0,5%; finalmente, a indústria, que responde por 22,1% do valor agregado e 19,1% do PIB, cresceu 4,7%. Na comparação com o trimestre anterior, a agropecuária teve queda de 2,8%, a indústria teve queda de 0,2% e nos serviços o crescimento foi de 0,7%. Repare que no acumulado de quatro trimestres o setor que mais cresceu foi a indústria.

Analisando o desempenho de setores da indústria, é possível perceber que no acumulado de quatro trimestres a construção teve queda de 0,7% e a indústria de transformação cresceu 8,1%. O crescimento da indústria de transformação no acumulado de quatro trimestres é o maior desde o final de 2010. É preciso analisar com cuidado esse crescimento porque ocorreu no segundo semestre de 2020 como parte da recuperação após a queda no primeiro semestre. Os efeitos da crise hídrica no setor de energia elétrica são outro motivo para desconfiar da sustentabilidade do crescimento da indústria de transformação. A indústria extrativa teve queda de 0,2%. Na comparação com o trimestre anterior, a construção cresceu 2,7%, a indústria extrativa cresceu 5,3% e a indústria de transformação teve queda de 2,2%. No primeiro trimestre de 2021, a indústria extrativa correspondeu a 25,4% da indústria total, a construção a 11,1% e a de transformação por 51,8%. Os números mostram que a indústria extrativa evitou uma queda maior da indústria.

Nos serviços, o maior crescimento ficou por conta do setor de comércio, que cresceu 5,7% no acumulado de quatro trimestres. O segundo melhor desempenho ficou com informação e comunicação, que cresceu 5,4%. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social tiveram queda de 2,5%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior, todos os setores que compõem os serviço apresentaram crescimento. A recuperação do setor de serviços é particularmente importante para a redução do desemprego.

Por fim, passemos à análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, cresceu 12,8% no acumulado em quatro trimestres. Na comparação com o trimestre anterior, o investimento caiu 3,6%. O forte crescimento no acumulado de quatro trimestres e a queda na comparação com o trimestre mostra que a recuperação do trimestre anterior perdeu o fôlego. Mais uma vez, é importante registrar que parte da queda pode ser por conta da crise hídrica. É difícil investir sem garantia de oferta de energia elétrica.

No acumulado de quatro trimestres, o consumo das famílias caiu 0,4% e o consumo do governo – não confundir com o gasto do governo – caiu 2,6%. As exportações cresceram 2,4% e as importações caíram 1,7%. Na comparação com o trimestre anterior, o consumo das famílias ficou estável, o consumo do governo cresceu 0,7%, as exportações cresceram 9,4% e as importações tiveram queda de 0,6%.

Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas ocorreu uma boa recuperação em relação à queda causada pela pandemia. Os números do segundo trimestre de 2021 sugerem que acabou o fôlego da recuperação, porém é difícil dizer quanto desta perda de fôlego ocorreu por conta de choques como a seca, a pandemia e a crise hídrica, e quanto é devido à incapacidade de gerar crescimento de longo prazo por conta da estagnação da produtividade.

Quando comentei as contas nacionais referentes ao primeiro trimestre, apontei para os riscos de a inflação, que já dominava os preços no atacado, chegar nos preços aos consumidores. O que era um risco se tornou um fato. A dinâmica de um choque de oferta é muito diferente da dinâmica de uma crise associada à retração da demanda agregada. A queda do produto deixa de ser vista como um aumento do hiato entre produto observado e produto potencial, que teoricamente pode ser resolvido com estímulos à demanda, e passa a ser lida como uma queda do produto potencial. Mais adequado seria entender que o produto é condicionado ao choque de oferta, de forma que um choque negativo reduz o produto sem que isso signifique um crescimento do hiato.

A devida compreensão da natureza do choque é fundamental para evitar a insistência em políticas de expansão da demanda que só levam à aceleração da inflação. Dado que o controle da política fiscal é muito difícil pela fragilidade política do governo (estou sendo generoso ao supor que o governo deseja um ajuste fiscal) e proximidade do ano eleitoral, resta ao BC acionar o freio antes que seja tarde demais.

P.S. Mudei os gráficos setoriais, tive de abrir mão de parte das séries, mas creio que ficaram melhores.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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