Arranjos produtivos locais e cooperativismo: como fortalecer os produtores mineiros
Minas Gerais é um estado que carrega em sua essência a diversidade produtiva e cultural. Dos cafés especiais do Cerrado às confecções do polo de Nova Serrana, do queijo artesanal da Serra da Canastra às cerâmicas e bordados do Vale do Jequitinhonha, passando ainda pelo polo moveleiro de Ubá e pela moda íntima em Juruaia, a economia mineira é um mosaico de atividades que combinam tradição e inovação. O desafio é transformar essa pluralidade em escala e competitividade, sem perder a identidade que dá autenticidade aos produtos mineiros. Nesse contexto, os Arranjos Produtivos Locais (APL) e o cooperativismo emergem como ferramentas estratégicas para organizar, fortalecer e projetar os produtores mineiros em um cenário globalizado.
Um APL se constitui quando uma rede de produtores, empresas e instituições em uma mesma região compartilha infraestrutura, conhecimento e vocação produtiva. Essa concentração permite reduzir custos, ganhar competitividade e consolidar marcas regionais. Minas Gerais abriga dezenas de APLs oficialmente mapeados, distribuídos em setores como a cafeicultura, a moda, os móveis, as pedras ornamentais e de cachaça. O cooperativismo, por sua vez, é a face prática e cultural desse espírito de união. Segundo a Ocemg, mais de dois milhões de mineiros estão vinculados a cooperativas, e juntas essas organizações já superam R$ 100 bilhões de faturamento anual, gerando empregos e oportunidades em praticamente todos os municípios do estado. Exemplos notáveis incluem a Cooxupé, maior cooperativa de café do mundo, e o Sicoob, que democratizou o crédito em cidades de pequeno porte.
Um Arranjo Produtivo Local (APL) caracteriza-se por ser um ecossistema produtivo que vai além da simples concentração de empresas em uma mesma região. Para ser considerado APL, é necessário que exista não apenas proximidade territorial, mas também uma rede de cooperação estruturada entre empresas, cooperativas, associações de classe, universidades, institutos de pesquisa, entidades de crédito e órgãos públicos. Essa cooperação cria um ambiente de aprendizado coletivo, inovações compartilhadas e fortalecimento das cadeias produtivas, além de estabelecer mecanismos de governança que representam os interesses da coletividade. Já o polo produtivo, embora também se organize em torno de determinada atividade econômica, tem uma lógica distinta: normalmente é mais verticalizado e hierárquico, articulado em torno de uma empresa âncora ou de uma concentração setorial centralizada. Enquanto o APL promove redes colaborativas e sustentáveis, com grande envolvimento comunitário e institucional, o polo tende a ser marcado por dependência de um núcleo central. Em resumo, o APL é uma rede de cooperação que fortalece a comunidade e estimula o desenvolvimento endógeno, enquanto o polo é uma concentração produtiva de caráter mais centralizador e dependente de forças externas.
Do ponto de vista liberal, os APLs e o cooperativismo são expressões da ordem espontânea. Joseph Schumpeter mostrou que o desenvolvimento econômico surge da inovação, que muitas vezes brota das margens e dos pequenos empreendedores que desafiam padrões estabelecidos. Os exemplo dos calçados em Nova Serrana e a moda íntima em Juruaia ilustram bem esse processo de destruição criativa: regiões antes periféricas que se transformaram em centros de referência graças à força empreendedora local. Israel Kirzner, ao destacar o empreendedor como descobridor de oportunidades, oferece outra chave interpretativa: o cooperativismo amplia a capacidade de percepção de oportunidades, pois os pequenos, organizados coletivamente, conseguem acessar mercados externos, obter certificações e conquistar clientes que estariam fora de alcance se atuassem isoladamente.
Ludwig Lachmann, ao tratar da economia como um processo dinâmico de coordenação de planos individuais, ajuda a compreender como as cooperativas e os APLs reduzem incertezas. Ao se associarem, produtores alinham expectativas, compartilham riscos e aumentam sua resiliência. Elinor Ostrom, premiada com o Nobel, mostrou em seus estudos sobre governança de recursos comuns que comunidades são capazes de criar regras próprias mais eficientes que a intervenção estatal centralizada. Essa lição se aplica a Minas: cooperativas e associações de produtores elaboram regras internas para dividir custos, conquistar certificações de origem, organizar exportações e preservar tradições, sem depender da burocracia estatal.
Deirdre McCloskey, com sua trilogia das virtudes burguesas, enfatizou que o florescimento econômico dependeu da dignidade atribuída ao empreendedor e ao trabalho honesto. O cooperativismo mineiro é exemplo prático disso: dá dignidade ao pequeno produtor, que passa a ser reconhecido não apenas como sobrevivente em um mercado competitivo, mas como protagonista de uma história de geração de riqueza e preservação cultural. Douglass North, por sua vez, ao analisar o papel das instituições no desenvolvimento, mostrou que regras formais e informais reduzem custos de transação e criam previsibilidade. Os APLs mineiros são exatamente isso: instituições locais que facilitam a vida econômica, criando estruturas de confiança e cooperação que superam as falhas do Estado.
Mancur Olson, em sua teoria da ação coletiva, apontava para o dilema do “free rider”: indivíduos podem se beneficiar sem contribuir. No entanto, em arranjos cooperativos bem organizados, como os de Minas, esse problema é mitigado porque os ganhos coletivos são tão evidentes que incentivam a participação ativa. Karl Polanyi, ainda que crítico do mercado, lembrava que a economia está sempre inserida em relações sociais e comunitárias. O cooperativismo mineiro mostra como a economia não é apenas cálculo, mas também enraizamento cultural. O queijo da Canastra, por exemplo, só obteve Indicação Geográfica porque os produtores se uniram em torno de uma identidade comum, transformando um saber tradicional em um ativo globalmente reconhecido.
Os resultados concretos são impressionantes. Minas Gerais hoje lidera a produção de cafés especiais no Brasil, com cooperativas que levam o produto a mais de 40 países. O setor moveleiro de Ubá exporta para diversos continentes. A moda de Nova Serrana abastece grandes redes de varejo nacionais. Os bordados e cerâmicas do Vale do Jequitinhonha, antes marginalizados, conquistaram espaço em feiras internacionais de arte popular. Esses resultados não são fruto de políticas estatais centralizadas, mas da capacidade local de organização. Quando o Estado entra, como no programa Minas Livre para Crescer, seu papel deve ser de facilitador: reduzir burocracias, padronizar regras e abrir espaço para que arranjos espontâneos floresçam.
O cooperativismo e os APLs não são apenas estratégias econômicas. São expressões de liberdade prática. Eles mostram que a prosperidade pode surgir de baixo para cima, da cooperação voluntária e da confiança mútua entre indivíduos que compartilham uma mesma vocação. Minas Gerais já provou que sabe transformar tradição em prosperidade, cultura em mercado e comunidade em competitividade. O desafio é ampliar esse modelo, protegê-lo da burocracia e permitir que continue sendo exemplo de como liberdade e cooperação, longe de se contradizerem, podem se complementar e gerar desenvolvimento.
Em última análise, fortalecer os APLs e o cooperativismo em Minas é fortalecer a democracia econômica. É garantir que milhares de pequenos produtores tenham voz, mercado e futuro. É reafirmar que riqueza não nasce de decretos, mas da capacidade criativa e associativa de indivíduos livres. Schumpeter diria que a inovação nasce da margem. Kirzner lembraria que empreendedores descobrem oportunidades. Ostrom provaria que comunidades podem se autogovernar. North demonstraria que instituições locais reduzem custos e criam eficiência. McCloskey defenderia a dignidade do trabalho cooperado. Minas Gerais já pratica todas essas lições, e nelas está a chave para transformar vocações regionais em prosperidade duradoura.
*Rodrigo Melo é engenheiro formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), com experiência na indústria aeronáutica e bélica, especializado em gestão de pessoas, processos e indicadores de desempenho, além de ferramentas de Lean Manufacturing. Possui MBA em Finanças pelo IBMEC. Atualmente é Subsecretário de Liberdade Econômica e Empreendedorismo de Minas Gerais, onde lidera o programa Minas Livre para Crescer, coordenando ações para desburocratizar o ambiente de negócios e fomentar o empreendedorismo. Também atua na formulação de políticas públicas de apoio às micro e pequenas empresas, preside o FOPEMINMPE e integra conselhos estratégicos como SEBRAE-MG, CODEMG, CEMIG SIM e CET-MG.