A dívida pública no Brasil e em países emergentes
Dos 44 países, apenas no Sri Lanka e no Laos a dívida pública é maior como proporção do PIB do que no Brasil. Em 2021, a média das dívidas como proporção do PIB nos países da amostra foi de 53,6%, a mediana foi de 50,3%, no Brasil foi de 93%. Alguém pode dizer que o grupo de comparação para o Brasil deveria ser o dos países ricos, onde a dívida pública costuma ser muito maior como proporção do PIB. Não creio que seja o caso. Não somos um país rico, nem chegamos perto; repare que nosso PIB per capita está no “meião” da turma dos emergentes.
Se nossa dívida é tão alta, de onde vem a ideia de que o problema fiscal está sendo resolvido? A dívida como proporção do PIB caiu? Seria razoável observar uma queda da dívida, afinal, em 2020, o PIB teve uma queda histórica e os gastos foram para o espaço por conta da pandemia. De fato, em 2020, a dívida como proporção do PIB foi maior do que em 2019 para todos os países da amostra com exceção do Haiti e do Turcomenistão. Em 2021, houve queda de dívida como proporção do PIB em 20 dos 44 países da amostra. O Brasil é um dos vinte.
Essa queda talvez seja a razão da sensação de que o problema fiscal está controlado. O problema é que 2020 está longe de ser um bom ano de referência. Se considerarmos a dívida como proporção do PIB em 2019, quando o atual governo reconhecia a existência de um grave problema fiscal, tão grave que motivou envio de PECs para tratar de emergência fiscal, a dívida como proporção do PIB aumentou de 87,9% para 93%. Entendo que a queda, que continua em 2022, dê uma sensação de alívio, mas é preciso lembrar que, assim como a disparada em 2020, quando a dívida chegou a 98,7% do PIB, a queda atual deve ser vista no contexto da pandemia.
A figura abaixo mostra a variação da dívida como proporção do PIB e do PIB per apita (o PIB ficaria melhor, mas eu já tinha pego o PIB per capita para a primeira figura…) entre 2019 e 2021. Apenas cinco países da amostra tiveram queda na dívida como proporção do PIB (Vietnam, Ucrânia, Haiti, Turcomenistão e Argentina). Em todos os outros, a dívida foi maior em relação ao PIB em 2021 do que em 2019. O Brasil fica bem no quadro, com um crescimento do PIB próximo da mediana (linha pontilhada vertical). Ficamos com a sétima posição no quesito menor crescimento da dívida como proporção do PIB.
O problema, sempre tem um, é que o segundo melhor no ranking é a Argentina! Como pode? Um possível candidato para explicar o bom desempenho da Argentina é a inflação descontrolada por lá. Se isso for verdade, a inflação de mais de 10% em 2021 pode explicar também nossa boa posição, afinal, nossa inflação em 2021 foi a oitava maior na lista de 44 países.
Estabelecer causalidade em macroeconomia é tarefa de gincana, e das difíceis. Não vou tentar fazer isso em um único artigo. Apenas como curiosidade, mais para provocação, fiz uma regressão entre a variação na dívida como proporção do PIB e o logaritmo da inflação em 2021. Deu uma relação negativa e significativa, ou seja, quanto maior a inflação, menor a variação da dívida como proporção do PIB. A figura abaixo mostra a regressão.
Isso significa que nosso bom desempenho, no sentido de pequena variação da dívida como proporção do PIB, é por conta da inflação? Não. Como disse acima, estabelecer causalidade em macroeconomia é complicado. Além do mais, quem chegou até aqui já deve estar cansado de saber que correlação não implica causalidade. Teoricamente a inflação pode ser o motivo da pequena variação da dívida como proporção do PIB no Brasil, afinal, com inflação alta, é mais fácil controlar o gasto para que cresça menos do que a receita. Isso não é suficiente para estabelecer a causalidade, mas a justificativa teórica, somada à correlação da figura acima, são boas para colocar lenha na fogueira. O objetivo do artigo não foi colocar água no chopp, mas uma lenha na fogueira, ainda mais em ano eleitoral – é oportunidade que não posso deixar passar.