Havaianas, Mises e política
No domingo (21/12), a Havaianas fez um comercial polêmico. No comercial, a atriz Fernanda Torres – uma militante de esquerda e apoiadora do Lula – aparece dizendo: “Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito. Não, não é nada contra a sorte, mas vamos combinar: sorte não depende de você, depende, depende de sorte”.
A mensagem foi interpretada pelos eleitores que se consideram da direita brasileira como uma indireta política. Nas redes sociais, várias figuras políticas e influencers se manifestaram contra a propaganda. Alguns até fizeram vídeos jogando suas havaianas fora como sinal de protesto.
Em 2023, a Bud Light fez uma ação com Dylan Mulvaney, uma mulher trans, em um post promocional; houve reação e boicote liderado pelos conservadores americanos, e o caso virou um marco recente de “guerra cultural” envolvendo marketing. A empresa teve uma queda de vendas/receita nos meses seguintes e até hoje não conseguiu se recuperar.
O ponto aqui não é discutir se uma marca “pode” ou “não pode” fazer campanhas assim, mas observar um risco: quando uma publicidade é percebida como sinalização política, ela tende a transformar consumo em expressão identitária, “puxando” boicotes e contra-boicotes.
Parte da esquerda – que curiosamente diz ser contra grandes empresas e ricos – saiu em defesa da empresa, prometendo aumentar o lucro após o posicionamento.

Isso tudo poderia ter sido evitado se a equipe de marketing da Alpargatas (dona da marca Havaianas) tivesse lido As Seis Lições, de Mises, ou o artigo “The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits” (1970), de Milton Friedman.
De um lado, Milton Friedman (1970) argumenta que o executivo corporativo é, em essência, agente dos proprietários: sua responsabilidade principal é conduzir a empresa visando a resultados para os acionistas dentro das “regras do jogo” (lei, concorrência aberta, sem fraude). Quando uma empresa passa a perseguir “objetivos sociais” com recursos corporativos, abre-se um debate sobre custos impostos a terceiros e sobre a substituição de mecanismos de mercado por preferências políticas.
De outro lado, Ludwig von Mises, em As Seis Lições, enfatiza a ideia de soberania do consumidor: em economia de mercado, quem manda, “em última instância”, não são os empresários, mas os consumidores, que premiam ou punem empresas por meio de suas escolhas.
“Acredita-se que existem na economia de mercado chefões que não dependem da boa vontade e do apoio dos demais cidadãos… Mas isso é uma ilusão. Quem manda no sistema econômico são os consumidores…” (As Seis Lições, p. 58). “No sistema capitalista, os chefes, em última instância, são os consumidores. Não é o Estado, é o povo que é soberano” (p. 59).
Agora, ficam as dúvidas sobre o futuro da empresa que tem participação de quase 90% do mercado no segmento de chinelos: quanto dessa participação é constituída por consumidores de direita? Quantos vão deixar de usar os produtos da empresa após esse posicionamento? No caso de a receita/venda cair, como ficarão os empregados que dependem do salário para viver?
A única responsabilidade social ou política de uma empresa é usar os recursos para se engajar em atividades legais que aumentem seu lucro. Isso significa satisfazer aos consumidores provendo bens ou serviços com maior qualidade e menor preço.
No fim, a lição é institucional: quando empresas entram em disputas identitárias, elas deslocam a competição do terreno de preço, qualidade e inovação para o terreno de coalizões políticas e reputação. Isso pode até gerar engajamento no curto prazo, mas também aumenta volatilidade, incentiva boicotes e reduz o espaço de coordenação pacífica que o mercado costuma fornecer.
Se o objetivo é vender chinelos, a estratégia mais robusta continua sendo a mais antiga: entregar valor ao consumidor, evitar bandeiras desnecessárias e deixar que a política seja decidida por mecanismos políticos — não por campanhas publicitárias.
Referências
FRIEDMAN, Milton. The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits. The New York Times Magazine, New York, 13 set. 1970.
MISES, Ludwig von. As seis lições. São Paulo: LVM Editora, 2018.



