Pesquisa presidencial: dois puros-sangues, a busca por um azarão e os demais pangarés
A pesquisa presidencial divulgada nesta semana ajuda a organizar o páreo de 2026 com certa clareza para um período ainda distante da largada oficial. De cara, ela sugere dois polos altamente competitivos, Lula e Flávio Bolsonaro, concentrando o eleitorado de esquerda e direita, respectivamente, com favoritismo do atual presidente, mas também com uma possibilidade concreta de competitividade do senador do PL, sobretudo se ele conseguir sustentar a estratégia do “Bolsonaro light” apresentada desde que declarou ser pré-candidato.
E é justamente aí que aparece a grande pergunta política do páreo: há espaço para uma candidatura “nem Lula nem Bolsonaro”? A busca por um azarão é o desafio do Centrão que não quer abraçar de cara nenhum dos dois polos, mas que se vê em dificuldades de achar um potencial vencedor no meio de tantos pangarés.
O puro-sangue da esquerda: Lula
A pesquisa revela um Lula que não desaba, mas também não decola. Em termos de percepção pública, o governo navega num patamar de avaliação e aprovação/desaprovação próximo do empate técnico, o que sugere estagnação após uma breve recuperação.
Essa breve recuperação, aliás, tem explicação política. Nasce do efeito colateral de movimentos internacionais da oposição que acabaram “ajudando” Lula a se apresentar como eixo de estabilidade institucional. Em 2025, as sanções aplicadas pelos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes com base na Lei Magnitsky, e sua posterior retirada, produziram o efeito simbólico de criar uma “aura” de força em torno do ministro e, por extensão, do arranjo institucional do regime PT-STF.
No mesmo ambiente, o chamado “tarifaço” imposto pelos EUA sobre produtos brasileiros, que atingiu cadeias relevantes do agronegócio e da indústria de exportações, setores próximos do bolsonarismo, gerou ruído e custo político dentro do próprio campo da direita, alimentando a tese (explorada pelo governo e por seus aliados) de que a estratégia de pressão externa “bate” na base social que pretende defender.
A partir daí, surge um tema que parece ser outra construção do Palácio do Planalto: Lula parece se beneficiar do cenário em que Flávio Bolsonaro vira o principal nome da direita, porque isso preserva a polarização e reduz o oxigênio de uma candidatura alternativa de direita supostamente mais “palatável” ao eleitor mediano, como Tarcísio de Freitas, por não carregar certa rejeição que o sobrenome Bolsonaro traz em um eventual segundo turno junto ao eleitorado mais ao centro. Essa estratégia petista pode se mostrar equivocada, como será explicado adiante.
Cabe ainda apontar um componente adicional frequentemente negligenciado: o ecossistema da esquerda não tem pudor em tolerar, e às vezes até estimular, a presença de candidaturas radicais, pequenas e inviáveis de extrema-esquerda, de partidos como PCB e PSTU, porque elas funcionam como contraste para que o petismo possa posar de “esquerda responsável”, mesmo sustentado por um sistema que tem promovido a erosão de freios e contrapesos no país, o ataque à liberdade de expressão e a relativização de direitos processuais de adversários políticos.
O puro-sangue da direita: Flávio Bolsonaro
Antes mesmo de se discutir viabilidade eleitoral, a mera existência da candidatura de Flávio Bolsonaro já representa uma vitória política da família Bolsonaro – e a pesquisa Quaest deixa isso claro. Ao se consolidar imediatamente como o principal nome da direita, Flávio impede que o capital político construído desde durante a década de 2010 seja absorvido pelo Centrão e redistribuído a um candidato “funcional” tecnicamente competitivo, mas sem o mesmo vigor ideológico, papel que muitos enxergam em Tarcísio de Freitas.
Esse movimento não é trivial. Nos últimos anos, partidos organizados do Centrão vinham tentando capturar o espólio eleitoral da direita bolsonarista, e até mesmo dentro do ambiente da direita já havia sinais de busca de protagonismo por personalidades que viam em Jair Bolsonaro uma liderança já fragilizada e suscetível à substituição. A entrada de Flávio no páreo reorganiza esse tabuleiro e recria uma estrutura de hierarquia tendo os Bolsonaro no topo dessa pirâmide.
A pesquisa mostra que Flávio já parte de um piso muito sólido, herdado diretamente do pai. Ao mesmo tempo, revela que ele herda também um teto relevante, já que sua rejeição aparece em patamar semelhante ao de Jair Bolsonaro, na casa dos 60%. O sobrenome Bolsonaro continua sendo, simultaneamente, ativo e passivo. Mas há um detalhe importante na leitura: a rejeição alta não impede competitividade quando o piso é igualmente alto e estável, sobretudo em cenários de polarização.
É nesse ponto que a estratégia de Flávio se diferencia da do pai. O senador tem se esforçado para construir uma imagem de continuidade sem radicalização, defendendo o legado de Jair Bolsonaro e criticando duramente o governo Lula em entrevistas, mas se apresentando como um Bolsonaro institucional, mais afeito ao diálogo, à articulação política e à composição. É o “Bolsonaro que tomou vacina”, no exemplo mais caricato feito pelo próprio Flávio.
Essa construção passa também pela economia. Flávio sinaliza a intenção de repetir o sucesso percebido da equipe econômica do governo Bolsonaro, com discurso liberal, compromisso fiscal e protagonismo técnico, à moda do que Paulo Guedes simbolizou para o eleitorado de direita. Trata-se de um aceno direto ao empresariado, ao mercado e ao eleitor antipetista moderado.
Há ainda um efeito partidário relevante. A candidatura de Flávio reforça o protagonismo do PL como principal partido da direita, algo que não ocorreria automaticamente com Tarcísio de Freitas, filiado ao Republicanos e com relação ambígua com a cúpula nacional do PL. A pesquisa Quaest, ao consolidar Flávio como polo, fortalece o partido como centro gravitacional do campo conservador, deslocando o debate interno da direita para dentro de suas próprias estruturas.
Por fim, há um ponto que merece atenção especial e que pode transformar a aparente “comodidade” lulista em erro estratégico. A construção de Flávio Bolsonaro, embora conte com certa complacência do Palácio do Planalto, pode se revelar um tiro na cabeça para os líderes da esquerda. Os problemas pretéritos do senador, seus passivos políticos e jurídicos, já são conhecidos, já foram precificados e, até aqui, não abalaram seu piso eleitoral. Isso significa que o lulismo pode estar repetindo, por excesso de confiança, o mesmo equívoco cometido pelo bolsonarismo em 2022.
Naquela ocasião, a família Bolsonaro acreditava que ter Lula como adversário seria o cenário ideal para vencer a eleição, tese essa que chegou a ser defendida publicamente por Eduardo Bolsonaro. O resultado foi o oposto do esperado. Agora, ao apostar que Flávio Bolsonaro seria o adversário “mais fácil”, o Planalto pode descobrir tarde demais que polarização não é um jogo de soma zero e que, quando o eleitor escolhe entre dois nomes rejeitados, ele nem sempre escolhe aquele que o sistema considera “mais seguro”.
Os governadores testados não conseguem ser o “nem Lula nem Bolsonaro”
Há, sem dúvida, demanda social por um candidato que não seja nem Lula nem Bolsonaro. Dependendo da pesquisa e da formulação da pergunta, esse contingente flutua entre algo em torno de 25% e pode chegar a mais de 50% do eleitorado. Trata-se de um dado relevante e que alimenta, há anos, o discurso da “terceira via”. O problema é que desejo abstrato não é voto concreto, e, até aqui, nenhum dos nomes testados consegue transformar essa fadiga com a polarização em empolgação eleitoral real.
Os governadores que tentam se viabilizar nacionalmente esbarram em dois obstáculos quase intransponíveis. O primeiro é o baixo grau de conhecimento fora de seus estados, algo comum a cargos executivos subnacionais. O segundo, e mais grave, é de natureza política: todos eles são produtos diretos do fenômeno bolsonarista. Foram eleitos surfando a onda de 2018 ou 2022, com apoio explícito ou tácito de Jair Bolsonaro, dialogando com o mesmo eleitorado, a mesma estética e a mesma narrativa.
É muito difícil montar uma candidatura “nem Lula nem Bolsonaro” quando os anos de maior projeção política foram construídos em lealdade explícita ao polo bolsonarista. Enfrentar um Bolsonaro numa eleição nacional tendo sido, politicamente, um subproduto dele, é um cenário quase impossível. A polarização não se mostra apenas ideológica, mas também biográfica.
Nesse contexto, partidos do Centrão se comportam de maneira distinta. O PSD, sob a liderança de Gilberto Kassab e com ambição declarada de protagonismo nacional, busca de forma quase obsessiva um nome que possa ocupar esse espaço do “nem-nem”. Já outras forças, como a federação União Brasil–PP e o Republicanos, parecem mais realistas ao se concentrarem na estruturação de candidaturas a governos estaduais, Senado e Câmara, enquanto aguardam a oportunidade de encaixar um vice competitivo na chapa da direita, seja ela qual for.
Os números da pesquisa ajudam a ilustrar essa dificuldade. Tarcísio de Freitas e Romeu Zema aparecem muito mal quando testados, com cerca de 10% e 6%, respectivamente, contra mais de 20% de Flávio Bolsonaro.
Tarcísio enfrenta um dilema evidente. Foi ministro de Bolsonaro, eleito governador de São Paulo com seu apoio direto e jamais escondeu a lealdade ao padrinho político. Um confronto com um Bolsonaro na urna seria politicamente artificial, senão inverossímil. Além disso, Tarcísio está no meio do mandato e tem uma reeleição praticamente encaminhada no maior colégio eleitoral do país. A simples entrada de Flávio Bolsonaro no páreo já inviabilizaria sua candidatura nacional; quando os números da pesquisa refletem essa realidade, o projeto presidencial fica, na prática, enterrado, por mais que Kassab, seu principal fiador político, continue insistindo numa hipótese que se mostra cada vez mais inviável.
A situação de Romeu Zema é ainda mais delicada. Ele carrega não apenas o problema político, mas também o problema estrutural. O Partido Novo, após não atingir a cláusula de barreira em 2022, dispõe de menos recursos, nenhum tempo de TV e menor capilaridade nacional. Além disso, passou todo o último ciclo se consolidando como um partido de direita que funciona, na prática, como linha auxiliar do bolsonarismo. Tentar enfrentar o bolsonarismo com um Bolsonaro na urna, depois de ter sido seu principal parceiro “puro” durante anos, e com infinitamente menos estrutura, seria suicídio eleitoral, repetindo o erro de 2022, quando o partido lançou Luiz Felipe d’Ávila e ficou completamente fora da polarização, sem votos relevantes em lugar algum.
Ratinho Júnior merece um parágrafo à parte. Do ponto de vista político, ele parece ter pretensão exclusivamente presidencial. Em seu segundo mandato como governador do Paraná, com recordes de aprovação popular, não demonstra interesse em uma candidatura ao Senado “apenas por ser”, como ocorre com tantos governadores em fim de ciclo. Ainda assim, é preciso ser franco quanto às suas chances palacianas: Ratinho padece, em essência, do mesmo problema estrutural de Tarcísio e Zema. Ele também é um produto do fenômeno bolsonarista e, por isso, a possibilidade de vencer Flávio Bolsonaro e avançar ao segundo turno é praticamente nula. Sua situação é ligeiramente melhor que a de Tarcísio, é verdade. Há nele um elemento de centro mais pronunciado e um ativo político singular, que é a força do pai, o comunicador Ratinho, com enorme penetração nas classes populares, inclusive no Nordeste, a região que tem sido a grande hecatombe eleitoral da direita neste século. Isso lhe permite furar parcialmente a bolha bolsonarista, mas apenas até certo ponto. Como não tem reeleição, ainda que uma candidatura presidencial lhe imponha desgaste severo ao confrontar parte relevante do próprio eleitorado, pode fazer sentido uma aventura nacional para marcar posição. Um eventual terceiro lugar consistente, construído a partir de um discurso “nem-nem” que soará ilegítimo para parte do eleitorado, pode transformá-lo em grande eleitor do segundo turno ao apoiar, muito provavelmente, Flávio Bolsonaro, mantendo coerência histórica. Seria, assim, uma grande vitória política, ainda que não necessariamente uma vitória eleitoral pessoal, desde que o seu indicado vença o segundo turno.
Já Ronaldo Caiado enfrenta uma combinação de dificuldades. Além de não conseguir furar a bolha de Goiás, que é um estado importante, mas fora do eixo Sul-Sudeste, ele não consegue convencer nem o próprio partido a levá-lo a sério. A federação União Brasil–PP demonstra pouco entusiasmo com sua candidatura, a ponto de Caiado flertar com alternativas partidárias que lhe dariam menos estrutura e nenhum discurso novo. Assim como os demais, ele também é fruto da mesma engrenagem bolsonarista, o que ajuda a explicar por que aparece com cerca de 4%, muito distante dos 27% de Flávio Bolsonaro.
Renan Santos, um legítimo “nem-nem” com um equívoco (ou não) de leitura
Entre todos os nomes testados na pesquisa, Renan Santos é o único que pode exercer de forma legítima o papel do “nem Lula nem Bolsonaro”. Líder do MBL e candidato do seu braço partidário, a Missão, Renan não precisa fazer contorcionismo retórico para se diferenciar dos dois polos, pois nunca pertenceu a nenhum deles. Ao contrário dos governadores e de outros postulantes, não é subproduto do bolsonarismo, não depende de sua base eleitoral e construiu sua trajetória justamente em oposição tanto ao petismo quanto ao bolsonarismo.
Isso não significa, evidentemente, que sua candidatura seja simples ou naturalmente viável. Renan esbarra em duas dificuldades iniciais evidentes. A primeira é o gigantesco desconhecimento fora do ambiente politizado das redes sociais. Seu nome ainda não ultrapassou a bolha do ativismo digital para se tornar conhecido do eleitor médio. A segunda é a falta de estrutura partidária tradicional: tempo de TV inexistente, recursos escassos e capilaridade ainda mais limitada nos estados que Zema e o NOVO.
Por outro lado, Renan possui ativos que nenhum outro “nem-nem” possui. O primeiro é a legitimidade do discurso. O segundo é a força organizada das redes sociais, onde o MBL continua sendo, goste-se ou não, um dos grupos mais disciplinados, profissionalizados e capazes de pautar debate público. Soma-se a isso uma narrativa coerente de crítica ao bolsonarismo a partir da direita, sustentada por argumentos que dialogam com frustrações reais do eleitorado: a ausência de privatizações profundas; o fim da Lava-Jato e a inviabilização da Lava-Toga; a relação com o Centrão; indicações controversas ao STF; a condução errática da pandemia e o estouro fiscal no último ano de governo.
O erro fundamental de leitura da Missão, contudo, não está na análise do bolsonarismo, mas na leitura do eleitor “nem-nem”. Para entendê-lo, é preciso compreender que o liberalismo político à francesa que hoje inspira o MBL, um liberalismo combativo, de enfrentamento permanente ao que chama de “antigo regime” PT-STF, aos estamentos sociais e à estrutura patrimonialista da República, se posiciona, no espectro político, à direita de Flávio Bolsonaro. Isso pode soar contra intuitivo para o leitor menos atento, mas é exatamente aí que está o paradoxo.
O grande esforço estratégico de Flávio Bolsonaro nesta eleição será se apresentar como um candidato de centro-direita, mais ponderado que o pai, menos disruptivo que Lula e capaz de oferecer algo que o eleitor cansado deseja desesperadamente: paz social. Flávio tentará convencer o eleitor “nem-nem” de que ele, e não Lula, é o nome menos polarizante e o único capaz de encerrar o ciclo de conflito permanente sem romper com a direita.
E aqui entra um dado que aparece com frequência em pesquisas qualitativas, mas raramente se materializa nas quantitativas: esse eleitor majoritário não quer mais confronto. Ele não está buscando um novo embate épico nem uma grande refundação nacional. Quer exatamente o oposto. Quer um “presidente invisível”, alguém que toque o cotidiano sem sobressaltos, sem cruzadas morais, sem disrupções institucionais. Depois de quase uma década de caos político que começa, no mínimo, em 2015, esse eleitor quer normalidade acima de qualquer coisa.
Nesse ponto, o MBL carrega um fardo histórico. Foi elemento fundador da disrupção política que rompeu o sistema nos últimos anos, ainda que o bolsonarismo tenha posteriormente capturado o protagonismo desse processo. Sua narrativa atual continua sendo a de confronto permanente, reformas profundas, rearranjos institucionais, revisões constitucionais e novo pacto federativo. É, em essência, a proposta da paz pela guerra. E é extremamente difícil convencer um eleitor que quer paz a qualquer custo a comprar um projeto que promete paz apenas depois do conflito.
Isso não significa que esse discurso seja irrelevante. O eleitorado “nem Lula nem Bolsonaro” não é homogêneo. Existe, sim, uma parcela significativa, embora não majoritária, que deseja ruptura, enfrentamento e reformas estruturais profundas. Esse contingente pode ser suficiente para um objetivo mais modesto, porém estratégico: superar a cláusula de barreira, especialmente se Renan conseguir atingir dois dígitos de votos válidos em um cenário onde não surja um “nem-nem” com discurso genuíno de pacificação.
Nesse contexto, alternativas como Aldo Rebelo, pelo DC, não se mostram viáveis, seja pelo histórico político, seja pelo tamanho eleitoral atual. A Missão, portanto, pode não estar correndo para ganhar o páreo, mas pode estar correndo para existir institucionalmente no próximo ciclo. E, na política brasileira contemporânea, isso já é uma forma relevante de vitória.
Eduardo Leite, o ideal desconhecido do Centrão
Se existe hoje um nome que encarna com naturalidade o zeitgeist, o espírito do tempo, desse eleitor que rejeita a polarização e deseja um presidente menos visível, menos conflitivo e mais normal, esse nome é Eduardo Leite. Curiosamente, ele também é o mais negligenciado pelas estratégias partidárias do Centrão.
Governador do Rio Grande do Sul e figura histórica do PSDB, partido que por décadas foi o contraponto institucional ao PT na Nova República, Eduardo Leite carrega uma biografia política que dialoga diretamente com o eleitor “nem Lula nem Bolsonaro”. O tucanato sempre procurou se manter distante tanto do petismo quanto, posteriormente, do bolsonarismo, e Leite encarna essa tradição com discurso, postura e estilo.
Sua trajetória mistura elementos que, no Brasil atual, raramente coexistem em um mesmo candidato. Nos costumes, adota posições claras associadas à esquerda liberal; na gestão pública e na economia, tentou implementar uma agenda liberal pragmática, ainda que de forma moderada, focada em ajuste fiscal, eficiência administrativa e responsabilidade orçamentária. Não é um revolucionário, mas tampouco um populista, exatamente o perfil que pesquisas qualitativas indicam como desejável para o eleitor cansado do conflito permanente.
Seu histórico eleitoral reforça essa leitura. Em 2018, venceu a eleição ao governo gaúcho a partir do polo da direita, com uma coligação que incluía o PP, herdeiro direto da tradição da ARENA mais ideológica do período militar e presente de forma capilarizada em praticamente todos os municípios do estado. Em 2022, venceu o PT por pouco mais de dois mil votos no primeiro turno, foi ao segundo turno contra o bolsonarista Onyx Lorenzoni e venceu a disputa com o apoio decisivo de eleitores de esquerda que ele próprio havia derrotado dias antes. Poucos políticos brasileiros conseguem transitar com esse grau de ambiguidade funcional.
Não por acaso, seus vídeos que mais viralizam nas redes são justamente aqueles em que confronta simultaneamente a esquerda e o bolsonarismo. Ao contrário de Renan Santos, que constrói uma narrativa de ruptura pela direita, Eduardo Leite pratica um radicalismo de centro: não tenta incendiar o sistema, mas expor os excessos de ambos os polos e se oferecer como antídoto à disfuncionalidade política.
Há ainda um elemento simbólico poderoso. A esquerda identitária teria impossibilidade de atacá-lo frontalmente em temas de costumes, já que Leite é homossexual assumido, detentor do que esse campo chama de “lugar de fala”. Isso deslocaria o eixo do debate e colocaria até mesmo Lula em posição desconfortável, especialmente à luz da gafe histórica em que afirmou que a cidade natal de Leite “exporta homossexuais”. Num segundo turno polarizado, esse tipo de constrangimento simbólico importa, e muito.
Apesar de tudo isso, Eduardo Leite ocupa hoje posição periférica nas prioridades de Gilberto Kassab, líder do PSD e principal arquiteto do projeto centrista nacional. Dentro do partido, Leite aparece como última opção presidencial, atrás de apostas que fazem sentido apenas em um cenário sem Bolsonaro na disputa. É razoável supor que, se testado agora, ele apareceria com números modestos, próximos aos de Ronaldo Caiado. Mas esse dado seria enganoso: seu potencial de crescimento é qualitativo, não imediato, e deriva exatamente de sua sintonia com o espírito do tempo.
Em um cenário sem Bolsonaro, projetos como Tarcísio de Freitas e, em segundo plano, Ratinho Júnior, seriam objetivamente superiores, pois o objetivo seria cooptar o bolsonarismo com um discurso de centro-direita, e nada melhor que um governador bolsonarista para isso. Mas Eduardo Leite é o projeto perfeito para o cenário inverso: aquele em que um Bolsonaro (ou um herdeiro direto) está na disputa e ocupa um dos polos. Nesse contexto, ele não concorre com o bolsonarismo, ele abraça a fadiga que o bolsonarismo produz.
O fato de Kassab ainda não ter percebido isso, apesar de sua reputação como estrategista, sugere que o PSD ainda aposta na retirada da candidatura de Flávio Bolsonaro, hipótese cada vez menos plausível diante da adesão da direita ao seu nome e dos resultados das pesquisas mais recentes. Cada minuto em que Kassab insiste nessa aposta é um minuto a menos para estruturar uma candidatura genuinamente “nem-nem”, com tempo, discurso e capilaridade.
A se destacar ainda que, mais Leite, mas também Ratinho Junior, por terem maior estrutura, histórico e aderência a um “nem-nem” de Centro, podem restringir muito uma ascensão de Renan Santos nesse nicho de mercado eleitoral de antipolarização que talvez não tivesse limite sem uma terceira via mais óbvia e ligada ao mainstream.
Se o Centrão quiser, de fato, romper a polarização, o nome está dado. O problema é que, até agora, ninguém parece disposto a pagar o custo político de enxergar o óbvio.
Conclusão: o páreo real não é o que parece
A pesquisa analisada não revela apenas intenções de voto; ela revela coordenação política. Mostra que, apesar do cansaço declarado com a polarização, o sistema eleitoral brasileiro continua operando por gravidade. Dois puros-sangues puxam o páreo (Lula e Flávio Bolsonaro) enquanto os demais cavalos, por mais bem tratados que sejam, correm presos a amarras biográficas, partidárias ou estratégicas.
O eleitor que diz não querer nem Lula nem Bolsonaro existe, é numeroso e expressa um sentimento legítimo de exaustão. Mas esse sentimento, até aqui, não encontrou tradução eleitoral eficaz. Falta-lhe liderança com lastro nacional, narrativa de pacificação crível e, sobretudo, estrutura para transformar desejo em coordenação de voto. Enquanto isso não ocorre, a polarização se mantém não por virtude, mas por ausência de alternativa viável.
Nesse cenário, o Planalto aposta que Flávio Bolsonaro é o adversário ideal: forte o suficiente para manter a disputa binária, frágil o bastante para ser derrotado. A centro-direita, por sua vez, ainda hesita entre confrontar o bolsonarismo, contorná-lo ou abraçar por completo um Flávio que é verdadeiramente alinhado a ela em espírito. O Centrão, fiel à sua natureza, segue tentando descobrir quem cruzará a linha de chegada para decidir quem será o próximo presidente a ser extorquido.
O paradoxo é que o candidato que melhor dialoga com o espírito do tempo, o desejo de normalidade, previsibilidade e baixo ruído, não é o mais barulhento nem o mais testado, mas o mais ignorado. E, na política, ignorar o zeitgeist costuma ser mais perigoso do que enfrentá-lo.
No fim, como em toda corrida, os favoritos largam na frente, os azarões encantam no discurso e os pangarés cumprem tabela. Mas a história mostra que as grandes surpresas não vêm de quem corre mais rápido e sim de quem entende melhor a pista. Em 2026, a pista não pede ruptura heroica nem confronto permanente. Pede apenas que alguém saiba correr sem derrubar o jóquei e sem assustar o público nas arquibancadas.
Uma versão reduzida do artigo foi publicada originalmente na Revista Oeste.



