Rent seeking: caçadores de renda
O uso de recursos para conseguir, por meio da política, privilégios especiais — em que o prejuízo para os outros costuma ser maior do que o ganho de quem recebe o privilégio — é chamado de rent seeking (caça à renda). “Renda” (rent) foi um termo cunhado por David Ricardo para se referir a um pagamento acima do mínimo que uma pessoa aceitaria para realizar uma certa atividade.
“Rent seeking” talvez não seja o melhor nome, porque, em sentido amplo, quase tudo é busca por renda. Quando um trabalhador pede aumento ao chefe, ele também está buscando uma renda maior — e, se o chefe aceita, é porque considera que aquele novo salário vale a pena. Do mesmo modo, se uma empresa investe em pesquisa, descobre a cura do câncer, registra a patente e fica rica com isso, também está buscando por uma renda maior. Por isso, alguns economistas preferem o termo busca por privilégio (privilege seeking).
Então, qual é o problema em buscar rendas maiores? Não há nada de errado em querer ganhar mais. O problema começa quando grupos ou indivíduos tentam aumentar sua renda por meio de privilégios criado pelo governo: regulações que afastam a concorrência, isenções fiscais, subsídios, reserva de mercado etc. Nesse caso, o ganho deles vem acompanhado de perda de bem-estar para o restante da sociedade.
Do mesmo jeito que é justo um trabalhador ganhar mais ao negociar voluntariamente com o empregador, também é justo — e eficiente — que empresas aumentem seus lucros oferecendo produtos e serviços que os consumidores valorizam. Nessas situações, os recursos são direcionados para onde as pessoas realmente querem.
O rent seeking, por outro lado, aloca recursos de forma ineficiente e de forma arbitrária. A busca por privilégios leva o governo a criar distorções que obrigam os consumidores a gastar seu dinheiro de um jeito diferente daquele que escolheriam em um mercado livre.
O chamado capitalismo de compadrio pouco se distingue do socialismo ou da economia politicamente orientada. Nos dois últimos, o sujeito ocupa um cargo de confiança em uma estatal, mesmo sendo incompetente. No capitalismo de compadrio, ele é o dono de uma empresa privada — continua incompetente, mas agora depende de favores especiais do governo para se manter. Em todos os casos, ele tende a se dar bem, só que às custas dos outros.
Isso tudo acontece por uma razão simples: nesse modelo, é mais barato e fácil pedir ajuda ao governo do que competir em um mercado aberto. Na microeconomia, o indivíduo que participa de uma relação econômica — como empregador, trabalhador, vendedor, produtor ou comprador — toma decisões tentando obter o maior benefício possível ao menor custo. Quando essa busca por benefício ocorre via trocas voluntárias, inovação e eficiência, as consequências costumam ser socialmente benéficas.
Só que conquistar o dinheiro do consumidor por meio de inovação, melhoria da qualidade ou redução de preços é caro e trabalhoso. Por isso, o caçador de privilégios (rent seeker) escolhe um caminho mais fácil e seguro: usar o poder político e a legislação para aumentar sua renda. Em vez de vencer no mercado, ele tenta mudar as regras do jogo a seu favor. As consequências desse comportamento são socialmente prejudiciais.
No fundo, o que diferencia o caçador de privilégios do empresário que busca lucro em mercados competitivos não é o desejo de ganhar mais, mas o tipo de mecanismo que ele usa e os efeitos que isso gera sobre os demais. Essas consequências produzidas não são fruto de um declínio na moralidade pública, mas sim um aumento nos lucros gerados através do processo político.
A criação de privilégios só se concretiza com a cooperação dos agentes públicos diante dos pedidos dos grupos de interesse. Isso ocorre por um motivo: são eles que têm a caneta na mão. Mesmo que os grupos de interesse pressionem – com ou sem corrupção –, a decisão final sempre está com o agente público.
Isso é verdadeiro porque, diante da pressão por privilégios, o agente tem três opções: (1) cooperar, (2) recusar-se a cooperar ou (3) simplesmente não agir. Apenas quando ele escolhe cooperar, o privilégio é criado. Em outras palavras, é essa decisão de cooperar que torna possível a criação do privilégio.
Talvez, no Brasil, por termos uma economia politicamente orientada, isso não pareça tão evidente, mas, em outros países, já houve uma época em que as escolhas individuais tinham um peso muito maior na economia. Hoje, uma parte considerável da alocação de recursos depende menos das decisões dos indivíduos e mais do processo político.
Por isso, é possível afirmar que, a partir da década de 1930 – com a expansão da presença do Estado na economia –, as oportunidades para os caçadores de renda aumentaram consideravelmente.
Esse aumento da importância do Estado na alocação de recursos gera um efeito bola de neve. A partir do momento em que privilégios especiais passam a ser concedidos a grupos específicos, a máquina pública precisa crescer para sustentá-los. Isso leva a mudanças na estrutura tributária e na legislação tarifária, com o objetivo de viabilizar projetos de “desenvolvimento”, programas de subsídios e mecanismos que mantenham esses privilégios.
A criação de um privilégio chama a atenção de outros grupos e indivíduos interessados em obter vantagens semelhantes. Como consequência, aumentam os gastos com lobby e pressão política, assim como a transferência de renda dos consumidores para esses grupos.
Um exemplo simples e clássico para ilustrar esse argumento é a tarifa de importação. Trata-se de um imposto cobrado sobre bens estrangeiros que entram no país, geralmente aplicado sobre o valor do produto (ad valorem). Embora gere receita para o governo, seu objetivo real é elevar o preço do produto importado a ponto de tornar sua compra pouco atraente ou inviável, protegendo assim o setor nacional.
Essa barreira impede o consumidor de acessar produtos internacionais mais baratos e, na prática, obriga-o a pagar mais caro por algo que poderia adquirir por menos. Ou seja, além dos gastos que os caçadores de privilégio têm com lobby, contratação de advogados e especialistas, propaganda, doações para campanhas eleitorais, financiamento de eventos, viagens para agentes públicos e convites para jantares ou férias, o consumidor ainda arca com um custo adicional embutido no preço final do produto.
A cota de importação é outro mecanismo frequentemente utilizado. Ela impõe um limite direto à quantidade de determinado produto que pode ser importada. Ao restringir a oferta do bem estrangeiro no mercado local, a cota acaba elevando o seu preço, beneficiando os produtores domésticos às custas dos consumidores.
Em resumo, cotas e tarifas de importação são instrumentos de proteção de setores internos que acabam prejudicando o consumidor. A diferença está no mecanismo: a tarifa eleva o preço diretamente, por meio de um imposto, enquanto a cota reduz a quantidade disponível e cria escassez, elevando o preço de forma indireta.
O subsídio à exportação é outro mecanismo comum. O governo paga os exportadores locais para que consigam vender seus produtos a preços iguais ou até menores do que os praticados no mercado internacional. Como consequência, a produção destinada ao mercado externo aumenta, enquanto a oferta disponível no mercado interno diminui, o que eleva os preços para os consumidores locais.
Em poucas palavras, esse tipo de subsídio encarece o produto para os consumidores nacionais, barateia para os consumidores estrangeiros e aumenta os lucros dos produtores locais — tudo isso às custas do pagador de impostos.
Exigência de conteúdo local é uma regra imposta pelo governo que obriga as empresas a utilizarem, na fabricação de um produto final, peças ou insumos produzidos no próprio país. Para o fabricante desses insumos, é ótimo — porque praticamente garante demanda. Já para o consumidor, isso costuma significar um produto mais caro ou de qualidade inferior. Afinal, se os insumos nacionais fossem, por si sós, mais vantajosos, o governo não precisaria obrigar ninguém a usá-los: o próprio mercado os escolheria espontaneamente por serem melhores ou mais baratos.
Outra forma de criar privilégios é usar a própria regulamentação a seu favor. Um grupo de interesse pode apoiar uma regulação pesada sobre determinado setor justamente porque isso reduz as chances de novos concorrentes entrarem na disputa. Quanto mais difícil e custoso for entrar no mercado, menores serão os incentivos para que alguém tente competir, e mais fica para quem já está lá dentro.
Conclusão
Este texto procurou demonstrar que o aumento da influência da política sobre a economia gera um movimento racional por parte dos agentes econômicos, que passam a buscar proximidade com o poder político para obter privilégios especiais – afinal, muitas vezes, é mais eficaz influenciar o governo do que conquistar o consumidor.
Uma vez criados, esses privilégios restringem a oferta e, consequentemente, geram perdas de bem-estar. Além disso, oferecem segurança institucional aos privilegiados, desincentivando a inovação e o aumento de produtividade, o que compromete o crescimento de longo prazo.
Os pagadores de impostos sempre são prejudicados quando o governo favorece determinados grupos. Mesmo que os consumidores formem um grupo muito maior, é um grupo desorganizado e com baixa capacidade de ação coordenada.
Esse problema não é uma exclusividade de países subdesenvolvidos. Mesmo países desenvolvidos enfrentam forte pressão de grupos organizados, como o setor agrícola europeu, que busca proteção do governo contra o agronegócio brasileiro, ou a indústria de aço americana, que também recorre ao governo para afastar a concorrência estrangeira.
Portanto, a questão central não é se o país é rico ou pobre, mas o grau de influência que a política exerce sobre a economia. Desde a revolução keynesiana — que forneceu a base teórica para que tecnocratas passassem a acreditar que poderiam controlar as oscilações econômicas —, o Estado vem atuando de forma cada vez mais ativa na economia, abrindo espaço para a proliferação de privilégios.
A essa altura, a solução parece bastante clara: reduzir e afastar a influência política sobre a economia, limitando o poder do Estado de conceder tratamentos especiais. Do contrário, continuaremos presos ao velho clientelismo brasileiro — e nunca experimentaremos plenamente o que são trocas verdadeiramente voluntárias.
Referências
BUCHANAN, J.M., TOLLISON, R.D. & TULLOCK, G. (eds). Toward a Theory of the Rent-Seeking Society. College Station: Texas A&M University Press, 1980.
BUCHANAN, J.M. Rent Seeking and Profit Seeking. In: BUCHANAN, J.M., TOLLISON, R.D. & TULLOCK, G. (eds). Toward a Theory of the Rent Seeking Society. College Station: Texas A&M University Press, 1980. p. 3-15.
KRUEGER, A. O. The Political Economy of the Rent Seeking Society. American Economic Review, v. 64, p. 291-303, 1974.
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OLSON, M. The Rise and Decline of the Nations: economic growth, stagflation and social rigidities. New Haven: Yale University Press, 1982.
TULLOCK, G. The Welfare Costs of Tariffs, Monopolies, and Theft. Western Economic Journal, v. 5, p. 224-232, 1967.
TULLOCK, G. Rent Seeking. In: ROWLEY, C.K. (ed.). The Shaftesbury Papers, v. 2.
*Adriano Dorta é estudante de economia, com foco de pesquisa em escolha pública e economia política.



