O verdadeiro elo entre a prisão de Bolsonaro e o caso Dreyfus
Aconteceu o que era pedra cantada desde 2020: Jair Bolsonaro foi preso em regime fechado. O ex-presidente foi colocado na prisão após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Além disso, foi determinado o trânsito em julgado do processo relacionado à tentativa de golpe – pena de 27 anos. Não cabe mais recurso.
Precisei o ano de 2020 por causa do inquérito dos atos antidemocráticos. Ali estava claro como o sol de Teresina que o sr. Moraes iria desmantelar toda a direita política e colocar o seu maior líder atrás das grandes. O inquérito das fake news, instaurado em 2019, era uma espada apontada para qualquer crítico do STF. O das milícias digitais – perdoem-me o ridículo de citar ipsis litteris tal sandice – tinha um objetivo muito claro: destruir a direita até chegar em Bolsonaro. E assim foi.
Poupo-me de comentar as novas ilegalidades da prisão preventiva. É tão deprimente e enfadonho falar o óbvio que a vontade é de repetir o que escrevi em artigos passados. A condenação política, sem base alguma e com o fim de amordaçar uma corrente política inteira, deveria revoltar qualquer democrata com dignidade e honra. Porém, os autoproclamados defensores da democracia utilizam a sua existência justamente para defender a chaga da perseguição. É no mínimo curioso – exceto pelo histórico intolerante e criminoso das esquerdas.
Na sustentação oral da defesa de Bolsonaro, o advogado Paulo Cunha Bueno citou o caso Dreyfus. As diferenças entre a desgraça do capitão francês e a perfídia cometida contra o ex-presidente são notórias, mas – vejam só – existem similaridades inquestionáveis, e um elo inexplorado entre ambos que vai além da mera superficialidade de equívocos do Poder Judiciário.
Alfred Dreyfus era um militar francês que foi vítima de uma condenação injusta de alta traição à França. O desafortunado capitão foi acusado de entregar segredos militares à Alemanha, inimiga declarada da nação francesa desde a guerra de unificação alemã. Alvo fácil da opinião pública por ser judeu e sentir na pele o antissemitismo do final do século XIX, Dreyfus foi expulso do exército e condenado à prisão perpétua na famigerada Ilha do Diabo. Amigos, familiares e simpatizantes da sua causa lutaram por anos na comprovação da sua inocência até que o verdadeiro culpado do crime fosse apontado – o coronel Charles-Ferdinand Walsin Esterházy.
A injustiça cometida contra Dreyfus dividiu a sociedade francesa e lançou uma permanente desconfiança contra as instituições do país. Não é exagero falar em abalo sísmico da Terceira República como causa imediata.
Até aí, nenhuma novidade. Todos conhecem a versão consagrada do caso – ao menos a sua versão mais superficial. Porém, há uma camada mais profunda desse affair, visão reveladora do tamanho exato do desastre para a França.
Os partidários de Dreyfus eram inimigos declarados da ordem, da religião e da nação. Odiavam os contornos inequívocos do país que é le plus beau royaume après celui du ciel – o mais belo reino depois do Céu. A alma francesa é católica e consciente do seu papel como âncora da cristandade e da civilização, fatos desprezados por homens como Émile Zola – autor de J’accuse, carta que expôs a farsa do processo contra o injustiçado militar. Eles não o defenderam por mero altruísmo, mas por enxergarem nos seus detratores a defesa de valores tipicamente franceses como força motriz para a desgraça do capitão. Provar a injustiça com o objetivo de lançar a tradição no abismo do descrédito, eis o verdadeiro escopo dos dreyfusistas.
Não há como negar o sucesso em tal empreitada. O sistema judicial, bem como as instâncias garantidoras da ordem, sofreu um achincalhe permanente. E a Igreja, vítima preferida do ateísmo anarquista, viu o seu prestígio derreter. Para a desgraça da França, os piores elementos tinham razão no caso Dreyfus.
A condenação de Jair Bolsonaro tem um significado semelhante. Descontadas as óbvias diferenças ideológicas entre os seus defensores e os de Alfred Dreyfus, a injustiça cometida contra o ex-presidente – vejam só, também um militar e capitão – tem o mesmo potencial de abalar as bases da República. No nosso caso, vivemos um sistema erguido em 1988 com uma Constituição influenciada pelos valores da social-democracia e do socialismo de Terceiro Mundo. O resultado: um Estado grande, ineficaz, cheio de atribuições e que empoderou o Judiciário de tal maneira a tornar seus representantes praticamente invioláveis – quais os meios de correção dos abusos judiciais?
Não basta condenar um homem inocente de maneira injusta – você não precisa morrer de amores pelo ex-presidente para admitir o óbvio. A recusa em corrigir o erro, tal como no Affair Dreyfus, será o tiro de misericórdia na credibilidade das nossas instituições. Aliás, no que restou dela: ao traírem os princípios que juraram defender e proteger, os homens que selaram a sorte de Bolsonaro serão recordados como carrascos implacáveis de um sistema político putrefato e perseguidor.
Esquecem-se de um fato quase constante na história: o chicote sempre muda de mão. Os socialistas espanhóis assassinaram clérigos da Igreja e desejaram fazer o mesmo com a Espanha em sua face mais sensível – o espírito monarquista católico. O Terror Rojo dos benfeitores republicanos defensores da democracia – essa mentira ainda hoje é vendida como verdade do Evangelho – pariu a ditadura franquista.
Sim, os partidários do capitão Dreyfus eram antirreligiosos, anarquistas e possuidores do espírito secular que desgraçou a França – bem como o resto do Ocidente. Nada mais oposto que os valores defendidos pelos seguidores de Bolsonaro. Seria desnecessário recordar esse fato, exceto pela tentativa vexatória – quiçá desonesta – de inviabilizar qualquer comparação entre os casos. Há mais em comum que os semiletrados do beautiful people imaginam.



