O custo da liberdade: por que a responsabilidade é o preço que poucos querem pagar
A liberdade sempre foi um ideal exaltado e, ao mesmo tempo, temido. Os homens a proclamam em discursos, mas raramente a suportam em prática. Exigem-na como direito, mas a rejeitam como dever. Vivemos um tempo em que a palavra liberdade foi reduzida a um símbolo de prazer e autonomia, esquecendo-se de que ela é, antes de tudo, um fardo moral. O verdadeiro paradoxo da modernidade é que, quanto mais o indivíduo clama por liberdade, menos disposto se mostra a assumir o peso da responsabilidade que a sustenta. A consequência é um mundo de adultos infantis, que querem o poder de escolher, mas não o dever de responder.
Isaiah Berlin, em seu clássico Dois Conceitos de Liberdade, distinguiu a liberdade negativa, entendida como ausência de coerção, da liberdade positiva, entendida como autodeterminação. Ambas são legítimas, mas correm perigo quando divorciadas da responsabilidade. A liberdade negativa degenera em libertinagem quando ignora os limites morais que tornam possível a convivência, e a liberdade positiva se transforma em tirania quando busca impor um ideal de perfeição coletiva. A responsabilidade é o elo que impede esses extremos. Ela é o princípio que recorda ao indivíduo que a liberdade não é um dom gratuito, mas um contrato existencial: cada escolha é uma afirmação moral sobre o mundo.
Viktor Frankl, em Em Busca de Sentido, viveu e escreveu sobre esse paradoxo no contexto mais extremo que a condição humana pode enfrentar. Preso em campos de concentração, ele observou que, mesmo em meio à absoluta falta de liberdade física, restava ao homem a liberdade espiritual de escolher a atitude diante do sofrimento. Essa ideia, de que o sentido não está nas circunstâncias, mas na responsabilidade com que se enfrenta a vida, é uma das mais poderosas defesas da liberdade interior já formuladas. Frankl sustentava que a liberdade sem responsabilidade conduz ao vazio existencial, ao niilismo e à desordem interior. O homem moderno, ao confundir liberdade com ausência de limites, perde o sentido que dá à vida sua profundidade e dignidade.
Jordan Peterson, em 12 Regras para a Vida, retoma esse mesmo princípio em linguagem contemporânea. Para ele, o colapso da responsabilidade é o colapso da civilização. A liberdade, quando desconectada do dever, não gera emancipação, mas caos. O homem que foge da responsabilidade busca conforto, e o conforto, em excesso, produz fraqueza moral. A responsabilidade, ao contrário, é o que estrutura a alma, dá forma ao caráter e orienta o sentido da existência. Segundo Peterson, é apenas quando o indivíduo aceita voluntariamente o peso do mundo sobre seus ombros que ele encontra a verdadeira liberdade, porque ela deixa de ser um direito passivo e se torna uma conquista ativa.
A cultura contemporânea, entretanto, construiu uma pedagogia da vitimização. O indivíduo é encorajado a reivindicar direitos, mas não a reconhecer deveres. A liberdade é celebrada como emancipação das consequências e não como domínio de si. A sociedade do bem-estar prometeu proteção contra todos os riscos e, em troca, gerou cidadãos incapazes de suportar o fardo da própria escolha. A política, nesse contexto, se torna o espelho da imaturidade moral coletiva: o eleitor exige que o Estado resolva tudo, e o Estado, em nome da compaixão, aumenta seu controle. A dependência, disfarçada de direito, é apenas a forma moderna da servidão voluntária.
Frankl advertia que a busca pelo sentido deve vir antes da busca pelo prazer ou pela segurança. Quando o homem substitui o dever pelo conforto, ele perde o eixo de sua humanidade. A responsabilidade é o que impede a liberdade de se converter em vazio. Sem ela, a vida se torna um labirinto de desejos desordenados e expectativas não cumpridas. O mesmo vale para as sociedades. Nenhum povo pode ser verdadeiramente livre se não for capaz de aceitar os riscos e as consequências da liberdade. A segurança absoluta é a negação da autonomia. A história mostra que, toda vez que o homem tenta se livrar do peso da responsabilidade, ele o faz entregando sua liberdade a um poder que promete protegê-lo.
Isaiah Berlin via esse processo como o caminho pelo qual os ideais mais nobres se transformam em mecanismos de dominação. Quando as pessoas desejam liberdade, mas temem as incertezas que ela implica, acabam aceitando governos paternalistas que as tratam como incapazes. A liberdade é sacrificada em nome da proteção, e a obediência é rebatizada como virtude. O preço da irresponsabilidade é a servidão moral. O cidadão deixa de ser sujeito de direitos e deveres e se torna objeto de políticas, reduzido à condição de tutelado.
Peterson, ao examinar o fenômeno da desordem contemporânea, identifica no declínio da responsabilidade pessoal a raiz do ressentimento que domina a política e a cultura. A ausência de propósito gera raiva, e a raiva busca culpados. O homem que se recusa a disciplinar a si mesmo transfere sua frustração para a sociedade, para o sistema, para a história. Essa transferência é o que alimenta as ideologias que prometem redenção sem sacrifício. A liberdade, porém, não é uma dádiva coletiva, mas uma disciplina individual. Não se herda; conquista-se a cada dia.
O custo da liberdade é o reconhecimento de que ninguém além de nós mesmos é responsável por nossa vida. Esse é o preço que poucos querem pagar porque ele exige renúncia, esforço e coragem. A liberdade impõe o dever de errar, de sofrer e de aprender sem culpar os outros. Ela é pesada porque exige maturidade espiritual. Viktor Frankl dizia que, se há uma Estátua da Liberdade na costa leste dos Estados Unidos, deveria haver uma Estátua da Responsabilidade na costa oeste. Essa metáfora resume o equilíbrio necessário entre o direito e o dever, entre a autonomia e o compromisso, entre o eu e o outro.
A civilização liberal, ao longo dos séculos, construiu instituições que protegiam a liberdade, mas dependia de uma cultura que a valorizasse. Quando essa cultura se perde, as instituições se tornam cascas vazias. A liberdade, sem responsabilidade, degenera em anarquia moral e autoritarismo político. O destino das sociedades que rejeitam o fardo da responsabilidade é sempre o mesmo: a substituição da liberdade pelo conforto e da dignidade pela dependência. Ser livre é aceitar o peso da própria alma. É escolher, a cada momento, o dever em vez da fuga, o sentido em vez do vazio, o caráter em vez da conveniência.
O custo da liberdade, portanto, é a responsabilidade. Não há liberdade sem sacrifício, sem disciplina, sem consciência. A grande ilusão moderna é acreditar que se pode desfrutar da liberdade sem pagar por ela. A verdade é que toda autonomia tem um preço moral, e quem não o paga acaba entregando sua vontade a outro. A liberdade não é o direito de fazer o que se quer, mas o dever de ser aquilo que se é capaz de ser. Somente quando compreendermos essa verdade é que poderemos dizer, com plena consciência, que somos verdadeiramente livres.



