Da esquerda fabiana ao progressismo verde: o caminho do novo socialismo moral

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O socialismo do século XX fracassou na economia, mas sobreviveu na moral. Se a planificação central não conseguiu produzir prosperidade material, conseguiu, no entanto, reinventar-se como projeto de redenção ética. A antiga luta de classes, fundada na economia, cedeu lugar à nova luta de identidades, fundada na virtude. O coletivismo mudou de vocabulário, mas não de propósito: continua a pretender moldar a sociedade a partir de um ideal moral absoluto, agora sob o disfarce da sensibilidade e da compaixão. O que antes era a ditadura do proletariado tornou-se o império das causas.

A raiz desse novo fenômeno está no socialismo fabiano, movimento surgido na Inglaterra vitoriana do final do século XIX. Inspirados pela crença de que a transformação social deveria ocorrer de forma gradual, educacional e moral, pensadores como Sidney Webb e George Bernard Shaw defenderam uma estratégia de penetração cultural e institucional em vez da revolução violenta. A Fabian Society pretendia civilizar o capitalismo, infiltrando-se nas universidades, na burocracia e nas artes. Essa tática, que parecia branda, revelou-se duradoura: o socialismo fabiano plantou as sementes do que hoje se chama “progressismo moral”: a ideia de que o Estado deve guiar não apenas a economia, mas também a consciência.

Ao longo do século XX, Antonio Gramsci consolidou essa visão com a teoria da hegemonia cultural. Para ele, a revolução não deveria começar nas fábricas, mas nas mentes. O controle da cultura substituiria o controle dos meios de produção. Essa estratégia produziu um tipo novo de poder, mais difuso e eficaz, porque não se impõe pela força, mas pela narrativa. A educação, os meios de comunicação e a linguagem tornaram-se campos de batalha moral, onde as palavras definem o que é permitido pensar. A política deixou de ser disputa de ideias e passou a ser disputa de virtudes.

Com o declínio do marxismo econômico e o colapso das utopias igualitárias tradicionais, esse projeto encontrou refúgio nas causas identitárias e ambientais. O discurso do progresso, antes centrado na economia, deslocou-se para a moralidade coletiva. A bandeira do “povo oprimido” foi substituída pela do “planeta oprimido”, e o explorador deixou de ser o capitalista para ser o homem comum. O novo socialismo, incapaz de prometer abundância, promete pureza. Ao fazê-lo, transforma a política em religião secular. O pecado já não é a propriedade privada, mas o consumo, o gênero, a palavra, o carbono e até o silêncio.

Pascal Bruckner, em O Fanatismo do Apocalipse, descreve esse fenômeno como a ascensão de uma “culpa ecológica” que substitui o pecado cristão. O homem moderno, desprovido de transcendência, busca redenção por meio da política. A ecologia, elevada à condição de moral universal, passa a justificar restrições individuais em nome da salvação planetária. O que se apresenta como virtude ambiental esconde um projeto de controle social. Restrições ao consumo, à produção e até à natalidade são tratadas como imperativos morais, e a submissão ao Estado verde se torna um ato de fé cívica. O moralismo ambiental, assim, cumpre o papel que outrora coube à religião e à planificação econômica: o de disciplinar o comportamento humano sob o pretexto da redenção.

O mesmo processo ocorre nas políticas identitárias. Sob a aparência de defesa de minorias, o que se constrói é uma hierarquia moral invertida, na qual a culpa e a virtude são distribuídas segundo critérios ideológicos. O indivíduo deixa de ser cidadão e passa a ser representante de uma categoria moral. A política se converte em psicologia coletiva, e a moralidade em ferramenta de poder. Roger Scruton advertia que, quando a compaixão se torna ideologia, ela degenera em tirania, pois substitui a justiça pela piedade e a razão pela emoção. O resultado é uma sociedade onde a linguagem é policiada, a dúvida é punida e o silêncio é interpretado como culpa.

Michael Oakeshott chamava esse fenômeno de “racionalismo na política”, isto é, a ilusão de que o comportamento humano pode ser dirigido por doutrinas e intenções morais abstratas. O racionalista acredita que a sociedade pode ser purificada pela política e que o Estado deve atuar como engenheiro da alma humana. Essa crença, travestida de bondade, destrói o espaço da liberdade. Quanto mais o Estado pretende educar moralmente o cidadão, mais infantil o torna. O socialismo moral não oprime o corpo, mas a consciência, criando cidadãos dóceis, movidos pela culpa e pela necessidade de aprovação.

Eric Voegelin, em A Nova Ciência da Política, interpretou essa tendência como a secularização do messianismo. As ideologias modernas, segundo ele, tentam substituir a transcendência por sistemas políticos totalizantes. Quando o homem perde a noção de um bem transcendente, o Estado se torna o único árbitro do bem e do mal. O progressismo verde e identitário cumpre esse papel com perfeição: oferece sentido, redenção e pertença num mundo desencantado. Ele promete a pureza moral da humanidade reconciliada com a natureza e com a igualdade perfeita, mas cobra em troca a submissão total à ortodoxia política que o define.

O socialismo moral, portanto, não busca o poder em nome da liberdade, mas da virtude. Sua força está em transformar a obediência em ato moral. Ao contrário do socialismo clássico, que usava a coerção material, o novo coletivismo usa a coerção simbólica. Ele não confisca bens, mas significados; não censura apenas opiniões, mas intenções. O indivíduo é julgado não pelo que faz, mas pelo que representa. A economia continua relevante, mas tornou-se subordinada à ética estatal. As pautas ambientais e identitárias são, nesse contexto, os novos instrumentos de legitimação de um poder moralmente autorreferente.

O desafio do nosso tempo é perceber que esse novo socialismo não se apresenta como opressor, mas como virtuoso. Ele se impõe pela linguagem do cuidado e da empatia, mas tem o mesmo objetivo de sempre: expandir o controle estatal sobre a vida. O cidadão ideal, nesse modelo, não é o empreendedor, o pensador ou o criador, mas o seguidor virtuoso das causas oficiais. O preço dessa moralidade política é a erosão silenciosa da liberdade. O socialismo econômico morreu; o moral está vivo, e mais eficiente do que nunca, porque aprendeu a dominar não os corpos, mas as consciências.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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