Guerra de narrativas: o novo campo de batalha rumo às eleições de 2026
As eleições de 2026 prometem ser um marco na política brasileira — não apenas por marcarem um cenário inédito, sem Jair Bolsonaro e com a possibilidade de reeleição de Lula, mas por consolidarem uma nova etapa: a guerra de narrativas entre direita e esquerda.
Mais do que uma disputa eleitoral tradicional, o que se desenha é uma batalha simbólica pelo domínio do imaginário coletivo e pela influência sobre o discurso público. Hoje, o voto nasce menos da fidelidade partidária e mais da percepção construída nas redes sociais. A teoria da agenda-setting, formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw, ajuda a entender esse fenômeno: a mídia não diz às pessoas o que pensar, mas sobre o que pensar.
A esquerda: máquina consolidada, mas sem alma comunicativa
A esquerda brasileira possui uma estrutura comunicacional robusta, formada por sindicatos, partidos históricos, artistas, influenciadores e boa parte do ecossistema cultural, que orbitam o mesmo campo simbólico. No entanto, como lembrava Arthur Schopenhauer em A Arte de Ter Razão, a argumentação lógica não basta; a verdadeira persuasão depende da capacidade de emocionar.
O discurso institucional e o vocabulário tradicional perderam força em uma sociedade que valoriza a espontaneidade e a linguagem direta. Enquanto o campo progressista mantém uma retórica de “resistência” e “proteção do Estado”, parte expressiva do eleitorado busca mensagens de eficiência, liberdade e meritocracia — temas ainda tratados com cautela pela esquerda.
Essa dissonância cria uma lacuna entre o ideal político e as expectativas cotidianas do cidadão comum, especialmente da classe média produtiva e do eleitor independente. Como analisa o pesquisador britânico Andrew Chadwick em The Hybrid Media System (2013), o poder contemporâneo emerge justamente da interação entre as estruturas tradicionais e a fluidez digital — uma combinação que a esquerda ainda não domina plenamente.
A direita e o contra-ataque comunicativo
A direita, por outro lado, compreendeu rapidamente as novas regras do jogo. Mesmo com menos espaço na mídia tradicional, construiu uma rede descentralizada e digitalmente poderosa. Canais no YouTube, podcasts, perfis no Instagram e grupos no Telegram e WhatsApp tornaram-se arenas alternativas de debate, muitas vezes pautando a grande imprensa e influenciando o ritmo da discussão pública.
Essa descentralização é seu maior trunfo. Sem depender de máquina estatal ou grandes emissoras, líderes liberais e conservadores aprenderam a se conectar diretamente com o eleitor em linguagem simples, emocional e cotidiana. Como ensina Aristóteles em sua Retórica, a arte de persuadir está em unir razão, emoção e credibilidade.
Do comício à viralização
Se o comício foi o palco do século XX, os algoritmos são o palanque do século XXI. A política agora se faz em vídeos curtos, legendas provocativas e reels que condensam ideias em trinta segundos. Nesse terreno, a direita tem sido mais veloz, adaptável e criativa.
Enquanto setores da esquerda ainda apostam em longos pronunciamentos e campanhas televisivas, a direita incorporou as lógicas do marketing de influência e transformou candidatos em marcas. A estratégia digital, somada ao apelo emocional de temas como liberdade individual e crítica ao establishment, gera identificação com um eleitorado cansado de slogans e discursos técnicos.
O que decidirá 2026
A eleição de 2026 será o primeiro pleito moldado por uma cultura digital madura. O eleitor não é mais apenas receptor de informação — é produtor, multiplicador e fiscal do conteúdo político. Nesse cenário, três pilares definirão o resultado: autenticidade, velocidade e coerência comunicativa.
A direita parece compreender melhor essa tríade. Movimentos liberais e conservadores formaram comunicadores, criaram institutos e estruturaram redes de engajamento. Já a esquerda, mesmo com o Estado nas mãos, enfrenta o dilema da lentidão institucional e da linguagem desatualizada. Possui estrutura, mas lhe falta uma expressão viva e emocionalmente convincente, ponto já antecipado por Manuel Castells em Communication Power (2009), ao destacar que o poder, na era digital, pertence a quem molda o fluxo simbólico da comunicação.
Entre a hegemonia e o cansaço social
O Brasil vive um esgotamento de discursos. A esquerda ainda tenta reencantar o eleitor pela nostalgia do “projeto social”, enquanto a direita busca traduzir a insatisfação difusa em propostas de liberdade econômica e redução do peso estatal. O risco, para ambos, é a saturação.
O eleitor cansou dos extremos e começa a buscar autenticidade, não apenas ideologia. Nesse ponto, a reflexão de Robert Putnam em Bowling Alone (2000) é útil: a confiança social é o cimento da democracia, e seu declínio fragiliza tanto instituições quanto lideranças políticas.
O campo está aberto
O Brasil entra em 2026 diante de uma disputa simbólica sem precedentes. De um lado, uma esquerda com estrutura e institucionalidade, mas comunicação rígida e emocionalmente distante. De outro, uma direita fragmentada, porém dinâmica, capaz de testar mensagens e mobilizar nichos com agilidade.
A questão central não é apenas quem dominará o fluxo de informações, mas quem conseguirá transformar comunicação em pertencimento. A política, afinal, não é feita apenas de propostas, mas de histórias capazes de inspirar e conectar.
Mais do que o jogo eleitoral, o que está em disputa é o próprio futuro da esfera pública brasileira — se o país caminhará para um diálogo mais plural e democrático ou se seguirá refém de uma guerra simbólica em que vencer não é convencer, mas dominar a atenção.
*Victoria Duarte é jornalista formada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e pós-graduada em Marketing e Mídias Digitais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Também é associada ao Instituto de Formação de Líderes de Brasília (IFL-BSB). Atua na gestão de mídias digitais, comunicação institucional e assessoria de imprensa, com foco na gestão da comunicação no setor público e político. Possui experiência na Câmara dos Deputados, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, na Ordem dos Advogados do DF e, atualmente, no Ministério da Defesa, onde atua como Assessora de Comunicação. Nesses espaços, tem se dedicado à comunicação estratégica, ao gerenciamento de mídias digitais e à produção de conteúdo multiplataforma, com ênfase na gestão de redes sociais e no fortalecimento da presença digital. Além disso, já atuou em agências de comunicação e campanhas institucionais, desenvolvendo um portfólio sólido de matérias jornalísticas, estratégias de marketing digital e ações voltadas à criação de conteúdo, posicionamento e engajamento de marcas e figuras públicas

            

