Brasil e a mão visível do Estado

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O Brasil é um país que, mais do que administrado pelo Estado, é moldado por ele. Desde a formação colonial, a figura estatal ocupa um lugar simbólico de paternidade e tutela sobre a sociedade. Em vez de ser visto como instrumento de garantia de direitos, o Estado foi transformado em entidade moral, protetora e onipresente, à qual se recorre para toda necessidade coletiva ou individual. Essa dependência emocional e cultural explica não apenas a hipertrofia administrativa, mas também a persistência da pobreza, da burocracia e da ineficiência. O problema central não é apenas o tamanho do Estado, mas a crença de que ele é a única fonte legítima de ordem, justiça e progresso.

Friedrich Hayek, em O Caminho da Servidão, advertiu que as sociedades que depositam demasiada fé na autoridade central caminham inevitavelmente para a servidão. No Brasil, essa servidão é cordial. O cidadão não teme o Estado; ele o ama. Pede-lhe proteção contra tudo o que é incerto e imprevisível, delegando-lhe responsabilidades que pertencem à própria sociedade. Essa cultura paternalista se expressa tanto na política quanto na economia. Espera-se que o governo salve empresas, subsidie indústrias, corrija desigualdades, eduque filhos, proteja empregos e garanta felicidade. O Estado tornou-se o mediador universal das aspirações humanas, ao preço da perda de autonomia moral e econômica dos indivíduos.

Alexis de Tocqueville, ao observar a democracia americana, identificou um fenômeno semelhante e o chamou de “tutela suave”. O governo, dizia ele, não oprime violentamente, mas enfraquece o espírito cidadão ao habituá-lo a depender de sua direção. O Brasil encarna esse modelo com perfeição tropical. A população aceita a lentidão, a ineficiência e o arbítrio porque acredita que a presença do Estado é sinônimo de cuidado. Assim, o assistencialismo se confunde com justiça, o subsídio com solidariedade e a intervenção com progresso. Quanto maior o fracasso estatal, maior o apelo para que ele intervenha ainda mais, alimentando um ciclo de impotência coletiva.

Essa aceitação cultural da “mão visível” contrasta com a lógica espontânea da ordem de mercado. A economia brasileira é marcada por entraves que resultam não de falhas do capitalismo, mas de sua negação prática. Como lembrava Frédéric Bastiat, toda intervenção governamental cria uma ilusão: aquilo que se vê, o benefício imediato, e aquilo que não se vê, o custo difuso, pago por todos. O que o brasileiro vê é o programa social, a obra pública e o crédito subsidiado; o que não vê é o aumento da carga tributária, a distorção dos preços e a perpetuação da dependência. A mão visível do Estado promete eficiência, mas entrega escassez.

Francis Fukuyama, em Confiança: as Virtudes Sociais e a Criação da Prosperidade, mostra que o desenvolvimento sustentável depende menos da força do Estado e mais da qualidade das relações voluntárias entre os cidadãos. As nações prósperas são aquelas em que a confiança interpessoal substitui a necessidade de tutela. O Brasil, no entanto, opera no sentido inverso. A desconfiança generalizada faz com que o indivíduo prefira o arbítrio estatal à autonomia comunitária. O resultado é um círculo vicioso: a falta de confiança justifica mais regulação, e a regulação excessiva destrói ainda mais a confiança. A “mão visível” não apenas administra a economia, mas molda a mentalidade coletiva, inibindo a responsabilidade e a inovação.

Milton Friedman, em Capitalismo e Liberdade, esclareceu que toda expansão do Estado vem acompanhada da redução proporcional da liberdade individual. Para ele, a economia de mercado é mais do que um mecanismo de produção; é o próprio alicerce da democracia. Quando o Estado se transforma no distribuidor universal de oportunidades, ele passa a controlar também os destinos e as consciências. No Brasil, essa lógica é particularmente visível: a dependência financeira do governo, seja por subsídios, cargos ou transferências, cria uma sociedade que confunde cidadania com clientelismo. O indivíduo livre é substituído pelo beneficiário permanente, cuja lealdade é comprada pela promessa de proteção.

O resultado é uma sociedade paralisada pela ilusão da onipotência estatal. O Estado se expande para “corrigir” o que ele próprio causa, e o cidadão, já condicionado à dependência, não questiona o custo desse ciclo. Como destacou Leandro Narloch, em Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira, a mentalidade de tutela faz com que as pessoas exijam mais governo justamente nas áreas em que o governo é o principal responsável pelo fracasso. A educação pública precária, a infraestrutura deficiente e o sistema previdenciário insustentável são exemplos de como o intervencionismo se perpetua sob o pretexto de solucionar o que ele mesmo destrói.

Romper com essa lógica exige mais do que reformas administrativas; exige uma transformação moral. É preciso reeducar o brasileiro para compreender que liberdade não é sinônimo de abandono, mas de maturidade. A verdadeira solidariedade não nasce do decreto, mas da cooperação voluntária. A responsabilidade social não se realiza por meio de subsídios, mas pela iniciativa individual e pela ética produtiva. O Estado pode ser necessário, mas não pode ser absoluto. Ele deve garantir a justiça e a segurança, não substituir a sociedade em todas as dimensões da vida.

Enquanto o Brasil continuar acreditando que a solução para o fracasso estatal é mais Estado, continuará prisioneiro de sua própria servidão moral. O futuro do país depende de resgatar a confiança nas forças criativas da sociedade civil, nos empreendedores, nas comunidades e nos indivíduos. O Estado deve voltar a ser o que nunca deveria ter deixado de ser: um meio e não um fim. A liberdade é a verdadeira “mão invisível” que cria prosperidade, responsabilidade e dignidade. O Brasil só será verdadeiramente livre quando aprender a viver sem pedir permissão para existir.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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