Capitalismo e virtude: por que o lucro é uma forma de moralidade
Entre as ideias mais distorcidas pela cultura política moderna, poucas rivalizam com a aversão ao lucro. No imaginário popular, ele é o símbolo da ganância e da exploração, uma suposta expressão da desigualdade e do egoísmo humano. Essa percepção, enraizada em preconceitos morais e não em fatos econômicos, reflete uma inversão de valores: aquilo que deveria ser reconhecido como virtude (a capacidade de gerar prosperidade para si e para os outros) tornou-se sinal de culpa. O lucro é, na verdade, uma forma de moralidade, pois representa o reconhecimento espontâneo de que alguém criou valor para a sociedade por meio da cooperação voluntária. Ele é o prêmio da responsabilidade, o fruto da liberdade e o testemunho de que o esforço individual pode servir ao bem coletivo sem recorrer à coerção.
Adam Smith compreendeu essa dimensão moral do mercado muito antes de seus críticos modernos. Em A Riqueza das Nações (1776), ele descreve o sistema de trocas livres como uma ordem que transforma o interesse próprio em benefício mútuo. Cada indivíduo, ao buscar melhorar sua condição, acaba promovendo o bem comum, não por benevolência, mas pela necessidade de servir ao próximo para ser recompensado. O lucro, nesse sentido, é um índice moral: ele só surge quando há satisfação de uma necessidade alheia. Quem engana o cliente, frauda contratos ou explora trabalhadores pode enriquecer momentaneamente, mas destrói o próprio alicerce de confiança que sustenta o mercado. A prosperidade legítima é, portanto, inseparável da ética. O capitalismo não é a institucionalização da ganância e sim da reciprocidade.
Rainer Zitelmann, em Em Defesa do Capitalismo, aprofunda essa relação entre moralidade e lucro ao demonstrar que a rejeição ao capitalismo decorre de impulsos emocionais e não de raciocínios lógicos. A crítica moderna ao lucro é movida por ressentimento social, por uma espécie de moralidade invertida que confunde sucesso com culpa. Zitelmann identifica o “antipático rico” como figura cultural fabricada para justificar a hostilidade contra o mérito e a prosperidade. No entanto, quando o indivíduo é livre para empreender, ele só enriquece se atender às demandas reais da sociedade. A busca pelo lucro obriga o empresário a pensar nos outros, a inovar, a produzir de forma eficiente. Ao contrário das estruturas estatais, que distribuem recursos pela força, o mercado distribui recompensas pela utilidade. É nesse ponto que o lucro se torna virtude: ele sinaliza que o indivíduo se fez digno de confiança e utilidade para o corpo social.
Deirdre McCloskey, ao resgatar o conceito de “virtudes burguesas”, reforça essa leitura moral do capitalismo. Para ela, o florescimento econômico do Ocidente não foi apenas resultado de mudanças técnicas, mas de uma revolução ética. A dignificação do trabalho, a valorização da prudência, da honestidade e da inovação formaram o ethos burguês que sustentou o progresso moderno. O lucro, dentro desse ethos, é a medida social de que as virtudes foram exercidas. O empreendedor é recompensado porque demonstrou coragem de arriscar, competência de inovar e senso de justiça nas trocas. O mercado é, assim, um sistema ético de incentivos: ele premia o valor real e pune a fraude com a perda de credibilidade. O lucro se torna, portanto, o selo visível de uma virtude invisível.
Michael Novak, em O Espírito do Capitalismo Democrático, interpreta o mercado como uma instituição moral porque ele exige responsabilidade. O capitalismo, diferentemente das utopias igualitárias, não promete eliminar o sofrimento nem compensar o fracasso; ele exige que cada indivíduo arque com as consequências de suas escolhas. Essa característica confere à liberdade econômica um caráter ético profundo. O empresário que busca lucro legítimo assume riscos, responde por erros, cumpre contratos e contribui para o sustento de famílias e comunidades. O lucro, nesse contexto, é a recompensa por um comportamento moralmente superior ao do parasitismo burocrático ou do privilégio político. Ele traduz o mérito em justiça econômica, algo que nenhum sistema de planificação estatal é capaz de fazer.
Ayn Rand, em A Revolta de Atlas, vai além: ela identifica o lucro como o símbolo da racionalidade humana em ação. Para Rand, o homem produtivo não busca aprovação moral fora de si, mas encontra dignidade na sua própria capacidade de criar. O lucro é o resultado tangível da virtude da produtividade, da coragem de transformar ideias em valor concreto. O sistema capitalista é o único que reconhece a relação entre causa e consequência, entre esforço e recompensa, entre liberdade e responsabilidade. O lucro é, portanto, a expressão da justiça natural: cada um recebe conforme o que entrega, e ninguém pode viver às custas do trabalho alheio sem violência. O capitalismo é o regime da moralidade objetiva, porque transforma o mérito em critério de prosperidade.
A demonização do lucro, comum na retórica política brasileira, é fruto de uma cultura histórica de tutela e dependência. O país foi moldado por séculos de patrimonialismo, em que o sucesso econômico sempre esteve ligado ao favor estatal e não à virtude produtiva. Assim, o lucro autêntico, aquele que nasce da inovação e do risco, é confundido com o privilégio ou a corrupção. Essa confusão moral alimenta o populismo e o ressentimento. Em vez de enxergar o empreendedor como criador de valor, o brasileiro é condicionado a vê-lo como vilão. Como observa Zitelmann, sociedades que invejam o sucesso tendem a punir a competência e a recompensar a mediocridade. É o retrato exato do Brasil: um país que desconfia de quem enriquece por mérito, mas tolera quem enriquece por proximidade ao poder.
Reabilitar o lucro como virtude significa restaurar a ética da liberdade. Uma sociedade livre precisa compreender que prosperar por mérito não é um ato de egoísmo, mas de responsabilidade. O lucro é a manifestação econômica da confiança e da cooperação. Ele indica que alguém resolveu um problema real e foi recompensado por isso. Ele é o instrumento que transforma o instinto de sobrevivência em civilização. Ao mesmo tempo, ele disciplina o comportamento humano, pois só quem age de modo produtivo e confiável consegue sustentá-lo ao longo do tempo. O lucro moraliza, porque exige que cada um prove seu valor pela criação, não pela reivindicação.
O capitalismo não é perfeito, mas é o único sistema que converte o interesse próprio em benefício mútuo. Ele é a tradução institucional da ética da liberdade. Onde o lucro é respeitado, a sociedade floresce; onde é punido, a corrupção e a miséria se tornam regra. Defender o lucro é defender o direito de cada ser humano colher os frutos de seu esforço e ser julgado por sua produtividade, não por sua posição ou ideologia. O lucro é o sinal de que a liberdade funciona, e a liberdade é, em última instância, a mais alta forma de moralidade política e econômica.



