O capitalismo de Estado à moda chinesa
Nenhuma obra humana é eterna. As religiões se deturpam, os impérios se corrompem ou desmoronam. Entre os mais duradouros da história, destacam-se Roma e a Grã-Bretanha. Roma dominou meio mundo por séculos até ruir pela degradação dos costumes. Já o Império Britânico — onde “o sol nunca se punha” — perdeu força após a Segunda Guerra Mundial, quando os gastos militares arruinaram seu Tesouro.
O vácuo foi preenchido por duas potências: Estados Unidos e União Soviética. Durante décadas, travaram uma disputa pelo domínio mundial que só terminou com a queda do Muro de Berlim, símbolo do fracasso da ideologia comunista. A partir de então, os Estados Unidos emergiram como líder incontestável. Nenhum outro país possuía uma economia robusta o suficiente para investir mais de um trilhão de dólares anuais em suas forças armadas.
Sem o desafio soviético, terminado o receio de outra conflagração mundial, o planeta viveu apenas guerras localizadas, quase sempre monitoradas por Washington. Assim como na Pax Romana, experimentou-se uma relativa estabilidade: um poder hegemônico sem rivais tornou-se, paradoxalmente, fator de paz. Para o líder global, interessa a ordem que decorre do convívio pacífico entre as nações. Essa realidade, no entanto, encontra-se ameaçada pelo crescimento da China. Uma guerra mundial volta a ser centro de preocupações.
O declínio da hegemonia americana é cada vez mais discutido por intelectuais e políticos. A presidência de Donald Trump expôs essa insegurança: em estilo truculento, declarou guerra a todos que julgava ameaçarem os Estados Unidos, atingindo até aliados. Ao reagir de forma agressiva, revelou-se o peso do desafio chinês. Isolados, os americanos se voltaram contra si mesmos e contra o mundo.
Trump construiu sua retórica em torno de um falso truísmo: o de que o planeta se aproveita dos Estados Unidos ao vender produtos mais baratos do que os fabricados localmente. Mas desde quando oferecer bens melhores e mais acessíveis é exploração? Se há privilégio, é o de pagar importações com dólares sem lastro — um papel cuja credibilidade depende apenas da confiança de quem o recebe.
Se antes a China era vista apenas como fonte de mão de obra barata, hoje lidera setores estratégicos como energia solar, inteligência artificial e veículos elétricos. O ritmo da inovação, a escala de produção e a velocidade de implementação impressionam. O país avança com fôlego que assusta até seus críticos.
O contraste entre os modelos é nítido: de um lado, uma economia de mercado marcada pelo peso dos programas sociais (só o Medicare e Medicaid consomem perto de dois trilhões de dólares anuais nos EUA ou 5% do PIB contra 2% na China ); de outro, um capitalismo de Estado que canaliza recursos para tornar empresas mais competitivas.
Diante desse cenário, Trump teve duas escolhas: reforçar as bases do liberalismo econômico que fizeram a prosperidade americana — governo mínimo e livre mercado — ou imitar o modelo chinês. Optou pela imitação imperfeita: participação acionária estatal em empresas, barreiras alfandegárias que oneram o consumidor, restrições a imigrantes na força de trabalho e proteção a setores locais. A única exceção foi a manutenção dos gastos sociais, que seguem elevando os custos de produção e a dívida pública.
Como toda cópia, a de Trump está fadada à imperfeição. Falta aos Estados Unidos a disciplina de trabalho, a obediência social e o poder de um regime autoritário que não precisa prestar contas às urnas.
Além do que copiar o modelo Chinês é um enorme risco: como toda ditadura, não há transparência. Alguns insucessos, como a crise imobiliária, se multiplicados por outras decisões equivocadas do governo, podem comprometer o futuro da China, enquanto o governo mínimo e a economia de mercado só têm casos de sucesso para mostrar.
Roma caiu pela decadência dos costumes. O comunismo ruiu pela falência de seu modelo econômico. Se os Estados Unidos não despertarem, o fim de sua hegemonia poderá ser simbolizado justamente por aquilo que mais negaram ao longo da história: a adoção, ainda que disfarçada, do capitalismo de Estado à moda chinesa.