Como a China substituiu sua economia centralizada por uma economia de mercado

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Em 1949, após a revolução comunista chinesa, liderada pelo revolucionário Mao Tsé-Tung, a China adotou um modelo econômico mais centralizado. Porém, após sucessivos déficits fiscais e o receio de perda do poder do Partido Comunista, a China decidiu adotar reformas rumo à economia de mercado.

A economia no leste asiático se destacou a partir da década de 1970 pelo seu rápido crescimento e grande participação nas cadeias globais de valor. De acordo com o livro O Milagre do Leste Asiático, do Banco Mundial, os chamados “Tigres Asiáticos”, adotaram um modelo econômico dentro de uma perspectiva de mercado, que visasse ao aumento da produtividade. Esse modelo, alcunhado como “Modelo da Produtividade”, buscou investimentos em capital humano, capital físico, disciplina fiscal e se aproveitou de uma vantagem, que era a existência de uma burguesia industrial no país, ou seja, grandes empresários do ramo privado que tinham experiência no setor tecnológico. Esse método ficou conhecido, na Coreia do Sul, por exemplo, como “Chaebol”, que nada mais é do que um conglomerado tecnológico com vistas à exportação de bens de alto valor agregado. No Japão, o processo foi semelhante, conhecido como “Zaibatsu”. Em Taiwan e em Cingapura, não havia nomes específicos, mas o mecanismo foi o mesmo.

A China, por sua vez, era uma economia centralizada quando esses países mencionados começaram seus processos de crescimento e desenvolvimento econômico. O governo chinês, segundo o economista chinês Fan He, no livro Experiências Asiáticas: Modelo para o Brasil?, visou a desenvolver sua economia através de, inicialmente, investimentos na indústria leve e em solo urbano. As empresas estatais chinesas empregavam a mão-de-obra para trabalhar nas fábricas e, em troca, essa mão-de-obra recebia direitos e auxílio do governo chinês a fim de que manter apoio ao regime do PCC (Partido Comunista Chinês). Fan Hee também conta que as universidades foram grandes instrumentos de obtenção de apoio popular ao matricular milhares de jovens nessas instituições. Inclusive, um dos casos mais emblemáticos desse apoio foi a famigerada “Revolução Cultural”, onde o governo central induziu jovens universitários a defenderem o regime do PCC diante de supostas ameaças de retorno à economia de mercado.

No entanto, Fan Hee menciona que não havia emprego suficiente para os jovens universitários ao término do período letivo, ou seja, muitos deles voltavam a morar com a família, no campo. Aliás, apenas 20% da população chinesa vivia em ambiente urbano no início da década de 1950. Ademais, como a economia chinesa era centralizada e, em determinados períodos, havia um foco de desenvolvimento em outras áreas, houve um redirecionamento da política de estímulo às indústrias leves para as indústrias pesadas, sobretudo à indústria metalúrgica. Esse redirecionamento prejudicou ainda mais uma economia já combalida, pois o aço produzido não era de boa qualidade e a China não tinha parceiros comerciais para exportar este e outros bens. A título de curiosidade, em 1978, de acordo com Fan Hee, a participação da China no comércio internacional era de apenas US$18 bi. Além disso, outro fator decisivo para a reorientação da economia chinesa foi a questão fiscal. Com investimentos na indústria pesada e retorno pouco esperado, sucessivos déficits foram se acumulando ao longo dos anos. Às vésperas da transformação da economia chinesa, as contas do governo ficaram em -7,11 em 1974 e chegaram a -29,62 em 1976, de acordo com dados da China Statistical. Com poder de investimento reduzido e uma economia cada vez mais reprimida, o PCC temeu uma revolta popular contra o seu regime e decidiu realizar reformas econômicas que visassem a maior abertura e correção dos déficits fiscais.

Para superar esse problema e manter o poder, o PCC decidiu aplicar reformas com orientação para o mercado. Essas reformas propostas por Deng Xiaoping são conhecidas como “Quatro Modernizações”, ou seja, são mudanças relacionadas ao aumento da produtividade em produtos primários vindos da agricultura, além de estímulos ao setor industrial, com crédito para as empresas criado através do chamado “Triângulo de Ferro”, onde as indústrias obtinham crédito dos bancos estatais para aumentar sua produção. As indústrias chinesas, diferentemente de outros países, eram de pequeno e médio porte e administradas pelos governos locais. Além do mais, segundo o economista Michael Spence, em sua obra Os Desafios do Futuro da Economia, a China também trouxe economistas do Banco Mundial para palestrarem no país a fim de que estes pudessem inspirar as ideias dos burocratas e industriais chineses para que eles executassem as mudanças, visando a maior produtividade para a economia chinesa. Uma dessas ideias foi a abertura ao capital externo, onde as empresas estrangeiras faziam parcerias com as empresas chinesas a fim de que estas pudessem realizar aprendizados. Para isso, as empresas de fora faziam joint-ventures com as empresas chinesas. Outro ponto que reforça essa etapa da modernização da economia chinesa foi a entrada do país no GATT, em 1986, e, posteriormente, na OMC, ou seja, sua integração às instituições internacionais voltadas ao comércio. A terceira modernização proposta por Deng Xiaoping foram os investimentos em ciência e tecnologia, o que também favorece o aumento da produtividade. Por fim, a quarta e última diz respeito à manutenção do regime, ou seja, pela força, pois houve um grande investimento em defesa e modernização das forças militares chinesas.

A partir dessas mudanças, a economia chinesa experimentou um dos maiores crescimento da história, com um crescimento estimado em cerca de 10% ao ano. Além do PIB (Produto Interno Bruto), o PIB per capita teve enorme salto e, atualmente, já está em US$13 mil, ou seja, a renda média chinesa está enquadrada dentro da classificação de países considerados de renda média alta, segundo o Banco Mundial. Até a década de 1990, o PIB per capita chinês estava na casa dos US$300. A expectativa é que a China consiga ultrapassar o atual patamar e chegar à categoria dos países de renda alta.

Portanto, a China, de acordo com Fan Hee, resolveu alterar os rumos de sua economia após temer a perda do poder por conta da ineficiência econômica que o país enfrentou até a década de 1970. A mudança de uma economia centralizada para uma economia de mercado trouxe inúmeros benefícios para a China, que jamais sonhou em disputar a hegemonia internacional e liderar, atualmente, a transição hegemônica dos EUA e do Ocidente para o Oriente. Isso mostra que a economia de mercado não só ajudou milhares de chineses a saírem da miséria, mas também ajudou o país, como um todo, a sair de uma situação de fragilidade econômica e institucional.

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Kayque Lazzarini

Kayque Lazzarini

Estudou ciências econômicas na FECAP e atualmente é estudante de relações internacionais na FECAP.

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