A teoria marginalista e a Escola Austríaca: a revolução silenciosa que mudou a economia

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A economia clássica, construída por nomes como Adam Smith e David Ricardo, explicava o valor dos bens a partir de fatores objetivos, sobretudo o trabalho incorporado ou os custos de produção. Essa visão também fundamentou o pensamento de Karl Marx, para quem a exploração do trabalhador explicaria o lucro. No entanto, essa abordagem deixava sem resposta problemas práticos e aparentes paradoxos. O mais célebre deles ficou conhecido como o “paradoxo do valor”: por que a água, indispensável à vida, costuma ter valor de troca inferior ao diamante, que é supérfluo? Se o trabalho fosse a única fonte de valor ou se o custo fosse determinante, como justificar essas diferenças que todos observam na realidade cotidiana? Essa incapacidade de dar conta de contradições simples minava a força explicativa da teoria do valor-trabalho.

A resposta surgiu no final do século XIX, com a chamada revolução marginalista. Carl Menger, em Princípios de Economia Política (1871), rompeu com a teoria clássica ao demonstrar que o valor não está nas coisas em si, mas na importância que os indivíduos atribuem à última unidade disponível de um bem, a chamada utilidade marginal. Assim, a água pode ser vital em condições de escassez, como em um deserto, mas, em condições de abundância, seu valor marginal cai drasticamente. Já o diamante, por ser raro e atender a necessidades menos imediatas, tem utilidade marginal mais elevada e, por isso, alcança maior valor de troca. Essa explicação não apenas resolvia o paradoxo, mas oferecia uma nova forma de entender preços, escolhas e mercados.

Menger foi pioneiro em construir uma teoria econômica centrada na subjetividade do indivíduo. Para ele, o mercado não poderia ser compreendido por teorias que buscavam valores objetivos e universais; era necessário entender que o valor era uma categoria psicológica, um julgamento feito pelas pessoas de acordo com suas necessidades. Como escreveu: “O valor não é algo inerente aos bens, não é uma propriedade deles, tampouco uma coisa independente que existe por si só. Ele é um juízo que os indivíduos fazem sobre a importância dos bens para a manutenção de sua vida e bem-estar.” Essa formulação fez do indivíduo, e não do trabalho ou dos custos, o centro da teoria econômica.

Outro ponto crucial na obra de Menger foi sua distinção entre bens de diferentes ordens. Ele classificou os bens conforme sua proximidade com a satisfação das necessidades humanas: bens de primeira ordem seriam aqueles prontos para o consumo, como alimentos, enquanto bens de ordens superiores seriam aqueles utilizados na produção de outros bens, como máquinas ou matérias-primas. Esse raciocínio permitiu compreender como cadeias produtivas inteiras dependem, em última instância, da utilidade que o consumidor final atribui a um bem. Assim, até mesmo os fatores de produção derivam seu valor da utilidade marginal dos bens de consumo. Essa perspectiva revolucionou a forma de analisar o capital e os processos de produção.

Dessa virada conceitual nasce a Escola Austríaca de Economia. Menger lançou as bases, mas foi seguido por discípulos que ampliaram seu trabalho. Eugen Böhm-Bawerk aprofundou a teoria do capital e dos juros, explicando que o juro não é exploração, mas consequência da preferência temporal: os indivíduos tendem a valorizar mais os bens presentes do que os futuros. Ele escreveu: “O fenômeno do juro repousa no fato de que os homens atribuem, em geral, maior valor a um bem presente do que a um bem futuro de igual quantidade e qualidade.” Essa formulação desmontou a narrativa marxista da exploração, ao mostrar que lucro e juro são fenômenos naturais da ação humana diante da passagem do tempo e do risco.

Ao lado dele, Friedrich von Wieser cunhou o conceito de custo de oportunidade, fundamental para entender que cada decisão implica abrir mão de outra possibilidade. Se um indivíduo decide investir em uma atividade, renuncia a todas as demais alternativas que poderiam ser financiadas com aquele recurso. Como afirmou Wieser, “o custo de cada ato deve ser medido pelo valor do bem ao qual renunciamos.” Essa noção deu à economia uma clareza inédita sobre as escolhas em um mundo de recursos escassos.

O passo seguinte foi dado por Ludwig von Mises, que transformou a Escola Austríaca em uma teoria abrangente da ação humana, a praxeologia. Em Ação Humana (1949), Mises sintetizou a virada subjetivista ao afirmar: “A economia não trata de coisas e de objetos materiais; trata de homens, de suas ações e de sua conduta.” Para ele, os fenômenos econômicos não podem ser reduzidos a cálculos de trabalho ou a esquemas mecanicistas. Preços, lucros e juros são manifestações das escolhas humanas, resultado da cooperação voluntária em uma ordem social livre. Essa concepção só foi possível porque a teoria marginalista abriu o caminho para colocar o indivíduo no centro da análise.

Essa revolução intelectual teve impacto profundo e duradouro. Ela solucionou impasses da economia clássica, desmontou os alicerces da teoria marxista do valor e redefiniu a própria natureza da ciência econômica. Ao substituir a objetividade rígida pela subjetividade da utilidade marginal, a Escola Austríaca mostrou que a riqueza não nasce do trabalho imposto ou do planejamento central, mas da interação livre entre indivíduos que avaliam, decidem e trocam. Essa mudança não foi apenas técnica, mas filosófica: a economia passou a ser vista como ciência da ação humana, e não apenas da produção de bens materiais.

Mais tarde, autores como Friedrich Hayek expandiriam essa visão, mostrando que os preços funcionam como um sistema de comunicação que transmite informações dispersas na sociedade. O valor de mercado não é o resultado de uma planificação central, mas de milhões de avaliações subjetivas que se encontram em um processo espontâneo de coordenação. Essa ideia reforçou a defesa de uma ordem econômica livre contra as pretensões centralizadoras do socialismo e deu ao liberalismo econômico fundamentos ainda mais sólidos.

Assim, a teoria marginalista e a Escola Austríaca não apenas resolveram dilemas técnicos da economia, mas também inauguraram uma nova maneira de compreender a sociedade. A verdadeira revolução não foi barulhenta como as revoluções políticas, mas silenciosa e duradoura: perceber que o valor não está nas coisas, mas nas pessoas; que os preços não são decretos, mas sinais de escolhas; e que a economia não é uma máquina, mas uma ordem espontânea fundada na liberdade individual. A questão central nunca foi “quanto trabalho foi gasto?”, mas “quanto vale, para alguém, a próxima unidade deste bem?”. Essa é a base da economia capitalista moderna e o fundamento de uma ordem social em que a liberdade individual não é apenas uma opção, mas a condição essencial para a prosperidade coletiva.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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