Pobreza: o estado natural do ser humano

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O debate sobre pobreza costuma partir de uma premissa equivocada. Em discursos políticos e acadêmicos, a miséria é apresentada como uma espécie de falha estrutural do capitalismo, como se a abundância fosse a condição natural da humanidade e, em algum momento, algo tivesse se desviado. Essa narrativa, embora sedutora, é falsa. A pobreza não é aberração. Ela é o estado natural do ser humano. O que exige explicação não é a existência de miséria, mas a conquista da riqueza.

Por milênios, a vida humana foi marcada pela escassez. As primeiras comunidades agrícolas dependiam de técnicas rudimentares, sujeitas às intempéries e a colheitas incertas. A fome era recorrente, as doenças se espalhavam sem freios, a expectativa de vida raramente ultrapassava os 30 anos. Até mesmo em civilizações que consideramos sofisticadas, como a Grécia clássica ou a Roma imperial, a prosperidade estava restrita a uma pequena elite; a massa vivia em condições de subsistência, sujeita à servidão, à escravidão ou à precariedade do trabalho manual. Na Idade Média, apesar de avanços institucionais importantes, a maioria da população continuava exposta à fome e às epidemias. A miséria era, portanto, regra, e a abundância, privilégio.

Leo Huberman, em História da Riqueza do Homem, mostra de maneira didática como a trajetória da humanidade é, em essência, a história da escassez. A obra percorre os modos de produção desde o feudalismo até o capitalismo industrial, revelando que a riqueza sempre foi concentrada em poucos, enquanto a grande maioria vivia em privação. Mesmo que Huberman adote uma perspectiva crítica ao capitalismo, sua narrativa reforça um ponto crucial: durante quase toda a história humana, a pobreza foi a norma. A riqueza, quando existiu, foi exceção rara.

Os dados históricos confirmam essa realidade. Em 1820, cerca de 90% da população mundial vivia com menos de dois dólares por dia. Em 1800, 81% da humanidade estava em extrema pobreza, e a expectativa média de vida mal alcançava 30 anos. Esse quadro começou a mudar de forma decisiva apenas com o Iluminismo, a Revolução Industrial e a consolidação de instituições que garantiam propriedade privada, liberdade de empreender e circulação de capitais. A partir desse momento, o capitalismo abriu a porta para a prosperidade. Hoje, menos de 10% da população mundial vive em extrema pobreza. A expectativa de vida global ultrapassa 70 anos. Desde 1990, mais de 1,2 bilhão de pessoas saíram da miséria.

Essa transformação histórica revela uma verdade incômoda: o capitalismo não inventou a pobreza; ele inventou a superação dela. Países que adotaram liberdade econômica, segurança jurídica e comércio internacional colheram avanços extraordinários. A Coreia do Sul, na década de 1950, era mais pobre que vários países africanos. Em poucas décadas, ao apostar na industrialização e no comércio exterior, tornou-se potência tecnológica. Singapura, uma cidade-Estado sem recursos naturais, tornou-se um dos países mais ricos do mundo graças a um ambiente institucional favorável ao empreendedorismo. A Irlanda, sinônimo de fome e miséria no século XIX, hoje é polo de inovação e prosperidade. Em contraste, países que insistiram em centralização e paternalismo, como Cuba, Venezuela e Coreia do Norte, permanecem atolados em escassez.

No Brasil, a lição é ainda mais urgente. Segundo dados do IBGE, em 2022, 31,6% da população brasileira estava abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial e 5,9% em extrema pobreza. Em 2023, houve melhora: 27,4% dos brasileiros eram pobres e 4,4% extremamente pobres, o menor patamar desde 2012. Isso significou 8,7 milhões de pessoas saindo da pobreza e 3,1 milhões deixando a extrema pobreza em apenas um ano. Apesar do avanço, quase um terço da população ainda sobrevive com renda insuficiente para padrões básicos de dignidade. A desigualdade regional agrava o quadro: enquanto Sul e Sudeste apresentam taxas de pobreza abaixo de 15%, no Norte e Nordeste, elas superam 40%. Esse abismo não é apenas geográfico, mas institucional. Onde o Estado permite liberdade, investimento e competitividade, a riqueza floresce. Onde prevalecem clientelismo, dependência estatal e burocracia, a pobreza resiste.

A pergunta correta, portanto, não é “por que as pessoas são pobres?”. A pobreza é a condição natural. A questão essencial é: “o que permite que sociedades e indivíduos gerem riqueza?”. É essa virada de perspectiva que diferencia o pensamento liberal. Ao invés de tratar a miséria como aberração a ser corrigida por políticas de redistribuição, o liberalismo pergunta quais são as condições que permitem ao indivíduo criar, inovar e prosperar. A resposta está no respeito à propriedade, na segurança jurídica, na liberdade de mercado, na educação de qualidade e na cultura que valoriza o trabalho e a poupança.

É aqui que a contribuição de Rainer Zitelmann se torna fundamental. Em suas pesquisas sobre a percepção da riqueza e do capitalismo, Zitelmann enfatiza que o verdadeiro debate não deve ser centrado em inveja ou ressentimento contra os ricos, mas em entender os fatores que possibilitam a criação de riqueza. Para ele, sociedades que demonizam os empreendedores e o sucesso acabam reforçando a pobreza, porque atacam justamente os mecanismos que tiraram bilhões da miséria. O foco, portanto, deve estar em como criar mais prosperidade e não em como punir aqueles que já a conquistaram.

Quando países se fazem essa pergunta e constroem instituições sólidas, prosperam. Quando preferem administrar a pobreza com subsídios e paternalismo, perpetuam a escassez. É por isso que a Coreia do Sul se transformou em potência enquanto a Coreia do Norte permaneceu estagnada; por isso que Singapura floresceu enquanto a Venezuela afundou. O ponto de partida era o mesmo: pobreza. O que fez diferença foram as escolhas que criaram condições para a riqueza florescer.

No Brasil, o desafio é abandonar a mentalidade de que a pobreza é algo artificial, produto exclusivo da desigualdade, e compreender que ela é o estado inicial. O problema não é que muitos sejam pobres; é que ainda não construímos as condições para que mais pessoas ascendam. Ao insistir em soluções fáceis, programas sociais que aliviam mas não resolvem, subsídios que distorcem a economia, burocracias que sufocam o empreendedor, o país administra a pobreza em vez de vencê-la. O caminho para a prosperidade está na liberdade econômica, na redução da burocracia, no fortalecimento da poupança, no incentivo à inovação e na abertura ao comércio.

O maior erro do nosso tempo é inverter a lógica: tratar a pobreza como injustiça e a riqueza como privilégio suspeito. A história mostra o contrário. O ser humano nasce pobre. A riqueza é conquista, fruto de gerações que trabalharam, inovaram e acumularam – e, por isso, deve ser defendida, celebrada e expandida. Quando governos corroem a liberdade econômica, atacam a propriedade privada e perseguem a criação de riqueza, não estão corrigindo injustiças, mas empurrando a sociedade de volta ao estado natural da miséria.

O combate à pobreza exige mais do que boa vontade; exige compreensão histórica. É preciso entender que prosperidade não é produto de decretos, mas de instituições. É preciso abandonar a busca por milagres e cultivar as condições que fazem a riqueza brotar. Como lembrou Deirdre McCloskey, a verdadeira revolução não foi apenas tecnológica ou material, mas cultural: sociedades passaram a valorizar a dignidade do trabalho, a inovação e a responsabilidade individual. Essa é a chave da prosperidade.

A pobreza é o estado natural do homem. A riqueza é a exceção conquistada. O Brasil só encontrará seu caminho quando abandonar a ilusão de que basta redistribuir para resolver a miséria e passar a se perguntar: o que precisamos fazer para gerar riqueza? A resposta está diante de nós há séculos. Onde há liberdade, mercado e responsabilidade, a pobreza recua. Onde há estatismo, burocracia e paternalismo, ela persiste. O futuro do país depende de ter coragem de escolher a primeira opção.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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