O Direito Penal bisonho que nos acanha
Recebi de Márcio Scansani, editor da Armada, O Inacreditável Direito Penal Brasileiro, muito bem escrito pelo professor e jurista paranaense Bruno Zampier, que, além de penalista, responde por inúmeros trabalhos sobre filosofia clássica e escolástica.
O Direito Penal é um caso sério, e sempre foi, porque sequer existe consenso sobre o que venha a ser crime ou criminoso! Positivistas apelaram para o determinismo biológico ou social, aplicando sanção contra quem desafia as leis da terra. Marxistas elevaram o criminoso à condição de vítima, descurando a vítima real em muito pouco ou quase nada.
A tarefa da sanção penal, justaposta à função de controle social, em vez de continuar se prestando a equilibrar e a realizar a contenção dos comportamentos desviantes, foi se transformando paulatinamente em instrumento – apenas – de constrição da liberdade pessoal (conforme a conveniência). À medida que o interesse público foi perdendo densidade e se liquefazendo com a prevalência da cri-crítica e da abominável ideia de que o crime é benéfico (dizem os especialistas que ele consagra a identidade e os valores da sociedade), a permissividade tomou as vielas e os palácios.
Extraordinariamente, surgem pessoas dispostas a enfrentar o problema. Alguns exageram ao se distanciarem do humanismo razoável. Bruno Zampier, ao contrário, demonstrando clareza, domínio e proporcionalidade, examinou vinte e sete tópicos seminais, percorrendo desde a análise das incompreensíveis regras da imputabilidade penal para quem pode votar ou mesmo casar-se, da saidinha de matricidas em dia das mães e da permissão de aterrisagem de “aviões” nos cafofos das prisões, até a questão da prescrição benéfica a corruptos, abusadores de poder, estupradores e latrocidas.
O livro de Zampier aborta o tecnicismo. Tem sim pitadas de humor, mas de jeito algum se afasta das responsabilidades atribuíveis aos homens de fé: dizer e defender a verdade. No tempo em que vivemos, o cenário felliniano do picadeiro do Direito Penal brasileiro encontra-se ocupado com contorcionistas do nullun crimen sine lege e trapezistas de habeas corpus. O subjetivismo dos decisores, que nem disfarçam o prazer proporcionado pela sevícia e suplício dos processados, desonra cátedras e desanca diplomados.
A farra da desconstrução atravessou o limite da tolerância, instituições se renderam à anomia, personagens perderam suas máscaras, sustos chutam portas e a paúra assumiu o controle. Mas Zampier sabe lidar com tudo isto. O inacreditável não o espanta ou surpreende, pois a justiça que o autor defende não implica critérios, métodos ou parâmetros, mas a realidade, propriamente em si.
*Rogério Torres é advogado e membro da Lexum.