A inveja como arma política
“A inveja é o único pecado capital que não dá prazer algum,
apenas ódio — e, ainda assim, se tornou motor de políticas públicas.” (Roger Scruton)
Depois de ser derrotado fragorosamente no Parlamento em sua tentativa de ampliar o IOF, o governo socialista do Brasil voltou a requentar o discurso da taxação dos “super-ricos”. Estamos assistindo, nas últimas semanas, a uma campanha insistente — que já inclui até invasões a propriedades privadas —, em que políticos rupestres da base governamental, jornalistas que mais parecem cãezinhos amestrados do Planalto, internautas sem qualquer capacidade de pensar por conta própria e intelectuais com sérias deficiências neuronais (ou de caráter) insistem na tese de que é preciso taxar mais o “andar de cima”.
Ora, em pleno século 21, deveria ser motivo de espanto essa lenga-lenga ainda soar como se fosse uma grande novidade, quando todo mundo sabe que é antiquíssima. O livro de Gênesis (em 4:8-13) relata que Caim, tomado por uma ira descontrolada provocada pela inveja que o apossou ao ver que Deus aceitara a oferta de seu irmão Abel, mas recusara a sua, assassinou-o. Mas, incrivelmente, a cantilena da taxação dos “ricos” ainda é capaz de reunir meia dúzia de gatos pingados, devidamente instruídos pela “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire, em inacreditáveis manifestações pedindo “mais impostos para os ricos”, assemelhando-se a galinhas reclamando que existem poucas raposas para invadir o galinheiro.
A inveja é um sentimento de indignação com outra pessoa que desfruta de alguma coisa que se deseja, algumas vezes acompanhado por um impulso de tomá-la à força. Esse algo mais que outros possuem e que é objeto do invejoso pode ser inteligência, habilidade, talento, dinheiro, poder, beleza, fama, sucesso, sorte ou bens. O sentimento de que, aparentemente, não pode ter esses atributos leva muita gente a experimentar alterações de humor, como tristeza, frustração, indignação ou ira e cria na pessoa a expectativa de que está sendo vítima de uma enorme injustiça, já que, em sua avaliação, deveria também possuí-los. O invejoso também costumeiramente sente prazer quando aquele a quem inveja passa por situações difíceis, ou seja, à frustração e à tristeza por não possuir o que o outro tem soma-se a alegria de constatar que o outro perdeu alguma coisa.
Essa ofensiva do governo bradando pela taxação dos “super-ricos”, nitidamente, é uma tentativa de atiçar a inveja para explorá-la como instrumento político. Nas democracias, o voto é a expressão da vontade popular, mas essa vontade pode ser manipulada pela exploração de vícios humanos, entre os quais a inveja, que se destaca como ferramenta silenciosa, porém bastante poderosa, para sequestrar corações e mentes e, principalmente, arrebatar votos. O fomento oculto da inveja sempre foi uma das ferramentas preferidas dos que fazem da política um instrumento de divisão, ressentimento e controle, como os socialistas, comunistas e progressistas em geral, que historicamente são os campeões do “discurso de ódio”.
A história da política está repleta de exemplos em que a inveja foi maquiada como clamor por justiça e institucionalizada como se fosse virtude. A expressão “justiça social”, usada exaustivamente, é um exemplo característico dessa manipulação perversa. A velha luta de classes do marxismo, ao dividir a sociedade entre exploradores e explorados, admite como única hipótese que o sucesso do rico, por definição, causa o insucesso do pobre, uma narrativa simplista, rudimentar, mas eficaz quando instilada em alguém desprovido de princípios morais sólidos e que, além disso, acorda às 4 horas da madrugada para ir trabalhar, só volta para casa às 11 da noite e ganha um salário mínimo: se outras pessoas têm muito mais do que você, só pode ser porque tiraram e continuam tirando de você. É difícil explicar para essa pessoa que a economia não é um jogo de soma zero, que a vitória de uns não exige a derrota de outros, e que todos podem estar melhorando (ou piorando) de vida ao mesmo tempo.
A retórica é conhecida. Os ricos devem pagar mais simplesmente porque “têm demais”. O mérito é malvisto e rebaixado à categoria odiosa de “privilégio”. Quem prospera — e garante-se isso como se fosse um truísmo — só o conseguiu porque explorou alguém. Nesse discurso, o sucesso não é inspiração, mas uma ofensa cabeluda. As aspirações legítimas são descaracterizadas e apresentadas como ganância; e os frutos do trabalho duro, na melhor hipótese, como sorte injusta.
Uma das maiores causas do atraso de muitos países é exatamente essa mentalidade, que pode ser condensada no que chamo de teorema fundamental da pobreza, a crença quase infantil de que, se A é pobre, é porque B é rico (ou, se B é rico, é porque A é pobre), um falso teorema que gera o corolário de que, para fazer “justiça social”, o governo precisa tirar de B para dar a A. E isso inevitavelmente vem acompanhado de todo aquele papo-furado de “concentração”, “desigualdade”, “exclusão”, “opressão”, “exploração” e outros cavalos de batalha tão ao gosto de socialistas e demagogos de todas as cores.
Muitos dos políticos e intelectuais que fomentam a inveja nos mais pobres para arrecadar votos sabem muito bem que esse teorema é falso, mas dão de ombros e fingem não saber que podem existir diversas causas explicando por que A é pobre e B é rico, como, por exemplo, a preguiça de um e a operosidade do outro, a ignorância e o estudo, o azar e a sorte, a acomodação e o espírito empreendedor, o background familiar de cada um, a ingenuidade e a esperteza, a estultice e a inteligência etc. A exploração de A por B é apenas uma dessas possibilidades, mas para os socialistas — até por uma questão da sua própria sobrevivência — ela é a única, porque é a brecha por onde podem penetrar para chegar ao poder.
A partir dessa lógica patológica, tributar os “super-ricos” deixa de ser apenas uma política fiscal para transformar-se em um verdadeiro ato moral de pernas para o ar, um acerto de contas com a “injustiça”, nada importando se é uma doença que destrói investimentos, reduz empregos, afugenta capital e aumenta e generaliza a pobreza: a política do ressentimento se contenta com o dano aos bem-sucedidos, mesmo que não traga benefícios reais a ninguém, exceto aos seus formuladores.
Essas distorções com o intuito de explorar politicamente a inveja são antigas, mas nos dias de hoje se manifestam em discursos de indignação simulada contra o “andar de cima” e o “1%”, em campanhas contra heranças e tentativas de taxá-las cada vez mais, em ataques ao agronegócio, ao empreendedorismo e ao mérito. Este, como mencionado anteriormente, transformou-se quase que em um crime hediondo: quem sobe na vida por esforço próprio é visto com desconfiança e tratado como suspeito de ter sido beneficiado por “privilégios” ou, simplesmente, porque é um corrupto por definição.
É evidente que os políticos populistas, sabedores de tudo isso, em vez de direcionarem a educação para a responsabilidade e o mérito, preferem alimentar o rancor. É mais fácil e rende votos no curto prazo. Quando governos progressistas elevam impostos para “punir os ricos” ou concedem bolsas sociais a torto e a direito, sem prazo de saída, para fazer “justiça social”, estão apenas alimentando a dependência e desestimulando o trabalho e a produção. A inveja, portanto, serve como justificação emocional para políticas destrutivas e como alimento para uma moralidade invertida: o que o processo civilizatório milenar mostrou que era virtude — poupar, trabalhar, investir, respeitar a propriedade — passa a ser relativizado e tratado com suspeita. E o que sempre foi vício — depender, reclamar, ressentir-se, apossar-se — passa a ser festejado como “consciência social”.
O sistema cultural de massa também cumpre papel central nesse processo: filmes, peças, novelas, debates e manchetes reforçam a caricatura do empresário ganancioso, do patrão explorador, do banqueiro corrupto, do fazendeiro destruidor e pouco ou quase nada falam dos que empregam, esforçam-se, inovam, empreendem, arriscam e sustentam, com o seu trabalho, a maioria da população e o próprio Estado mediante impostos. A ideologia da inveja precisa de vilões para sustentar a sua narrativa.
Thomas Sowell sustenta que os regimes de esquerda, para obterem sucesso, precisam da mudança das leis da natureza, o que não é possível no universo que aí está, já que não há outro à disposição. E acrescenta que não podemos, como Deus no início da criação, dizer: “Haja igualdade!”.
Além do mais, a exploração da inveja para fins políticos é absolutamente incompatível com a liberdade. Uma sociedade livre reconhece as desigualdades entre as pessoas como fenômenos naturais, não porque despreze a justiça, mas porque sabe que os seres humanos são diferentes em talentos, escolhas e projetos. O papel do Estado, então, deve ser o de proteger a igualdade de todos perante a lei e jamais o de forçar a igualdade de resultados. Desde Marx, o socialismo enxerga a desigualdade como um mal em si, independentemente das suas causas. Para um progressista-padrão, o simples fato de alguém ter mais já representa, por si só, uma injustiça a ser corrigida — não importa se sua riqueza é fruto de esforço, inovação ou mérito. Essa mentalidade inverte a lógica ditada por muitos séculos de experiência: em vez de elevar os que estão embaixo, quer-se rebaixar os que estão no topo. O alvo não é mais melhorar A, mas punir o sucesso de B.
Poucos sentimentos corroem tanto a liberdade quanto a inveja, especialmente quando, mais do que um vício individual, ela é usada como instrumento político, disfarçada de “justiça social” e travestida de empatia com os “oprimidos”. É um truque velho, mas ainda eficaz: transformar algo que é intrinsecamente mau — o ressentimento — em virtude cívica e fazer dele uma ferramenta legítima de mobilização ideológica, como base para políticas de tributação, intervenção e censura moral, gerando polarização para fins de controle político. Essa instrumentalização política da inveja não é justiça — é tirania disfarçada.
O socialismo entende muito bem esse mecanismo. É mais fácil ganhar votos estimulando vícios do que incentivando virtudes. O combate a essa tendência exige coragem moral e clareza intelectual. É preciso resgatar o valor do mérito, da responsabilidade individual e da liberdade de empreender e denunciar quem faz da inveja um instrumento de dominação política. O certo não é destruir quem tem mais, mas dar ferramentas para que todos possam ter mais, e o desafio não é nivelar por baixo, mas dar condições para que todos possam ir para cima.
Essa campanha do governo para taxar os ricos é incompatível com uma sociedade livre. Ela não combate a pobreza, mas explora o ressentimento. Quando o sucesso vira crime, o mérito vira defeito.
* Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.