A juristocracia consolidada agora também aumenta impostos
Em uma democracia saudável, o poder Executivo necessita buscar o apoio majoritário do poder Legislativo para fazer mudanças de seu interesse; se isso é ainda mais verdade em se tratando de regimes parlamentaristas, onde a própria permanência do Executivo carece desse apoio, não o deixa de ser também no presidencialismo. De fato, a possibilidade de uma maioria formada no parlamento contrariar um anseio, sobretudo um anseio impopular, do Executivo, é um dos contrapesos necessários para evitar desmandos e desequilíbrio entre os poderes. Contudo, o Brasil já não goza de uma democracia funcional. Aqui, um governo desgastado e impopular já não precisa se preocupar com a articulação política para obter decisões favoráveis no plano Legislativo — Lula deixou essa despreocupação bastante clara ao nomear a sempre beligerante Gleisi Hoffmann como ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais. Aqui, um governo decrépito pode contar com o socorro dos companheiros togados. Ora, se buscar o apoio do Legislativo é típico de democracias saudáveis, também é contemplar o fato de que às vezes o Executivo será contrariado e derrotado no plenário. Democratas de verdade — o que não é nem nunca foi o caso de Lula — amargam a derrota com maturidade, mas no Brasil de hoje logo correm para choramingar no STF. Mas não o fazem gratuitamente, fazem, pois, sabem que hoje a maioria da corte pende para seu lado. Foi dessa forma que primeiro o PSOL (partido recordista em acionar o STF, fazendo-o sempre que tem suas pautas derrotadas no Congresso, o que acontece com bastante frequência) e depois o próprio governo, por meio da sempre fiel AGU, ingressaram com ações no STF questionando a épica decisão do Congresso de derrubar decreto governista que aumentava as alíquotas do IOF. Foi dessa forma que Alexandre de Moraes (ele, sempre ele), referendou a posição do governo, mantendo o aumento do IOF, excetuando apenas a cobrança sobre o risco sacado.
Vale recordar que, por 383 votos a favor e apenas 98 contra, a Câmara, depois da repercussão negativa, havia derrubado decreto do governo que aumentava as alíquotas do IOF, decisão que foi referendada pelo Senado, significando até então a maior derrota para o governo Lula 3. Inicialmente, para somar ao seu longo repertório de absurdos jurídicos, Moraes sustou tanto o decreto do governo quanto sua derrubada no Congresso e marcou uma audiência de conciliação, sinalizando, mais uma vez, que se vê imbuído de um verdadeiro poder moderador. Terminando o teatro da conciliação da única forma que poderia, isto é, sem acordo, Moraes decidiu, para surpresa de ninguém, em favor do governo. Para tal, Moraes argumenta que “não restou comprovado qualquer desvio de finalidade na alteração das alíquotas”. Ora, é verdade que o Artigo 153 da CF faculta à União o poder de alterar a alíquota do IOF, mas o pulo do gato é que essa exceção se concede ao governo em tributos com natureza extrafiscal, isto é, que cumprem algum outro propósito que não a arrecadação; o aumento do IOF tem, como a própria comunicação da Fazenda não deixa margem de dúvida, fim completamente arrecadatório, visando ao equilíbrio das contas públicas, sendo, portanto, inconstitucional. O Congresso, ao contrário do que argumenta a AGU, agiu em linha com a Constituição ao derrubar o decreto, já que a majoração de tributos para fins arrecadatórios só pode ser feita por via legislativa, pelo óbvio ululante de que a sociedade precisa consentir com qualquer aumento de impostos (ou não) por meio de seus representantes.
Se temos dito que o estado de censura que afeta desproporcionalmente a direita não se limitará a ela, tampouco os arroubos do STF se limitariam ao tema, e agora a juristocracia consolidada também aumenta impostos. Pergunto-me o que farão na sequência. O governo Lula forma uma verdadeira dobradinha com o STF. Não é exatamente uma relação simbiótica, já que o governo necessita mais da suprema corte do que o contrário, mas é onde Lula tem buscado sua “governabilidade”. Com uma corte tão flagrantemente politizada — fato que apenas um néscio negaria —, resta claro que o resgate da democracia brasileira dependerá das eleições vindouras, quando o que estará em jogo não será apenas a derrota do incumbente, mas dessa dobradinha maléfica. Há dois PTs a serem derrotados em 2026: um é o nosso velho conhecido Partidos dos Trabalhadores e o outro é o Partido Togado. O Congresso atual foi desmoralizado, massacrado, humilhado diante de todo o país e não há qualquer indicativo de que Motta ou Alcolumbre farão qualquer coisa quanto a isso; o mais provável é que participem de mais um desses jantares com os donos do poder e sigam como se nada fosse nada. Insisto, então, que tudo dependerá de 2026.
Fontes:
https://www.poder360.com.br/poder-justica/moraes-mantem-decreto-mas-derruba-iof-sobre-risco-sacado/
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10669784/artigo-153-da-constituicao-federal-de-1988