Tarifa de Trump não é sanção, mas ofensiva comercial
Tenho visto muitas personalidades do campo liberal reagindo à tarifa de 50% imposta por Trump sobre importações do Brasil como a consumação da posição do país como pária internacional e a inevitável consequência do atual regime de censura. Creio que vale acalmar os ânimos e refletir melhor sobre a coisa.
Na carta endereçada ao governo brasileiro, Trump elenca basicamente três razões como justificativa para o aumento da tarifa: o julgamento de Bolsonaro, qualificado por ele como uma “caça às bruxas”; decisões censórias da suprema corte brasileira contra cidadãos americanos; um suposto tratamento injusto, por parte do Brasil, na relação comercial com os Estados Unidos. Podemos destacar que as duas primeiras razões foram apresentadas logo antes do anúncio da tarifa, sendo a justificativa comercial apenas complementar, o que nos autoriza, em um primeiro momento, a ver a medida como uma resposta aos desmandos do STF. Uma análise mais atenta, contudo, nos faz concluir que não se trata de uma sanção, no sentido estrito do termo, mas de mais um movimento tarifário e mercantilista de Trump.
Se a medida fosse de fato uma sanção devido à guinada autoritária do Brasil, não haveria qualquer menção à questão comercial e a condição para a revisão da tarifa seria uma revisão de medidas consideradas arbitrárias por parte da suprema corte e do governo brasileiro. Em sentido contrário, não deixando margem de dúvida para a verdadeira intenção por trás da carta, o governo Trump diz: “Como o senhor sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas dentro do seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos tudo o possível para aprovar rapidamente, de forma profissional e rotineira — em outras palavras, em questão de semanas”. Para que não reste qualquer margem de dúvida, lemos no último parágrafo: “Se o senhor desejar abrir seus mercados comerciais, até agora fechados, para os Estados Unidos e eliminar suas tarifas, políticas não tarifárias e barreiras comerciais, nós poderemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta”. Resta claro que se o Brasil estiver disposto a aceitar os termos da relação comercial impostos pelos EUA, a tarifa poderá ser revista, prescindindo de qualquer modificação na censura interna ou em julgamentos arbitrários.
Já manifestei o que penso sobre o julgamento de Bolsonaro, bem como sobre os processos do 8 de janeiro e da suposta tentativa de golpe. Também não preciso acrescentar mais nada no que concerne à violação da liberdade de expressão no Brasil. É verdade, também, que apesar de toda a lenga-lenga contra um suposto imperialismo, foi Alexandre de Moraes quem violou a soberania americana ao determinar medidas judiciais contra residentes americanos, em solo americano. Também é verdade que Lula acaba de visitar a ex-presidente argentina, Cristina Kirchner, que cumpre prisão domiciliar por corrupção, em um julgamento que, vejam só, Lula trata como perseguição política — o presidente brasileiro, portanto, não tem parâmetro algum para confrontar posição análoga do presidente americano para com o ex-presidente brasileiro. Agora, no que tange à questão comercial, só posso repetir o óbvio: Trump é um inimigo do livre comércio e entusiasta de um mercantilismo ridículo e decrépito.
Não há qualquer razão para entusiasmo e me custo a crer que qualquer brasileiro, independente de enquadramento ideológico, possa se sentir feliz quando tarifas absurdas são impostas a seu país. O Brasil não está sofrendo sanções internacionais como reconhecimento de um regime de exceção. Está sofrendo, sim, uma ofensiva comercial. Quem pensa que, a despeito disso, a medida de alguma forma concorrerá para corroer o autoritarismo que grassa por aqui, se equivoca; pode sim dar um novo fôlego combativo a um governo até então decadente, bem como servir muito bem à narrativa dos “eternos salvadores da democracia”.
Primeiro, não é necessário qualquer esforço para vincular a medida ao bolsonarismo, já que Trump fez a “gentileza” de escrever a carta em tom personalista, como que indo ao socorro de seu querido amigo Bolsonaro. Esse mesmo fato faz com que fique muito difícil para essa ala (talvez majoritária) da direita brasileira criticar a tarifa.
Segundo, se a narrativa censória tem sido a de que grandes empresas de tecnologia estrangeiras estavam atentando contra a soberania brasileira e careciam de “regulamentação”, a ofensiva do presidente dos Estados Unidos, país que abriga a maior parte dessas empresas, cai como uma luva para a narrativa do STF/governo.
Não havendo revisão da tarifa e considerando que os EUA são um dos principais parceiros comerciais do Brasil, as consequências econômicas virão, gerando descontentamento, em especial nos setores que exportam (ou exportavam) para o país norte-americano. Disso resultará uma guerra de narrativas. Por um lado, a direita tende a culpar STF e governo pelo que entendem como sanções; por outro, o consórcio governo/STF culpará justamente a direita, acusando-a de se associar com o “imperialismo” americano para promover medidas de lesa-pátria (recordemos que Eduardo Bolsonaro já é alvo de um inquérito por supostamente atuar nos EUA contra autoridades brasileiras). Nominalmente, visarão a família Bolsonaro, mas como o modus operandi tem sido associar todo e qualquer direitista ao bolsonarismo e como, querendo ou não, Jair Bolsonaro ainda detém um capital político considerável nesse campo, é inevitável que isso atinja a direita como um todo.
Ora, levando em consideração que a motivação comercial é muito clara, que Trump é uma figura controversa com um comprometimento questionável com a democracia liberal — destaquemos a revogação de permissão para viver e trabalhar de milhares de imigrantes de países socialistas como Cuba, Nicarágua e Venezuela —, além do fato de que não há nenhum outro país a tomar medidas semelhantes contra o Brasil, a chance de a narrativa governista colar é muito maior.
A ofensiva de Trump não poderia vir em momento mais oportuno para o PT. Com a popularidade em queda e buscando um equilíbrio fiscal pelo incessante aumento de impostos, sem qualquer sinalização de redução da máquina pública, o governo Lula acaba de lançar uma campanha, com direito a mobilização de influenciadores e tudo mais (claro que dessa vez o STF não enxergará isso como gabinete de ódio) em seu velho estilo “Nós contra eles”, contra a camada mais rica da população. É o embuste esquerdista de sempre, que seduz incautos, cegos para o fato de que são sempre os mais pobres os que pagam a conta de um estado inchado. Agora, com a tarifa de Trump, Lula pode (e já está fazendo isso) engrossar a narrativa, associando o “imperialismo americano” a interesses de classes mais abastadas e vendendo-se como paladino da soberania — mesmo sendo o sujeito que claramente pensa que a Ucrânia deveria se ajoelhar diante do imperialismo russo. Já o STF, que costuma tratar seus críticos como extremistas, terá agora o trunfo de dizer que as legítimas demandas por respostas legislativas ao arbítrio da corte atendem à agenda de Trump e que seus proponentes se associam com forças estrangeiras para lesar a pátria.
A única posição cabível aqui para que não sejamos esmagados pelo sopro de vitalidade que a irresponsabilidade de Trump concedeu a um governo decrépito e que pode malograr sim os sucessos da oposição em 2026 é a direita como um todo se posicionar contra a ofensiva americana, criticando o protecionismo tresloucado e populista de Trump e ressaltando as virtudes do livre comércio, sem deixar, contudo, de manter firmes as críticas aos desmandos do STF e aos achaques tributários do governo. Liberais e conservadores não podem cometer o erro de falar apenas para sua bolha, ignorando que precisam dos votos daquela massa amorfa da população que não é ideologicamente definida, mas que é suscetível a melindres patrióticos — os brasileiros são orgulhosos e não aceitarão o que podem entender como demonstrações de “viralatismo” de seus representantes.
Fontes: