A Abolição do Homem, de C. S. Lewis

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Tema central

Segundo C.S. Lewis, o termo “A Abolição do Homem” refere-se ao estágio final de um processo gradual de erosão dos valores morais e espirituais que sustentam a sociedade e a individualidade, levando a uma condição em que os indivíduos são tratados como simples máquinas, manipuláveis em busca de um “bem-estar” definido por poucos. Essa abolição ocorre quando se abandona a Lei Natural ou o Tao — a ordem moral universal que rege o universo e a natureza humana. Sobre a Lei Natural ou Tao, o autor afirma: “Isso que eu chamei de Tao, por questão de conveniência, e que outros podem chamar de Lei Natural, Moralidade Tradicional, Primeiros Princípios da Razão Prática ou Primeiras Trivialidades, não é apenas mais um sistema de valores possível. Trata-se da única fonte de todos os juízos de valor. Se ela for rejeitada, todos os valores terão sido rejeitados. Se qualquer desses valores for aceito, ela também será aceita (…)”.

Em resumo, A Abolição do Homem não apenas critica as tendências da sociedade moderna, mas defende a importância de valores morais e da lei natural como fundamentos para uma sociedade mais justa e humana. Trata-se de uma crítica contundente ao relativismo moral e à educação que se afasta da busca pela verdade, alertando para os riscos de uma humanidade sem valores universais e sem uma educação voltada à formação integral do caráter.

Estrutura da Obra

O processo que leva à abolição do homem é descrito por Lewis ao longo de três capítulos principais — “Homens Sem Peito”, “O Caminho” e “A Abolição do Homem” — nos quais ele analisa a natureza humana e as ameaças que o relativismo e o avanço tecnológico podem representar. Abaixo, uma breve síntese de cada capítulo:

Homens Sem Peito

Neste capítulo, Lewis analisa trechos de um livro didático de inglês para “meninos e meninas das últimas séries”, escrito por dois professores. Para preservar a identidade dos autores, ele se refere a eles como Gaius e Titius, e à obra como O Livro Verde. A partir dessa análise, Lewis destaca que aquilo que poderia parecer apenas uma opinião pedagógica inofensiva revela, na verdade, uma tendência preocupante de negligenciar a formação emocional no processo educativo de crianças e jovens. Ele defende que as emoções devem ser guiadas pela razão e alinhadas a princípios objetivos e valores universais — o Tao. Emoções desalinhadas ao Tao devem ser corrigidas desde cedo, evitando desvios e distorções no desenvolvimento moral do indivíduo.

O Caminho

Aqui, o autor enfatiza que a educação tem papel central na formação do caráter. Segundo ele, uma educação adequada deve moldar desejos e emoções conforme a razão e os valores objetivos. Lewis critica os “inovadores” — agentes que promovem a desconstrução deliberada dos valores universais, substituindo-os por explicações meramente instintivas do comportamento humano. Ele afirma que “instinto” nada mais é do que “um nome dado ao que ainda não se compreende”, numa crítica ao cientificismo exacerbado.

A Abolição do Homem

No último capítulo, Lewis alerta para as consequências de uma educação desvinculada de valores universais, sinalizando o risco de uma sociedade dominada pela tecnologia e pelo relativismo. Introduz aqui a figura dos “manipuladores” — homens dotados de poder político, econômico, militar ou religioso, que utilizam as teorias dos inovadores para impor sua visão de mundo à maioria. Esses manipuladores, separados do Tao, sabem como moldar consciências por meio da genética, pedagogia, psicologia, sociologia, entre outras ciências, decidindo que tipo de humanidade será permitido existir.

O autor destaca que cada avanço da ciência, apresentado como uma conquista da natureza pelo homem, na verdade amplia o poder de poucos sobre muitos. Esse desequilíbrio torna-se o motor do que chamamos de conflito entre gerações, com a geração atual tentando romper com valores anteriores enquanto busca dominar as seguintes. Para Lewis, no estágio final da abolição, esses manipuladores deixam de ser plenamente humanos, pois sacrificam sua parcela de humanidade tradicional para decidir o que será considerado “humano” dali em diante. O conceito de bem e mal, aplicado a eles, torna-se vazio, pois são eles que passam a definir tais conceitos.

Ao final, conclui: “No momento preciso da vitória do Homem sobre a Natureza, encontramos toda a raça humana submetida a alguns indivíduos, e tais indivíduos estarão sujeitos àquilo que em si mesmo é puramente natural — aos seus impulsos irracionais”. A suposta conquista da natureza pelo homem se revela, então, como a conquista do homem pela natureza.

O apêndice da obra apresenta trechos de obras jurídicas, filosóficas e religiosas de diferentes civilizações, reforçando a existência de valores universais comuns a toda a humanidade, que Lewis chama de Tao.

Conceitos Abordados

A partir dos três capítulos, destacam-se os seguintes conceitos fundamentais:

3.1. Lei Natural x Relativismo Moral

Lewis argumenta que abandonar princípios morais universais leva à perda de justiça, bem comum e humanidade. Ele contrapõe o relativismo moral — onde os valores variam — à Lei Natural, que é inerente à condição humana.

3.2. Glorificação da ciência

A crítica recai sobre a ciência usada como ferramenta de dominação, desprovida de ética e valores humanos. A obra alerta contra os perigos de uma tecnocracia sem limites.

3.3. Educação e Moralidade

A educação, segundo Lewis, deve desenvolver não apenas habilidades técnicas, mas o senso de verdade, a imaginação e a moral. Ela não deve ser usada como meio de doutrinação ideológica.

3.4. Efeitos da moralidade relativista

A ausência de valores objetivos leva à perda de sentido, identidade e autonomia intelectual, tornando o indivíduo vulnerável à manipulação por doutrinadores e ideologias autoritárias.

Aplicação

A atualidade das ideias de Lewis salta aos olhos. Publicado há mais de 80 anos, A Abolição do Homem parece ter previsto temas contemporâneos como o cancelamento, o negacionismo e a doutrinação escolar. Ao comparar a obra com 1984 de George Orwell, vemos paralelos inquietantes: sociedades indiferentes à injustiça, indivíduos que não reagem, condicionados a sobreviver sem reflexão moral ou intelectual. O autor vê nessa indiferença o reflexo direto da perda do Tao.

Durante a pandemia do COVID-19, observamos a marginalização de opiniões divergentes e o uso da expressão “em nome da ciência” para justificar medidas autoritárias. Contudo, como bem lembra Lewis: “Nada do que eu possa dizer poderá impedir algumas pessoas de descrever esse ensaio como um ataque à ciência. É claro que eu nego a acusação…”

No Brasil, os eventos de 8 de janeiro de 2023 geraram condenações severas, ao passo que criminosos confessos foram soltos — tudo “em nome da democracia”. A reação passiva da sociedade é mais uma evidência da erosão dos valores fundantes. Como disse Renato Russo:

“Nos deram espelhos
E vimos um mundo doente.
Tentei chorar
Mas não consegui…”

Conclusão

A Abolição do Homem permanece um marco nas discussões sobre moralidade, cultura e educação. É leitura não apenas recomendável — mas essencial. Uma obra que desafia, instiga e contribui para formar líderes éticos, conscientes do poder que exercem e das consequências de sua ação (ou omissão) sobre o destino da humanidade.

*Lucio Meira de Mesquita é graduado em Engenharia Mecânica, servidor público federal e associado do Instituto de Formação de Líderes de Brasília (IFL-BSB).

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