Racionalidade econômica e política nos negócios internacionais

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No atual cenário econômico e político global, os conceitos de racionalidade econômica e política ganharam grande relevância ao se avaliar o comportamento dos atores econômicos — sejam eles privados ou públicos —, bem como as políticas comerciais das principais potências econômicas internacionais, em termos de suas decisões de ordem geoeconômica e geopolítica.

As tensões geopolíticas e geoeconômicas entre os Estados Unidos e a China, principalmente, somadas à guerra tarifária dos EUA contra seus históricos parceiros comerciais, colocaram em pauta, de maneira implícita e explícita, o choque entre duas concepções distintas de abordagem na tomada de decisões de políticas econômicas.

A racionalidade econômica

A racionalidade econômica tem suas raízes na teoria do homo economicus. Essa teoria teve origem no ensaio sobre economia política escrito pelo filósofo, economista e político inglês John Stuart Mill, em 1836, intitulado Sobre a definição de economia política e sobre o método de investigação para ela. Mill não cunhou diretamente o termo homo economicus; no entanto, sua obra estabeleceu as bases para a ideia de um ser humano racional e maximizador de seu próprio interesse econômico.

Mill via o indivíduo, na economia, como alguém que busca a riqueza por meio de uma avaliação eficiente dos meios para obtê-la. Enxergava o homem econômico como um ser que tenta maximizar sua riqueza e bem-estar, usando a razão para avaliar as melhores opções ao seu redor. Assim, para Mill, o que mais tarde seria conceituado como homo economicus era uma ferramenta metodológica para analisar a economia.

Homo economicus

A racionalidade econômica baseia-se na conceituação do homo economicus, um conceito que descreve, de forma abstrata, a capacidade dos agentes econômicos de tomar decisões logicamente fundamentadas em uma relação de custo-benefício. Essas decisões visam a otimizar os lucros e reduzir os custos, operando dentro das restrições de recursos e do conhecimento disponível. Em essência, trata-se de escolher a opção mais vantajosa após avaliar as alternativas e suas respectivas consequências.

A característica mais marcante do homo economicus é que ele toma decisões com base em uma análise racional de custo-benefício, tanto do ponto de vista do empresário — que busca maximizar seus lucros por meio de um processo decisório eficiente — quanto do consumidor, que tenta maximizar sua utilidade ao adquirir qualquer bem ou serviço.

No entanto, os pressupostos básicos sobre os quais se sustenta esse conceito abstrato e quase-modelar da racionalidade dos agentes econômicos vêm recebendo críticas tanto metodológicas — quanto à validade de sua aplicação prática — quanto teóricas, como o pressuposto de que os tomadores de decisão teriam acesso a toda a informação existente.

Se enquadrarmos esse conceito de racionalidade econômica — e seu homo economicus subjacente — no atual contexto econômico global, os agentes racionais deveriam tirar proveito da liberdade de fluxo de capitais e fatores de produção. Isso se traduziria na busca por vantagens competitivas e comparativas, otimização do investimento e maximização do comércio, bem como na adaptação às forças do mercado como eixo central de suas decisões de investimento ou desinvestimento.

A racionalidade política

O conceito de racionalidade política também não escapa da abstração nem dos fatores que lhe são inerentes, como as influências ideológicas ou políticas — sejam elas de caráter cultural ou conjuntural — sobre os tomadores de decisão na formulação de políticas econômicas em seus respectivos países.

A racionalidade política foi definida por alguns autores como “uma racionalidade prática. Isso significa que não é uma racionalidade externa à ação, mas própria da ação humana. Como tal, só é possível em relação a um agente e um contexto objetivo. Em contraste com a racionalidade teórica, que considera ‘de fora’ os processos para aplicar-lhes uma técnica ou norma que os oriente a um fim estratégico.” (Luis Alejandro Auat, A racionalidade política: princípios e mediações, Revista de Filosofia de Santa Fe, nº 11, 2003, p. 46).

Seguindo esse conceito de racionalidade política, é importante citar Cruz Prados, que afirma: “a racionalidade da ação só é possível dentro de um ethos objetivo. Não seria possível, então, determinar se uma ação é racional ou não sem que haja um contexto de referência.” (Cruz Prados Alfredo, Ethos e Polis. Bases para uma reconstrução da filosofia política, EUNSA, Pamplona, 1999).

Cabe esclarecer que ethos é um conjunto de traços e modos de comportamento que compõem o caráter ou identidade de uma pessoa ou comunidade, visando gerar adesões a um projeto político específico, que pode ter diferentes matizes ideológicos ou ser puramente pragmático. Esses conceitos são relevantes para entender a interconexão entre racionalidade econômica e política no atual cenário global dos negócios.

Interconexão entre racionalidade econômica e política

Economia e política estão intrinsecamente ligadas, pois decisões políticas podem ter impacto significativo na economia, e as condições econômicas podem influenciar decisões políticas.

Portanto, a racionalidade econômica, frequentemente associada à lógica de custo-benefício e sua maximização — como já mencionado —, é desafiada por considerações políticas que obedecem a uma racionalidade voltada para interesses políticos presentes e de curto ou médio prazo. A estabilidade e a equidade social, entre outras considerações sociopolíticas, frequentemente se subordinam a fatores políticos de viés eleitoralista, que visam a estabelecer uma governança que garanta legitimidade e apoio popular em torno de um projeto político específico.

Esses processos, em diferentes graus, introduzem vieses na tomada de decisões. A influência de grupos econômicos, políticos ou corporativos, a busca por vantagens pessoais por parte de funcionários e o clientelismo político acabam levando ao que a escola da Public Choice enfatizou: que a tomada de decisões públicas “não é um mecanismo de mercado” e que as falhas de mercado devem ser comparadas com os custos da intervenção pública, seja ela de alcance nacional ou internacional.

O ciclo político dos negócios no atual contexto global

A complexa relação entre economia e política também deve ser analisada à luz da teoria do ciclo político dos negócios. A origem dessa teoria está no artigo do economista William D. Nordhaus, da Universidade de Yale, intitulado The Political Business Cycle (abril de 1975), publicado na The Review of Economic Studies. Esse artigo não apenas definiu um novo risco exógeno ao funcionamento dos mercados — o ciclo político dos negócios — como também identificou tendências intrínsecas aos sistemas democráticos para manipular a economia em benefício das elites políticas e econômicas, especialmente para influenciar os resultados eleitorais e manter o poder político.

Nordhaus propôs que, dentro desse conceito, existiria um ineficiente “ciclo político” no qual os governos, ao manipular instrumentos de política econômica (fiscal, monetária e comercial), tentariam preservar o poder.

Essa teoria distingue dois tipos de modelos: os oportunistas, nos quais os políticos buscam apenas maximizar votos; e os partidários, que adotam políticas alinhadas a uma ideologia definida e orientadas a beneficiar seus representados.

Embora essa teoria tenha nascido como uma modelagem para explicar o comportamento de governos democráticos no esforço de moldar a economia segundo seus interesses eleitorais, ela também pode ser aplicada, ainda que parcialmente, a regimes quase democráticos ou autoritários. Nesses casos, a manipulação econômica não visa à reeleição, mas sim à expansão da influência geoeconômica e geopolítica no cenário internacional.

Hoje, no plano internacional, observamos um contraste: por um lado, o atual governo dos Estados Unidos enquadra sua racionalidade política dentro dos dois modelos mencionados ao implementar suas políticas econômicas externas. Por outro lado, a China atua segundo uma racionalidade política que não se explica por processos eleitorais internos nem pela necessidade de adesão popular ao establishment, mas sim por seu projeto de expansão global. Esse projeto, em certas áreas econômicas, compete de forma desleal — do ponto de vista das regras de livre mercado — com os Estados Unidos e o restante do mundo ocidental.

Conclusões

A racionalidade política, conforme explicada no contexto da teoria do ciclo político dos negócios, tem marcado — e continuará a marcar — as diretrizes da reconfiguração do atual sistema econômico e geopolítico internacional.

Esse ciclo político dos negócios minou os fundamentos da ordem internacional liberal surgida após a Segunda Guerra Mundial. Por meio de guerras comerciais, competição desleal e uso de tarifas como instrumento de pressão política e econômica (justificadas ou não), criou-se um ambiente global altamente imprevisível e desafiador para os agentes econômicos, que costumavam tomar decisões dentro de um marco de racionalidade econômica e sob regras mais ou menos claras e previsíveis do livre comércio de bens e serviços.

*George Youkhadar Allis é advogado e cientista político com menção em Relações Internacionais pela UCV, com pós-graduação em Negociações Econômicas Internacionais pelo IAEDPG, MBA e Mestre em Finanças pela Universidade do Chile.

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