Revitalização do centro de BH: a proposta liberal

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A região central de Belo Horizonte, projetada como símbolo da modernidade republicana e da racionalidade urbana no início do século XX, encontra-se hoje diante de um esgotamento estrutural. Ruas degradadas, prédios abandonados, insegurança crescente e o esvaziamento econômico e populacional formam um cenário cada vez mais difícil de reverter por meio das ferramentas tradicionais do poder público. O hipercentro da capital mineira, que já foi referência de vitalidade urbana, tornou-se um espaço dominado por entraves regulatórios, incentivos desalinhados e políticas públicas bem intencionadas, porém ineficazes.

Esse fracasso não é apenas administrativo; é conceitual. A persistência em adotar modelos centralizadores de planejamento urbano, sob a crença de que o Estado é o único agente capaz de coordenar a complexidade das cidades, impede que soluções mais eficazes, oriundas da sociedade civil, do mercado e da inteligência dispersa, possam emergir. Conforme ensinou Friedrich Hayek em The Use of Knowledge in Society (1945), nenhuma autoridade central dispõe das informações necessárias para tomar decisões eficientes em ambientes complexos. A tentativa de fazê-lo não apenas é ilusória, como frequentemente resulta em desperdício, rigidez e desorganização institucional.

Belo Horizonte é um retrato disso. O Plano Diretor, instituído pela Lei nº 11.181/2019, redefiniu zonas, impôs outorgas onerosas e introduziu instrumentos urbanísticos para induzir adensamento e requalificação. No entanto, o resultado prático foi o aumento da burocracia e o desincentivo à recuperação do centro. O próprio mecanismo do retrofit (considerado uma saída estratégica para repovoar e revitalizar o hipercentro) tornou-se inviável para a maioria dos investidores, diante da rigidez normativa e dos altos custos legais de adequação.

Adicionalmente, dados da Fundação João Pinheiro indicam uma queda de mais de 15% na população residente no centro entre 2010 e 2022. A vacância comercial, em algumas quadras, supera os 30%. O esvaziamento da função residencial e comercial da área está diretamente relacionado à insegurança jurídica, à falta de incentivos concretos e à ausência de liberdade para adaptar os imóveis às novas realidades de mercado.

Frente a esse panorama, não será uma nova rodada de planejamento central que trará a solução, mas sim sua ausência. Isso não significa anarquia urbana, mas a abertura institucional para que a cidade possa, como um organismo vivo, se reorganizar por meio de interações voluntárias, contratos, competição e responsabilidade privada. O centro de Belo Horizonte não precisa de mais normas: precisa de mais liberdade para quem quer cuidar, investir, reformar e habitar.

É nesse modelo que ganha centralidade a figura da comunidade contratual, formada por proprietários de imóveis e investidores locais, que passa a deter protagonismo na gestão da área urbana. Organizados em consórcios ou sociedades de propósito específico (SPEs), esses atores deixam de ser passivos diante da regulação pública e assumem o papel de agentes promotores da valorização imobiliária, da segurança privada, da manutenção das vias e até do ordenamento do comércio e da ocupação dos imóveis vagos. O que se propõe é um sistema de governança horizontal, baseado em direitos de propriedade bem definidos, mecanismos de captura da valorização imobiliária e liberdade contratual para adaptação das regras locais, incluindo, se necessário, a flexibilização de aspectos do Plano Diretor mediante acordos comunitários homologados.

O modelo poderia ser operacionalizado por meio de operações urbanas consorciadas com gestão privada, seguindo o exemplo bem-sucedido de Docklands (Londres), onde uma agência autônoma coordenou investimentos públicos e privados com ampla liberdade urbanística, gerando mais de £7,7 bilhões em investimentos privados com apenas £1,86 bilhão de investimento estatal.

No caso de Belo Horizonte, a aplicação concreta poderia seguir os seguintes passos:

  • Mapeamento das zonas centrais degradadas com potencial de valorização.
  • Convocação dos proprietários para formação de um consórcio privado de requalificação urbana, com autonomia para definir metas, atrair investidores e coordenar intervenções.
  • Emissão de títulos vinculados à valorização futura (modelo semelhante aos CEPACs), leiloados para financiar obras de infraestrutura, segurança, mobilidade e reformas de prédios degradados.
  • Flexibilização regulatória mediante pactos locais, o que exige, do município, a coragem de reconhecer o fracasso do modelo de comando e controle urbanístico.
  • Criação de regras próprias de convivência e uso, com base em autorregulação comunitária, como ocorre em condomínios, bairros planejados ou em community land trusts.

O incentivo econômico para que esse modelo funcione está na valorização dos imóveis: à medida que o ambiente se torna mais seguro, atrativo e funcional, os ativos imobiliários ganham liquidez e preço, o que motiva os proprietários a investir em reformas, ocupação e manutenção. Trata-se de uma aplicação direta da teoria de land value capture, já usada em cidades como Hong Kong, Londres e Barcelona, mas aqui aplicada sob gestão privada, sem dependência orçamentária do poder público.

Para ilustrar o potencial de retorno desse modelo, podemos simular uma intervenção em 20 quarteirões do hipercentro, com cerca de 200 mil metros quadrados de área construída subutilizada, o que inclui prédios abandonados, imóveis com vacância estrutural elevada e terrenos ociosos. Considerando um custo médio de requalificação de R$ 1.500/m², o investimento necessário seria da ordem de R$ 300 milhões.

A experiência nacional e internacional mostra que áreas requalificadas podem ter valorização de 40% a 70% em seu valor de mercado. Partindo de um valor atual de R$ 3.500/m², é plausível projetar uma valorização para R$ 5.000 a R$ 6.000/m². Isso geraria um valor agregado final de até R$ 1,2 bilhão, com retorno direto que pode superar 150% sobre o capital investido.

Além disso, o aumento da ocupação e da atratividade do centro tende a elevar a renda com aluguéis e serviços, o que permite estimar taxas internas de retorno superiores a 12% ao ano — acima da média de fundos imobiliários tradicionais. O modelo transforma a regeneração urbana em um negócio rentável e socialmente positivo, pois gera valor, reduz custos públicos e reativa circuitos econômicos locais.

A cidade deve adaptar-se às pessoas, e não o contrário.

Incluir para valorizar: um modelo de revitalização urbana com justiça social

É fundamental, contudo, que essa nova lógica de revitalização urbana não repita o erro histórico da gentrificação excludente — processo pelo qual a valorização do espaço leva à expulsão dos moradores mais vulneráveis para zonas periféricas. A proposta aqui é oposta: permitir que moradores de baixa renda retornem ao centro, como parte ativa e beneficiária da requalificação.

A verticalização inteligente, associada à readequação de prédios subutilizados, pode ampliar a oferta habitacional sem pressionar os preços. Ao permitir usos mistos e modelos flexíveis de ocupação, como residências multifamiliares, unidades compactas, cooperativas habitacionais e locação acessível, o centro pode abrigar uma diversidade real de perfis sociais. Mais que uma concessão, essa inclusão é um vetor de dinamismo: são esses moradores que geram demanda por serviços, animam o comércio de rua e criam redes de solidariedade e vigilância informal que aumentam a segurança.

Dentro de um modelo liberal, a liberdade contratual e a descentralização regulatória não devem servir à exclusão, mas à multiplicidade de arranjos que permitam diferentes formas de habitar, empreender e viver no mesmo território. A comunidade contratual pode estabelecer critérios e instrumentos para garantir essa inclusão, como cotas internas de aluguel social, parcerias com entidades do terceiro setor ou mecanismos de subsídio cruzado entre unidades residenciais. A liberdade, nesse caso, não é contrária à justiça social — ela é o caminho mais eficaz para alcançá-la de forma sustentável e sem dependência do Estado.

A substituição do planejador urbano central por essa rede de agentes locais com capacidade real de ação representa uma ruptura institucional positiva. A gestão de espaços públicos, como o Parque Municipal Américo Renné Giannetti, pode ser delegada a consórcios dessa natureza, operando sob contratos com metas de desempenho. A conservação e o uso dos espaços passariam a obedecer a incentivos reais: quanto melhor o serviço, maior o retorno social e econômico. A mesma lógica pode ser aplicada à iluminação pública, coleta de lixo, paisagismo e zeladoria urbana.

Esse novo paradigma exige, porém, que instituições privadas possam atuar com mais liberdade e menos entraves regulatórios. Quando desimpedidas da burocracia estatal, essas entidades demonstram enorme capacidade de iniciativa, mobilização e resposta rápida às demandas urbanas. Um exemplo concreto é a ação promovida recentemente pela CDL/BH, que realizou o plantio de ipês em pontos estratégicos do hipercentro, em parceria com a Câmara Municipal. Em menos de uma hora, lojistas e voluntários instalaram as mudas e assumiram o compromisso de cuidar das árvores, contribuindo diretamente para a qualificação do espaço urbano. A iniciativa é uma prova de que, com autonomia institucional, organizações privadas conseguem identificar necessidades, mobilizar recursos e executar intervenções de alto impacto com agilidade e eficiência, sem depender de planos centralizados nem de recursos públicos volumosos. Trata-se de um modelo prático de como a liberdade institucional pode gerar soluções locais, espontâneas e sustentáveis.

A requalificação de imóveis antigos, nesse contexto, deve ser incentivada por meio de isenção de IPTU durante o processo de reforma, revisão das exigências legais de retrofit, eliminação de outorgas onerosas e autorização para múltiplos usos no mesmo imóvel, incluindo residenciais, comerciais, coworkings e hospedagens. A experiência internacional demonstra que a flexibilidade no uso do solo é uma das principais ferramentas de dinamismo urbano, pois permite que o tecido da cidade se adapte rapidamente às transformações sociais e econômicas, sem depender de longos ciclos de planejamento público.

Do ponto de vista teórico, a Escola Austríaca oferece justificativa sólida para essa abordagem. Como destaca Hayek em Direito, Legislação e Liberdade (1973), o planejamento central ignora a natureza dispersa do conhecimento na sociedade. Já Israel Kirzner mostra que a descoberta de oportunidades (inclusive de regeneração urbana) só pode emergir da ação empresarial. Quando o Estado interdita o uso livre da propriedade e reprime as soluções voluntárias, bloqueia o funcionamento do próprio processo de mercado.

Além disso, a literatura da Public Choice nos alerta para os incentivos perversos dentro da burocracia estatal: logrolling, rent-seeking e ineficiência sistemática. A própria tentativa da Prefeitura de Belo Horizonte de impor, via Plano Diretor, um modelo de cidade compacta, adensada e com “mix social e funcional” resulta, na prática, em insegurança jurídica para investidores, distorção no preço do metro quadrado e expulsão de iniciativas produtivas para fora do centro.

Por isso, a solução não está em novas secretarias, novos editais ou mais recursos públicos. Está na criação de zonas liberadas da tutela estatal, onde a livre iniciativa possa, por contratos e coordenação descentralizada, regenerar as áreas urbanas abandonadas pelo poder público. É o que Adriano Paranaíba chama de “saída pela lateral”: não mais esperar do governo a solução, mas permitir que os próprios moradores, investidores e empresários tenham os meios legais e institucionais para tomarem as rédeas da cidade.

A solução para o centro de Belo Horizonte não depende de um novo plano estatal, mas da remoção dos obstáculos que hoje impedem que a cidade se regenere por si mesma. Na ausência de um planejador central, emerge o verdadeiro ordenamento: aquele que nasce da liberdade, da responsabilidade e da cooperação voluntária entre indivíduos que veem na cidade não um território a ser controlado, mas um lar a ser reconstruído.

A revitalização do centro de Belo Horizonte exige, portanto, mais do que reformas urbanísticas: exige uma reforma institucional. E esta passa necessariamente pelo reconhecimento do fracasso estatal e pela devolução da liberdade aos proprietários, aos empreendedores e aos cidadãos que ainda acreditam no valor da cidade. Um centro vivo não é obra de um decreto, mas de liberdade — a liberdade de cooperar, empreender e construir a cidade a partir da propriedade.

*João Loyola é Associado do IFL-BH. 

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