O Centrão no Brasil: entre o elogio e o lamento

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No próximo dia 27 de outubro, eleitores de 51 cidades brasileiras voltarão às urnas para o segundo turno das eleições municipais. Essas cidades somam cerca de 34 milhões de eleitores, representando aproximadamente 21% do total do eleitorado no Brasil. Entre as cidades mais importantes que terão segundo turno, estão São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba e Porto Alegre. O resultado dessas eleições pode representar um trampolim ou um obstáculo na trajetória política de muitos prefeitos e vereadores.

Apesar da relevância deste segundo turno, alguns fatos se destacam no atual cenário político brasileiro após as eleições municipais. Primeiro, o Partido dos Trabalhadores (PT) enfrenta um declínio acentuado, elegendo apenas 248 prefeitos, a maioria em pequenas cidades. Segundo, houve um avanço significativo da direita, com o Partido Liberal (PL) de Bolsonaro conquistando 511 municípios e o crescimento expressivo do Partido Novo, que elegeu 18 prefeitos e 260 vereadores.

Por fim, observa-se a manutenção do poder do chamado “Centrão” (composto por partidos como PSD, PP, União Brasil, MDB e Republicanos), que conseguiu eleger milhares de prefeitos e vereadores em todo o país. Diante desse cenário, é importante refletir sobre o papel do Centrão na política brasileira.

O “Centrão” surgiu durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Preocupados com o avanço de pautas progressistas e de esquerda no novo texto constitucional, parlamentares de setores do PMDB e de outros partidos, como o PFL, se uniram para bloquear ou moderar essas pautas antes que se consagrassem na Carta Magna. O grupo obteve sucesso considerável, influenciando fortemente a legislação fundamental do país.

Desde então, todos os governos – da esquerda (Lula, Dilma) à direita (Bolsonaro) – tiveram que lidar com o Centrão, que detém a maioria no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados. Tornou-se comum a troca de apoio político por cargos e favores, em um processo de negociação constante com esse importante grupo.

O que leva o Centrão a apoiar tanto governos de direita quanto de esquerda? Qual é o pensamento que norteia esse grupo? Como lidar com esse poder, muitas vezes discreto, em Brasília? Refletir sobre essas questões abre espaço para considerar se é possível dialogar ou se é necessário travar uma batalha mais direta e franca contra essa força política.

Tentar situar o Centrão no espectro político é uma tarefa árdua e ingrata. O fato de apoiar governos de diferentes matizes ideológicos ao longo dos anos sugere que o grupo não possui uma ideologia clara. Neste ponto, a discussão do historiador mineiro João Camilo de Oliveira Torres (1915-1973), em sua obra Os Construtores do Império: Ideais e Lutas do Partido Conservador Brasileiro, pode ser uma ferramenta interessante. Nela, Torres faz a distinção entre conservadorismo e imobilismo.

Oliveira Torres define o conservadorismo nas mesmas linhas do pensamento do historiador e pensador americano Russell Kirk (1918-1994), em que, partindo do fato de que as mudanças sociais são inevitáveis, deve-se temperá-las para que não quebrem a continuidade temporal do presente com o passado e com o futuro.

Porém, com a carga semântica da palavra “conservar”, deve-se tomar cuidado para não enxergar nesta palavra a ideia de “imobilismo” ou “reacionarismo”. Para o propósito de análise do papel do Centrão na política do Brasil, o conceito de imobilismo é de extrema importância.

A política imobilista, tal como definida por Oliveira Torres, nega peremptoriamente a possibilidade de qualquer mudança. Inclusive, quando uma mudança se insurge, o imobilismo reage contra essa mudança. Em outras palavras, desde o momento em que retirou o carro na concessionária, o imobilista dirige esse carro até que, literalmente, as rodas se separam da carroceria. Problemas não atingem esse motorista. Luzes podem se acender no painel e este continua impassível. Sente o cheiro de fumaça e não se importa. O que é importante é continuar dirigindo. Um dia, porém, o carro se recusa a dar mais um passo, e o imobilista fica a pedir por carona na estrada.

O Centrão se assemelha a essa política imobilista. Embora tenha se institucionalizado na Assembleia Constituinte de 1988, seus integrantes, em grande parte, já ocupavam cargos no Congresso, nas Assembleias Legislativas e nas
Câmaras Municipais desde o início da República. Muitas vezes, o poder dentro do Centrão é quase hereditário, com famílias como os Barbalho, no Pará; os Calheiros, em Alagoas; os Dias, no Paraná; os Gomes, no Ceará; e os Sarney, no Maranhão, dominando a política local por gerações.

A caracterização do Centrão como imobilista não deve surpreender. De forma quase cômica, esse grupo funciona como um “freio de mão” para governos mais decididos em suas ideias. Foi o Centrão que impediu o terceiro mandato de Lula e a continuidade da CPMF. Também barrou a privatização dos Correios, a reforma administrativa e o voto impresso no governo Bolsonaro. Impediu que Dilma Rousseff continuasse na presidência quando a economia colapsou e protegeu Michel Temer durante a crise dos irmãos Batista. Sempre que uma mudança ameaçava seu poder, o Centrão agia para freá-la.

Aqui chegamos ao ponto central desta análise. O Centrão merece elogios ou lamentos? Os elogios vêm da sua atuação durante os governos petistas. Sem o Centrão, é possível que a CPMF tivesse sido mantida, Lula tivesse conseguido um terceiro mandato e o governo de Dilma tivesse continuado, o que poderia ter levado a consequências políticas, econômicas e morais desastrosas. A direita conservadora e liberal era politicamente irrelevante nesses momentos, incapaz de impedir o avanço dessas pautas.

Por outro lado, temos de lamentar a ação do Centrão em diversas oportunidades. Muitas reformas importantes, como a reforma administrativa e várias privatizações, foram bloqueadas por esse grupo no governo Bolsonaro. Ele também permitiu o avanço da reforma tributária no atual governo e ignorou violações de direitos fundamentais por parte do Supremo Tribunal Federal. Mais uma vez, a direita foi incapaz de influenciar significativamente as ações do Centrão.

Eis o Centrão. De um lado, impediu a venezuelização do Brasil. De outro, trava o avanço de maior liberdade econômica e política no país. Quer se opte por rejeitá-lo ou por tentar formar alianças com ele, é necessário refletir sobre o poder e a influência desse grupo. Qual é o melhor caminho a seguir? Qualquer resposta envolverá vantagens e desvantagens, e caberá à direita liberal e conservadora encontrar a melhor solução para o futuro do Brasil.

*Otavio Ferrari Piaskowski é Licenciado em História pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Especialista em Escola Austríaca de Economia pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil (IMB) e Graduando em Teologia pela Faculdade Batista do Paraná (FABAPAR).

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