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De Tocqueville a Goethe: a ditadura da maioria e o novo contrato assinado pelos brasileiros

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Lula acaba de ser eleito à presidência do Brasil, para cumprir seu terceiro mandato, com uma votação de de 51 a 49% contra o atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Disputa decidida no detalhe, aos 45 minutos do segundo tempo. Essa pequena, mas decisiva, vantagem de dois por cento pode, todavia, ser entendida ao observar-se a obra do francês Alexis de Tocquevile, que, em Democracia na América, enuncia, num contexto de democracia, que esta pode ser considerada como uma “tirania da maioria”.

Nesse sentido (pela leitura tocquevilliana), a vontade de 51% dos brasileiros que prevalece sobre a dos demais 49%, considerando os votos válidos, impõe uma ditadura travestida de democracia. Tocqueville acerta na mosca em sua definição: a democracia é uma imposição da maioria sobre a minoria. No caso brasileiro, uma maioria mínima (menos de 2% de votos válidos) estabelece que o país seja governado por um ex-condenado.

A democracia (termo sequestrado pelas esquerdas no Brasil) demonstra-se torta, imperfeita (no Brasil, caps lock, LONGE de ser perfeita). No entanto, como bem definiu o estadista britânico Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as demais formas de governo”. Malgrado suas imperfeições, apenas a democracia é capaz de propiciar um ambiente de cidadania pleno.

Uma alternativa de representatividade mais justa e assertiva, não tenho dúvidas, pode ser conquistada mediante um sistema parlamentarista como o britânico (embora este seja monárquico), com voto distrital puro (já escrevi sobre voto distrital puro em texto na minha coluna aqui no Instituto Liberal), ambos sob o guarda-chuva da democracia. No Reino Unido, o primeiro-ministro, o chefe de Governo deles, é eleito e já tem, na prática, uma maioria. Logo, tem-se menos empecilhos para implementar os programas de governo. A governabilidade, portanto, é mais saudável. Se o primeiro-ministro vai mal, obriga-se a renunciar (como tem ocorrido seguidamente nos últimos anos). Se não renuncia, leva um pé no traseiro do Parlamento. Se o Parlamento, por sua vez, não agir, o monarca tem poder para dissolvê-lo. Contudo, nesse caso, foge de nossa “jurisdição”, pois o Brasil não é uma monarquia. Tudo isso dentro de uma máquina democrática, propulsora da verdadeira cidadania. Ou seja, uma democracia saudável! Com efeito, não há outra forma de preservar o exercício da cidadania senão pelos meios democráticos, mesmo a considerar a sinuosidade da democracia no Brasil.

Ao eleger o ex-condenado Lula, os 51% dos brasileiros que assim decidiram democraticamente assinaram um contrato de quatro anos com o lulopetismo. Como lemos no poema do alemão Johann Wolfgang von Goethe, Doutor Fausto, publicado em duas partes – a primeira em 1808 e a segunda em 1832 -, o personagem mitológico alemão da Idade Média (que é o Dr. Fausto) faz pacto com o demônio, representado por Mefistófeles, que lhe oferece conhecimento em troca de “servidão, eternidade por sujeição e amor por rendição”. Em suma, Fausto, que até então vivia uma vida insatisfeita, busca o conhecimento sobre-humano e, como citado no tópico frasal, aceita a oferta de Mefistófeles, com quem Deus apostara que Fausto não se corromperia. Com isso, o cientista compromete seu destino. Em troca de sua alma, opta pelo prazer momentâneo, sem demonstrar preocupação com o próprio futuro.

A conta, no entanto, chega. O sonho torna-se um pesadelo real. Fausto, agora belo e “inteligente”, recorre a Mefistófeles para que este o ajude a conquistar a jovem Gretchen, que, em seguida, engravida de Fausto. A tragédia está iniciada. Valentim, irmão de Gretchen, para vingar a honra da família, desafia Fausto a um duelo e morre. Margarida, que afoga seu filho recém-nascido, fruto do relacionamento com Fausto, acaba presa e depois executada. A desgraça está feita e só piora no decorrer da narrativa de Goethe, que apresenta o personagem mitológico de forma erudita.

O Brasil, conforme supracitado, assinou em 30 de outubro um contrato, fez um pacto, com um novo presidente para a vigência 2023/2026. A persuasão de Lula foi implacável para conquistar a parcela do eleitor que, de acordo com Tocqueville, pertence à tirania da maioria. Não faltaram promessas de Lula para conquistar um eleitorado que, é bem verdade que com alguma razão, sentia-se insatisfeita. Assim como Fausto, de Goethe.

Fausto, por sua vez, após sofrer as consequências de seu contrato com Mefistófeles, arrepende-se e encontra a “salvação” ao obter o perdão divino. É claro que há perdão para um país que elege um ex-condenado, mesmo que em três instâncias. Contudo, as consequências de tal escolha são inevitáveis, ou talvez – e até provavelmente – irreparáveis.

Independentemente do resultado das urnas, sigo defendendo – e sempre vou defender – a (tirania da) democracia, a “menos pior” das formas de governo, como bem disse Sir. Churchill, mesmo que, por conta disso, eu sofra as terríveis consequências das más escolhas de Fausto junto com ele.

É importante salientar que o primeiro a escolher Mefistófeles não foi o povo, a “tirania” democrática dos 51%, mas o próprio atual presidente, que, indiscutivelmente, fez movimentos para tirar Sérgio Moro do tabuleiro político. Fez! Moro foi linchado pelo bolsonarismo. Mas o ex-magistrado também tem culpa no cartório: a trapalhada da dupla Moro/Bolsonaro (pois Moro cometeu um grave erro ao ir para o Ministério da Justiça) fez a Lava Jato, régua moral anticorrupção até então no Brasil, ir para a lama. Por conseguinte, com a Lava Jato desmoralizada e fragilizada, Lula, escolhido como adversário por Bolsonaro em vez de Moro, foi ressuscitado, solto pelo Supremo Tribunal Federal por meio de uma tecnicalidade (eufemismo para gambiarra) jurídica.

Epílogo
Num cenário como esse, já não tenho mais certeza de quem é o verdadeiro Mefistófeles. Mas a “tirania” democrática dos 51% fez sua escolha. E, para muitos deles, o eleito para os próximos quatro anos, na analogia com a obra de Goethe, é deus, não Mefistófeles.

O certo é que somos, mais uma vez, reféns do lulopetismo.

Que Deus guarde o Brasil.

Considerações finais
O conceito de tirania da maioria, obviamente, também é válido para a maioria que impôs em 2018 Jair Bolsonaro como presidente nesses últimos quatro anos sobre todos os brasileiros. É a democracia. Aliás, melhor dizendo, é a tirania da maioria.

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Ianker Zimmer

Ianker Zimmer

Ianker Zimmer é jornalista formado pela Universidade Feevale (RS) e pós-graduado em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela PUCRS. É autor de três livros, o último deles "A mente revolucionária: provocações a reacionários e revolucionários" (Almedina, 2023).

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