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O nacionalismo predatório nas relações trabalhistas

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Workers are seen inside a Foxconn factory in the township of Longhua in the southern Guangdong province

Da série CLT – Ruim para os empresários, pior para os trabalhadores (I)

O Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu Título III (Das normas especiais de tutela do trabalho) Capítulo II (Nacionalização do Trabalho), Seção I (Da proporcionalidade de empregados brasileiros) estabelece a proporção de empregados brasileiros que as empresas necessariamente precisam possuir, deixando “brecha” para que o pode executivo abra “exceções”, contudo, a burocracia para tal ato fica clara na redação do próprio artigo:

Art. 352 – As empresas, individuais ou coletivas, que explorem serviços públicos dados em concessão, ou que exerçam atividades industriais ou comerciais (ou seja, todas as empresas, pois até quem presta um serviço o comercializa), são obrigadas a manter, no quadro do seu pessoal, quando composto de 3 (três) ou mais empregados, uma proporção de brasileiros não inferior à estabelecida no presente Capítulo.

§ 2º – Não se acham sujeitas às obrigações da proporcionalidade as indústrias rurais, as que, em zona agrícola, se destinem ao beneficiamento ou transformação de produtos da região e as atividades industriais de natureza extrativa (único setor que escapou), salvo a mineração.

Art. 353 – Equiparam-se aos brasileiros, para os fins deste Capítulo, ressalvado o exercício de profissões reservadas aos brasileiros natos ou aos brasileiros em geral, os estrangeiros que, residindo no País há mais de dez anos, tenham cônjuge ou filho brasileiro, e os portugueses. (Redação dada pela Lei nº 6.651, de 23.5.1979)

Art. 354 – A proporcionalidade será de 2/3 (dois terços) de empregados brasileiros, podendo, entretanto, ser fixada proporcionalidade inferior, em atenção às circunstâncias especiais de cada atividade, mediante ato do Poder Executivo, e depois de devidamente apurada pelo Departamento Nacional do Trabalho e pelo Serviço de Estatística de Previdência e Trabalho a insuficiência do número de brasileiros na atividade de que se tratar.

Parágrafo único – A proporcionalidade é obrigatória não só em relação à totalidade do quadro de empregados, com as exceções desta Lei, como ainda em relação à correspondente folha de salários.

Sabendo da morosidade do Estado brasileiro (que consegue ser maior que o normal, posto que Estado, burocracia e morosidade andam de mãos dadas) imagine quanto tempo demorará a que um ato do Poder Executivo e depois de devidamente apurada pelo Departamento Nacional do Trabalho e pelo Serviço de Estatística de Previdência e Trabalho… Bem, os trabalhadores, empresários e empreendedores morrerão esperando a autorização.

Mas tal artigo continua válido? Sim! Não há nenhuma lei, nada, que o revogue. Como se resolve isso então? Ora, ou sendo “amigo do Rei”, logo, sua empresa recebe “atenção especial” do Estado e consegue tal autorização em tempo recorde, ou não contratarás estrangeiro acima do permitido, ou o faz ilegalmente. Mas onde encontraremos esses imigrantes trabalhando ilegalmente? Não sei, talvez, só talvez, por exemplo, nas confecções clandestinas do Brás (São Paulo/SP), que também estão no Bexiga, Luz, Mooca (todos em São Paulo/SP). Ou então na Rua 25 de Março? Informalidade? E por aí vai!

A atividade desses indivíduos é importante para a economia, pois gera riqueza, mesmo que “informal”, distribui renda para eles através de empregos (mesmo que com remunerações abaixo do salário mínimo) e permite que diversos outros indivíduos, mais pobres, tenham acesso a produtos e serviços que não conseguem consumir no mercado “formal”. Claro, não é a situação ideal, mas sua causa reside justamente nas dificuldades de se contratar um trabalhador cuja mão de obra seja mais barata, pagando o que ela vale, possibilitando que este adquira experiência e qualifique-se através do trabalho, valorizando sua mão de obra futura. No caso de estrangeiros, também é culpa do Estado, que limita sua contratação e cria barreiras burocráticas infindáveis e que os empurra a essa situação.

Prova do que falo é o número desses estrangeiros que procriam em território nacional e depois conseguem a cidadania brasileira. Podendo trabalhar “legalmente” e como “brasileiro”, esse imigrante utiliza a experiência adquirida para trazer outros de seu país (normalmente familiares e amigos) para trabalharem juntos em uma confecção ou outro negócio próprios e passarem pelo mesmo processo, mas com algum apoio do resto do grupo. Ou então ele utiliza tal experiência e qualificação adquiridas mediante trabalho, para arranjar um trabalho melhor, onde ganhará acima do próprio salário mínimo e obterá melhor qualidade de vida.

Vejo esse quadro repetidamente! Assim como vejo a necessidade de importação de mão de obra para setores como engenharia, que passa por alguma burocracia, mas nem tanta, pois as grandes empreiteiras são financiadoras de muitos políticos, como a própria Operação Lava Jato da Polícia Federal demonstrou recentemente. Nessa, que sai no prejuízo são os pequenos, que precisam buscar mão de obra no mercado nacional, sendo que esta se encontra em plena escassez. No fim, sobrevivem apenas os “amigos do Rei”, novamente, que agradecem ao Estado pela regulamentação que acaba com a concorrência, mas que é quebrada facilmente por sua influência junto ao próprio Estado.

Alguns dirão que o caso dos engenheiros se enquadra no artigo 357 da referida lei: Art. 357 – Não se compreendem na proporcionalidade os empregados que exerçam funções técnicas especializadas, desde que, a juízo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio, haja falta de trabalhadores nacionais.

Contudo, ignoram novamente uma passagem importante: “desde que, a juízo do Ministério do Trabalho”, no fim, o Estado define isso e cria mais burocracia para uns que para outros. Se você não é “amigo do Rei”: “agora há engenheiros brasileiros suficientes, não há necessidade de importar mão de obra”, se você é “amigo do Rei”: “pode importar, pois é óbvio a falta de mão de obra nacional”. 

Com o fim da necessidade de recorrer à informalidade, as empresas que antes seriam “ilegais” agora podem concorrer no mercado e tal concorrência as obrigará a servir melhor aos consumidores que as demais, melhorando e barateando produtos e serviços. Quem servir melhor aos consumidores sobreviverá e quem servir mal, então falirá. E a questão de salários de brasileiros nunca inferiores aos de estrangeiros esmaga a concorrência entre trabalhadores, que já fora prejudicada amplamente pela obrigação de “proporcionalidade”. Pode verificar o que falo no seguinte artigo:

Art. 358 – Nenhuma empresa, ainda que não sujeita à proporcionalidade, poderá pagar a brasileiro que exerça função análoga, a juízo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio, à que é exercida por estrangeiro a seu serviço, salário inferior ao deste, excetuando-se os casos seguintes:

        a) quando, nos estabelecimentos que não tenham quadros de empregados organizados em carreira, o brasileiro contar menos de 2 (dois) anos de serviço, e o estrangeiro mais de 2 (dois) anos;

        b) quando, mediante aprovação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio, houver quadro organizado em carreira em que seja garantido o acesso por antigüidade;

        c) quando o brasileiro for aprendiz, ajudante ou servente, e não o for o estrangeiro; (???)

        d) quando a remuneração resultar de maior produção, para os que trabalham à comissão ou por tarefa.

Mais entraves, com algumas “exceções”. O item “a)” é de chorar, ora, se o brasileiro e o estrangeiro estão em uma empresa sem organização por carreiras e em função análoga, por que os salários seriam diferentes? Só se um desempenhasse seu papel melhor que o outro, mas nesse caso cairia no item “d)”, ou se possuísse melhor qualificação, mas nesse caso, por que eu contrataria e/ou manteria o menos qualificado, a não ser que ele também se qualificasse e, então, seu salário se equipararia ao do outro (através da concorrência entre trabalhadores, sem necessidade de lei)? Essa concorrência e poder contratar os trabalhadores sem entraves são importantes e explicarei abaixo o porquê. O item “b)” já comentei, pois depende novamente de uma decisão de burocratas do Estado. Mas o item “c)”, não ficou claro. Ora, como o brasileiro seria o estrangeiro? Ou o estrangeiro não pode ser quem exerça a função? Mas neste caso ele não seria contratado. Ou se o brasileiro e o estrangeiro exercerem tais funções? Em todos os casos o item é simplesmente inútil.

O item d) coloca uma exceção interessante e que pode servir de “brecha” para muitas empresas, que então preferirão contratar autônomos e/ou profissionais liberais, que terão que se esforçar para “fazerem” os próprios salários, contudo, nesse caso, o Livre Mercado torna tal item simplesmente desnecessário e inútil, sendo que o efeito deste item no mercado atual (com forte intervenção estatal) tende a gerar mais informalidade e menos “segurança” aos trabalhadores quando as empresas optarem por contratação de mão de obra estrangeira e mais barata e para os próprios estrangeiros que se veem tendo que aceitar trabalhos “menos seguros” em um país desconhecido, o que dificulta o desenvolvimento e adaptação de parte desses indivíduos, algo que no Livre Mercado seria naturalmente melhor distribuído.

Até as demissões são prejudicadas: Parágrafo único – Nos casos de falta ou cessação de serviço, a dispensa do empregado estrangeiro deve preceder à de brasileiro que exerça função análoga.

Então, as empresas precisam primeiro demitir todos os estrangeiros, para depois demitirem os brasileiros, gerando um ônus desnecessário para atender a tal regulamentação e dificultando as próprias demissões. Quanto mais difícil for de se demitir funcionários, então os processos seletivos são mais rígidos e menos trabalhadores conseguem passar neles, colaborando com o desemprego.

No Livre Mercado, o fluxo de trabalhadores é livre, sem entraves para contratações e demissões, além dos próprios contratos, acordados e assinados por empregadores e empregados. Se for necessário trazer mão de obra estrangeira e mais barata, então poderá fazê-lo, aumentando a concorrência entre os próprios trabalhadores, que serão obrigados a buscar meios de competir, aprimorando-se, qualificando-se, etc. O resultado é a valorização da própria mão de obra do trabalhador brasileiro e diminuição, talvez fim, da necessidade de importar mão de obra. Essa valorização resulta em melhoria dos processos de fabricação, distribuição e comercialização de produtos e prestação de sérvios, aumentando a qualidade de ambos e diminuindo o custo das empresas com captação, treinamento e manutenção de mão de obra e com quantidade de erros humanos que podem acarretar prejuízos, equilibrando com o aumento das remunerações. São produtos e serviços melhores e mais baratos.

Alguns dirão que o aumento da concorrência entre os trabalhadores diminuirá as remunerações, pois há mais oferta de mão de obra do que demanda por trabalhadores, contudo, esses indivíduos não observaram que enquanto alguns trabalhadores optarão por aceitar menores remunerações, outros competirão através de qualificação para o mercado de trabalho. Os que aceitarem menores remunerações obterão mais experiência e valorizarão sua mão de obra futura, o que optarem por qualificação também valorização sua mão de obra, só que terão essa vantagem em relação aos menos qualificados, resultando em custo-benefício interessante aos empregadores.

A tendência é que a oferta de mão de obra diminua, convergindo ao equilíbrio, ou seja, retornando a escassez, porém em nível “normal” ao Livre Mercado, fazendo os empresários concorrerem novamente entre si pela mão de obra disponível, o que eleva as remunerações novamente, contudo, com uma melhoria significativa, pois os trabalhadores ou estão mais qualificados devido à experiência obtida aceitando menores salários, ou estão mais qualificados devido ao aprimoramento que buscaram para competir entre si quando a demanda por mão de obra era menor que a oferta.

De qualquer maneira, ganha o trabalhador, ganha o empregador e ganha o consumidor.

Os artigos 355 e 356 e o inciso 1 do artigo 352 não são importantes para a análise deste artigo e em nada alteram os efeitos apresentados. No caso do artigo 352, compreende-se o seguinte: § 1º – Sob a denominação geral de atividades industriais e comerciais compreende-se, além de outras que venham a ser determinadas em portaria do Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio as exercidas: (e seguir-se-á uma lista). Por que a lista não é importante (pois poderia contar com alguma exceção que afetaria toda a construção do artigo)? Porque não há tal exceção, posto que “além de outras que venham a ser determinadas em portaria do Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio”, logo, novamente, a decisão final cabe ao Estado, inclusive para “exceções”, que não estão previstas nesta listagem. Até as que não estão listadas, o Ministro pode considerar parte da lista e ponto, logo, as não listadas estão sempre sob “ameaça”.

Por fim, deixo o seguinte pensamento para reflexão: o Governo brasileiro mantém tal regra quanto aos estrangeiros, mas quando se trata de seus próprios interesses, faz valer as “exceções” das quais o Estado é o árbitro supremo e não se incomoda e trazer mão de obra estrangeira, barata e (em muitos casos, comprovados por receitas, imagens e relatos) menos qualificada. Uma prova disso? O programa “Mais Médicos”.

Roberto Lacerda Barricelli é Jornalista

Fontes:

Decreto-Lei 5.452 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

Lei 6.651, de 23/05/1979 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6651.htm#art1

Referências:

Adam Smith – A Riqueza das Nações (Livro I: Das causas do aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a ordem segundo a qual sua produção é naturalmente distribuída entre as diversas categorias do povo; Editora Juruá, 1ª Edição (2006), 4ª Reimpressão (2011), traduzido por Maria Tereza Lemos de Lima)

Ludwig von Mises – Uma crítica ao Intervencionismo (Instituto Mises Brasil (SP) e Instituto Liberal (SP), 2ª Edição, traduzido por Arlette Franco)

Ubiratan Jorge Iorio – Dez lições fundamentais de economia austríaca (Instituto Mises Brasil (SP), 1ª Edição, 2013)

Murray N. Rothbard – Governo e mercado: Economia da Intervenção Estatal (Instituto Ludwig von Mises Brasil)

Ludwig von Mises – As seis lições (Instituto Ludwig von Mises Brasil (SP) e Instituto Liberal (RJ), 7ª Edição, traduzido por Maria Luiza Borges)

The Open Mind with Milton Friedman (1975) – https://www.youtube.com/watch?v=STFJZtRmpvs

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Roberto Barricelli

Roberto Barricelli

Assessor de Imprensa do Instituto Liberal e Diretor de Comunicação do Instituto Pela Justiça. Roberto Lacerda Barricelli é autor de blogs, jornalista, poeta e escritor. Paulistano, assumidamente Liberal, é voluntário na resistência às doutrinas coletivistas e autoritárias.

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