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Por que não discutimos os empréstimos do BNDES? O benefício aos ricos que custa mais que o Bolsa Família

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Uma das coisas mais desagradáveis nos debates econômicos que envolvem interesses de grupos organizados é esclarecer a confusão de conceitos que é feita como forma de impedir o debate sobre o mérito da questão. É o caso da confusão entre previdência e seguridade quando da discussão da reforma da previdência e da confusão entre juros e amortizações que aparece quando se trata da dívida pública. No caso do debate a respeito da mudança da taxa de juros do BNDES com a substituição da TJLP pela TLP a confusão aparece quando tentam misturar a existência de subsídios com a existência de um tipo específico de subsídios.

Quem me acompanha sabe que sou contra subsídios em geral e particularmente contra subsídios para os ricos, sendo assim sou suspeito quando falo de qualquer medida que envolva potencial redução de subsídios. Não reclamo de suspeição, é justa, mas reclamo de quem foge do debate usando de confusão de termos para transformar um debate sobre transparência de tipos específicos de subsídios para um debate sobre subsídios. É exatamente isso que está acontecendo no debate sobre a TLP: a proposta não acaba com subsídios, apenas dá transparência e aumenta o controle sobre os subsídios. Se a transparência e o controle podem vir a reduzir tais subsídios é outra questão (eu acredito que sim), mas eu sou suspeito, pois, em geral, sou contra subsídios.

Para entender o ponto será preciso explicar os tipos de subsídios que aparecem nos empréstimos do BNDES. Não se trata de falar de todos os possíveis subsídios, discussão técnica com complexidade além da desejada nesse artigo, nem de explicar detalhadamente como funcionam tais subsídios. O objetivo é dar uma ideia geral de como funcionam os dois subsídios mais importantes que estão envolvidos no debate sobre a TLP. O BNDES trabalha com vários bancos que operam como agentes do BNDES junto aos tomadores de empréstimos e usa mais de uma fonte de recursos, inclusive o FAT o que leva alguns a defenderem que o custo de captação dos recursos do FAT deve ser usado como referência para os empréstimos dados com recursos desse fundo. Não compro essa tese porque os recursos do FAT não são presentes divinos e nem surgem de contribuições voluntárias, mas são retirados compulsoriamente da sociedade e sempre podemos dizer que os recursos do FAT poderiam ser usados para abater a dívida pública.

Deixemos de lado os detalhes e nos concentremos nos subsídios. Por simplicidade considere que o BNDES empresta diretamente a todos os seus clientes a uma determinada taxa. Para ser mais específico suponha que o BNDES empresa a 5% e que o Tesouro pega o dinheiro no mercado a 10%. Existem duas formas básicas do Tesouro tratar com o BNDES: (i) o Tesouro pega a 10% e empresta a 5% ao BNDES que vai emprestar a 5% mais alguma coisa para seus clientes e (ii) o BNDES pega o dinheiro a 10% e empresta a um pouco mais de 5% a seus clientes, a diferença entre a taxa que o BNDES captou e a taxa que emprestou é paga pelo Tesouro.

À primeira vista as duas modalidades são bem parecidas. Nos dois casos o BNDES empresta a uma taxa abaixo do mercado e a diferença é paga pelo Tesouro. Olhando mais de perto aparece uma diferença fundamental entre as duas modalidades: na primeira não é feito nenhum pagamento do Tesouro para o BNDES por conta da diferença de juros, na segunda é feito um pagamento. Na primeira modalidade o Tesouro pega o dinheiro e repassa ao BNDES que empresta para empresas a taxas de juros mais baixas. Na segunda modalidade a empresa também pega empréstimos a taxas mais baixas, porém a diferença entre as taxas é paga pelo Tesouro ao BNDES.

Qual a relevância dessa diferença? No primeiro caso, onde não há pagamento explícito, o Congresso não pode dar pitaco e a decisão fica por conta do corpo técnico do BNDES. Portanto, não há debate na sociedade, não escrevemos em blogues ou jornais questionando as prioridades no uso dos recursos, enfim, é uma forma opaca de usar o dinheiro do pagador de impostos. No segundo caso, onde há pagamento explícito, o Congresso se manifesta, a questão é debatida nos jornais, nas redes sociais ou onde as pessoas desejarem e é possível, por exemplo, debater se os recursos destinados aos subsídios não seriam melhores empregados na saúda, na educação, na segurança ou se não deveriam ser cortados permitindo, talvez, a redução da carga tributária.

Esse é o debate fundamental que envolve a TLP, o debate da transparência e publicidade no uso de recursos que serão pagos pelo Tesouro. O debate é se queremos que o Congresso decida os subsídios ou se queremos que a decisão seja feita por burocratas comandados por alguém indicado pelo inquilino do Planalto.

Fique claro que não estamos falando de pouca coisa. A figura abaixo mostra os valores dos subsídios implícitos e explícitos pagos pelo Tesouro ao BNDES e FINAME entre 2009 e 2016. No total são quase R$ 40 bilhões só em 2016, mais que o Bolsa Família, uma política pública direcionada aos muito pobres que alcança diretamente milhões de brasileiros. É curioso que a sociedade debata muito mais o Bolsa Família do que os empréstimos do BNDES, uma política pública que beneficia os ricos e custa mais que o Bolsa Família. Talvez o fato dos custos do Bolsa Família serem transparentes e discutidos no Congresso enquanto os custos do BNDES são opacos e determinados por burocratas explique a diferença de interesse público pelos dois programas.

A aprovação da TLP visa acabar com os subsídios implícitos, os subsídios explícitos continuam permitidos. Estritamente falando o governo pode manter o mesmo valor total de subsídios que existe hoje, porém na forma de subsídios explícitos, ou seja, precisará da aprovação do Congresso com todo o debate público que envolve tais aprovações. Dessa forma o debate atual não é sobre se devemos ou não subsidiar setores da economia, um debate importante que espero um dia entrar em cena, o debate atual é sobre se subsídios de dezenas de bilhões de reais devem ser concedidos de forma transparente ou de forma opaca. Eu sou favorável à transparência, compadres dos dois lados do balcão de favores são favoráveis à opacidade. E você? Qual a sua opinião?

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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