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50 anos de ajuda ao desenvolvimento – 50 anos de êxito passageiro

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Frank Bremer dedicou sua vida à luta contra a pobreza e esteve envolvido na ajuda ao desenvolvimento em 30 países da África, Ásia Central, Caribe e Oceano Índico, preparando projetos nas áreas de desenvolvimento rural e meio ambiente. Depois de mais de 50 anos de envolvimento com a ajuda ao desenvolvimento, ele emite uma avaliação amarga: “A ajuda ao desenvolvimento é um projeto que realiza atividades ineficazes para um objetivo inalcançável – redução da pobreza – para um grupo-alvo erroneamente selecionado – pequenos agricultores africanos – com um método que não funciona – ajuda para a autoajuda – em um formato ineficaz -o projeto – que, como um êxito passageiro, não deixa vestígios duradouros em nenhum envolvido além de boas lembranças, usa a maioria dos fundos para a implementação do projeto e, portanto, pega o que era originalmente uma boa ideia e desperdiça uma grande quantidade de dinheiro.”

A luta contra a pobreza continua sendo uma das tarefas mais importantes que a humanidade enfrenta, mas a ajuda para o desenvolvimento (a palavra politicamente correta para isso agora é “cooperação ao desenvolvimento”) é o meio errado para alcançar esse nobre objetivo. Em muitos casos, não conseguiu alcançar nada. Em outros, na verdade alcançou o oposto do que se pretendia.

Ajuda desamparada para especialistas em autoajuda

Em seu livro 50 Jahre Entwicklungshilfe – 50 Jahre Strohfeuer (português: 50 anos de ajuda ao desenvolvimento – 50 anos de êxito passageiro), Bremer reproduz um diálogo entre o chefe de uma comunidade de aldeia e um trabalhador de desenvolvimento alemão (“especialista em autoajuda”), que é fictício, mas feito de trechos de conversas reais e baseado nas décadas de experiência prática de Bremer no campo. Bremer realizou a verificação do progresso para este projeto. Gostaria de citar o diálogo na íntegra: C é o chefe da comunidade da aldeia e S é o especialista em autoajuda.

C: “Senhor, precisamos de uma pequena represa para fornecer água para nossos bovinos e agricultores na estação seca.”

S: “Esse é um objetivo muito sensato, mas deixe-me explicar o que você precisa primeiro. Você precisa melhorar suas capacidades de gerenciamento para enfrentar um projeto como uma represa; você precisa de ferramentas analíticas, reuniões e treinamento sobre como realizar reuniões e lidar com a dinâmica do grupo, além de pensar em como envolver as mulheres; você precisa de técnicas de negociação e tomada de decisão, que você pode aprender consultando nossos especialistas, você precisa…”

C: “Oh senhor, parece que tudo isso vai levar muito tempo. Se a água fresca permanecer na boca por muito tempo, ela se transforma em saliva. E a nossa represa?”

S: “Um passo de cada vez, você precisa ser mais orientado para o processo. Acredite em mim, nossos especialistas em autoajuda sabem o que você precisa para conseguir sua represa.”

C: “Ok, uma vez que tenhamos feito tudo isso, temos nossa represa?”

S: “Certamente é possível. Mas antes de lidar com um grande projeto como uma represa, você deve começar pequeno, por exemplo, cavando um poço à mão, sem uma bomba e guincho ou qualquer coisa.”

C: “Senhor, temos poços e furos suficientes, e alguns deles até têm bombas manuais. O que precisamos é de uma represa.”

S: “Pergunte às mulheres da aldeia. Tenho certeza de que há algumas que ainda não têm um poço.”

C: “Ok, o mendigo não tem um poço. Vamos cavar um para ele. Vamos ter uma represa então?”

S: “Isso depende de você. Cinquenta-cinquenta de participação em dinheiro, além de fornecimento de mão-de-obra e materiais de construção; dinheiro a ser pago antecipadamente.”

C: “50%, senhor? Isso é demais para a maioria das famílias.”

S: “Pode até ser, mas se você não contribuir com 50%, seu sentimento de posse a longo prazo não será forte o suficiente. 49% não é suficiente.“

C: “Ok, você receberá seus 50%. Então teremos nossa represa?”

S: “Isso depende de tantos fatores: podemos financiar os outros 50%? É tecnicamente viável? Temos tempo suficiente? De qualquer forma, lembre-se sempre de que, para você, o processo de aprendizagem é mais importante do que o resultado. Vejo você na próxima reunião.”

“Ajuda para autoajuda?”

Bremer promete que, embora o diálogo acima pareça uma caricatura, ele realmente aconteceu. Como resultado, nenhuma represa ou bacia de retenção foi construída, mas o grupo-alvo foi ensinado, em teoria, a se ajudar. O conceito de “ajudar as pessoas a se ajudarem” é frequentemente explicado com o ditado “Em vez de dar peixe aos pobres, ensine-os a pescar”. Bremer não gosta muito dessa analogia de pesca, mesmo que pareça plausível à primeira vista: “Em todo o mundo, as pessoas que vivem à beira d’água sabem pescar, seja com varas, redes, armadilhas ou lanças, e como conservar o peixe defumando-o, secando-o ou mergulhando-o em salmoura.” Eles não precisam de auxiliares de desenvolvimento para isso. Claro, o ditado não se destina a ser tomado literalmente, mas a servir de exemplo. No entanto, Bremer critica o próprio princípio da ajuda ao desenvolvimento, que é baseado nos chamados “projetos”. Embora haja tanta conversa sobre sustentabilidade hoje, esses projetos raramente são sustentáveis. Quase ninguém está preocupado com o que aconteceu com tais projetos, por exemplo, dez anos depois que eles chegaram ao fim. Se você dirigir pelo interior da África, passará constantemente por placas enferrujadas de projetos, às vezes até de vários doadores no mesmo local: eles se parecem com lápides, os últimos sinais remanescentes de que alguma coisa esteve lá. Não sobra dinheiro, nem mesmo para desmontar as placas no final do projeto – na melhor das hipóteses, elas são usadas pelos ferreiros da aldeia para fazer panelas.

Enquanto eles estavam em execução, muitos desses projetos foram bastante bem-sucedidos, pois havia dinheiro suficiente para materiais, recursos operacionais, veículos e altos salários; mas, assim que o financiamento acabou, ficou claro que esses projetos altamente subsidiados nada mais eram do que “lançamentos antieconômicos de êxito passageiro” dos quais nada restava depois de terminados.

Projetos de êxito passageiro

Bremer conhece particularmente bem a Costa do Marfim, um país da África Ocidental que é o maior exportador mundial de cacau. Já em 1977, o etnólogo, sociólogo e economista do desenvolvimento escreveu sua tese de doutorado sobre a história da produção de cacau na Costa do Marfim e ainda vive lá hoje. Sua avaliação dos projetos de ajuda ao desenvolvimento no país é dura: com exceção de um projeto florestal, nenhum dos 24 projetos concluídos teve impacto de longo prazo: “avaliados de acordo com esse critério, todos foram fracassos ou tiveram apenas êxito passageiro, custando um total de € 125 milhões.”

Outro exemplo que ele dá diz respeito à construção e manutenção de uma farmácia veterinária na capital econômica do Burundi, Bujumbura.  O projeto durou 22 anos com o mesmo especialista destacado, mas a farmácia tornou-se inviável pouco tempo depois do financiamento e teve de fechar. “Isso é o que acontece,” disse Bremer, “quando a ajuda ao desenvolvimento entra no terreno do setor privado, mas dispensa análises de necessidades, planos de negócios e cálculos de lucratividade e, portanto, usa o dinheiro dos contribuintes para criar um playground subsidiado para profissionais destacados.”

Quando o financiamento acaba, um projeto é encerrado, embora isso não impeça os auxiliares de desenvolvimento de criar um projeto semelhante alguns anos depois no mesmo ou em outro país, cujo fracasso é igualmente certo desde o início.

A conclusão geral de Bremer é, portanto, devastadora: “Isso já dura 50 anos, e toda a indústria internacional de ajuda ao desenvolvimento, que é financiada com fundos públicos, vive desse tipo de projeto.  Os supostos beneficiários, os agricultores pobres, que deveriam ser ajudados por esses projetos, não são menos pobres no final das contas e são mais uma vez deixados à própria sorte. Em vez de ajudar os pobres, esses projetos criam inúmeros empregos para profissionais destacados e seus supervisores nas sedes das organizações de ajuda.”

Em muitos casos, a moda determina quais tópicos recebem mais fundos. Por exemplo, uma tendência desenvolvida em torno de fazendas ecológicas: de acordo com Bremer, “por doze anos elas permaneceram um playground inconseqüente para especialistas destacados e seus especialistas técnicos, que buscavam a agricultura ecológica e/ou apropriada ao local que se tornou tão na moda. Ao todo, cerca de € 20 milhões foram investidos na areia de Savannah nesses projetos.”

O público em geral nos países doadores não está interessado. Os projetos estão, afinal, tão distantes – e se eles realmente fazem a diferença ou não é um assunto a ser debatido entre os acadêmicos. Os políticos e a mídia estão compreensivelmente mais preocupados com as questões que preocupam e interessam aos eleitores e leitores nos países doadores – e não com a questão de saber se os bilhões em ajuda ao desenvolvimento estão sendo usados com sabedoria.

Os exemplos de países bem-sucedidos, como China, Polônia e Vietnã, mostram que não é a ajuda ao desenvolvimento, mas as reformas baseadas no mercado que mais atingem positivamente na luta contra a pobreza. O declínio dramático da pobreza nesses países não foi alcançado principalmente como resultado de altos pagamentos de ajuda ao desenvolvimento; foi o resultado da introdução de propriedade privada e mais capitalismo no sistema. Não é a ajuda ao desenvolvimento que é o melhor instrumento na luta contra a pobreza, mas o capitalismo.

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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