Sobre “Abundância – O futuro é melhor do que você imagina”
Sobre o que é a obra
Já no início do livro, o leitor se depara com uma constatação um tanto quanto desconcertante. Apesar de tudo que a mídia demonstra e parece querer fazer-nos acreditar, o mundo não está à beira de um colapso ou em um espiral descendente de progresso. Ao abordar conceitos de psicologia comportamental, o autor justifica e desmistifica as razões evolutivas e, muitas vezes, biológicas que nos fazem agir dessa maneira. Uma série de vieses cognitivos e a heurística (tomada de decisão baseada em quantidade limitada de informações) leva os indivíduos a uma visão cética e pessimista quando o assunto é o eventual futuro de abundância. O mundo estaria, na verdade, na fronteira de mudanças positivas cada vez mais exponenciais e disponíveis para um grande número de pessoas.
Por carregar um viés negativo e avesso a riscos e mudanças, a humanidade negligencia, de forma geral, aspectos históricos que corroboram a ideia de que a perspectiva de melhoria constante e acelerada da vida dos indivíduos seja possível. Um dos exemplos é a popularização do uso de alumínio, que, na época do Império Romano, era um item restrito e de difícil acesso, porém hoje, graças à invenção de um processo produtivo antes impensável, é abundante.
Logo de início, apresentam-se a tecnologia e a inventividade humana como ferramentas promotoras de liberdade de recursos, a dita abundância. Em suma, após apresentar perspectivas fracassadas de estímulo artificial ao progresso, como a teoria malthusiana, o autor traz a ideia de que a melhor alternativa à humanidade não é descobrir como cortar fatias menores do bolo e sim descobrir como produzir mais e mais bolos, a exemplo do que foi feito com o desenvolvimento de novas técnicas de agricultura no século XX e que aumentaram significativamente a produção.
As forças que ampliam a tecnologia
São apresentadas, em suma, três forças que atuam ampliadas pelo poder das tecnologias exponenciais para ampliar a abundância no mundo: uma revolução do “faça-você-mesmo”, o dinheiro de uma nova geração de tecnofilantropos obstinados em desenvolvimento e na possibilidade de se incluírem em uma sociedade conectada e pujante e um bilhão de pessoas que hoje se encontram alijadas de participação. Para compreensão de como essas forças podem desenvolver as possibilidades humanas, é apresentada a pirâmide da abundância.
O conceito da pirâmide de abundância é fundamental para a compreensão da obra. A divisão da pirâmide é feita da seguinte maneira: na base, como mais fundamental, têm-se comida, água e abrigo. No meio, os catalisadores do crescimento: energia abundante, oportunidades educacionais amplas e acesso à comunicação e às informações globais. Ao topo, saúde e liberdade, que permitem que os indivíduos contribuam à sociedade. A obra passa então a desenvolver teses e apresentar iniciativas de destaque que se dedicam à promoção e à democratização do acesso a esses itens em todo o mundo.
No âmbito do “faça-você-mesmo”, houve uma revolução propiciada pela facilitação das ferramentas de comunicação nos últimos 30 anos. As chamadas ICT (tecnologias de informação e comunicação) “empoderaram” indivíduos de todo o globo que enxergaram a possibilidade de construir, com suas próprias mãos, mudanças que impactam a vida de milhões de pessoas. Isso se tangibiliza quando se observa que, a cada 21 minutos, o YouTube fornece mais entretenimento novo que Hollywood consegue produzir em 12 meses. Ainda há uma fronteira enorme para essa área de exploração do chamado excedente cognitivo. Observa-se, por exemplo, que a Wikipédia levou 100 milhões de horas de colaboradores voluntários para alcançar seu patamar de 2012, enquanto os americanos dedicam ao todo 200 bilhões de horas por ano assistindo à TV.
A mensagem da obra
A água e o alimento são áreas igualmente importantes para o estabelecimento de um futuro de abundância para a humanidade. Nesse ínterim, destacam-se iniciativas de empreendedores e empresas que têm quebrado paradigmas científicos. Essa é uma das grandes mensagens da obra: mostrar que é possível para a humanidade alcançar um estágio de bem-estar sem procedentes graças à mudança de mentalidade (para uma positiva e otimista) aliada à comunicação e à colaboração propiciadas pela tecnologia.
No campo de fornecimento de água limpa, por exemplo, a SlingShot, iniciativa apoiada pela Coca-Cola, tem potencial de levar água limpa e de qualidade às comunidades marginalizadas de todo o mundo. Aliadas a isso, estão pesquisas de dessalinização e saneamento básico. Historicamente, alimentar uma população que cresce de forma exponencial tem sido um desafio para a humanidade e levado muitos acadêmicos a preverem um futuro sombrio, como é tratado na Teoria de Malthus.
Nesse campo, novamente, a ação de inovadores tem mostrado, desde o advento da revolução industrial até hoje, com tecnologia de alimentos transgênicos, plantio com utilização infinitesimal de água e nutrientes sob medida, fazendas verticais, carne sintética, como é possível vencer os desafios.
O mundo nunca foi tão rico e próspero
A ascensão à sociedade global de uma camada antes alijada é uma oportunidade sem precedentes. Seu atingimento passa por uma mudança de mentalidade que inclui deixar de pensar nos pobres como vítimas ou como um fardo e começar a tomá-los como resilientes e criativos empresários, consumidores conscientes de valor. Graças à chegada de ferramentas de informação e comunicação, principalmente de smartphones conectados à internet, houve a possibilidade de desenvolver exponencialmente a capacidade de comunidades inteiras. Isso suscita uma preocupação antiga da humanidade: como garantir que o planeta tenha capacidade de suprir os recursos necessários com tantas pessoas consumindo?
A resposta está em um termo importante da obra: desmaterialização. Muitas tecnologias e setores inteiros da economia foram modificados e reorganizado graças à internet, aos smartphones e às suas tecnologias agregadas. Isso cria um horizonte impensável de barateamento e popularização do acesso a recursos na virada do século XX.
A energia, a educação e a assistência médica são outras importantes áreas nas quais há progresso. As técnicas de captação, armazenagem e distribuição da abundante energia solar que irradia sobre a Terra, todos os dias, abrirá caminho para um tempo em que energia livre, limpa e de baixíssimo custo se torne uma realidade, fato análogo ao ocorrido com a capacidade computacional atualmente. Na educação, tem-se a dificuldade em promover estratégias de aprendizado que potencializem as aptidões individuais e interessem aos estudantes. Nesse caminho de transformações, há de se repensar, segundo os autores, a concepção tradicional de ensino e sua metodologia. A assistência médica, para se tornar verdadeiramente abundante, precisará reduzir o valor significativamente, e isso será possível graças à Inteligência Artificial e às novas tecnologias de diagnóstico, cirurgia remota e robótica, que promoverão um acesso muito mais democrático a esses recursos.
Considerações finais
Os autores concluem cientes das barreiras e dos desafios para o atingimento desse contexto otimista. Um dos grandes desafios é a manutenção de sociedades em que a liberdade impere e permita aos indivíduos exercerem sua real potencialidade. Sugerem ainda ferramentas de aceleração das mudanças, como o estímulo a prêmios especializados em diversas áreas, à filantropia tecnológica, à educação e ao livre fluxo de informação e conhecimento.
A obra mostra-se fundamental para aqueles que desejam compreender o contexto de mudanças do século XXI, visto que Peter Diamandis é um expoente da disseminação de novas ideias do nosso tempo. Mesmo que algumas das anedotas apresentadas possam se tornar anacrônicas em curto período de tempo, a leitura expõe verdades atemporais e que merecem ser discutidas e disseminadas.
*Sobre o autor: Henrique Romano Carneiro é Associado Honorário do Instituto Líderes do Amanhã