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A Síndrome de Estocolmo tributária

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De maneira muito simplificada, a Síndrome de Estocolmo pode ser definida como o estado psicológico em que a vítima de uma intimação prolongada desenvolve laços emocionais com o seu agressor. Se imaginarmos que, quando do exercício do poder de tributar, o Estado assume a posição de um agressor que avança implacavelmente sobre o patrimônio dos cidadãos, os contribuintes que defendem que deveriam pagar mais tributos parecem estar acometidos pela Síndrome.

Isso porque essas vítimas desenvolvem um sentimento de profunda identificação com o Estado, ao ponto de acreditarem que, se recolherem mais tributos, contribuirão efetivamente para uma melhor distribuição de renda, que promoverá redução da desigualdade entre ricos e pobres e, em última instância, justiça social. Para tais vítimas, que acreditam ser função do Estado a correção de distorções sociais indesejadas, a ilusão de que o pagamento de mais tributos é necessário para a resolução de problemas sociais está fortemente enraizada.

Curiosamente, trata-se de uma visão que não está restrita às camadas da população dependentes do assistencialismo estatal, já que também passou a ecoar fortemente entre os empresários brasileiros. Nesse sentido, já podem ser facilmente encontradas manifestações de sócios de empresas que, por exemplo, denunciam estar sujeitos a uma carga tributária inferior àquela de seus empregados e, por identificarem nessa discrepância um fator de agravamento de desigualdades, pedem por reformas tributárias que permitam reduzir a distância econômica entre pobres e ricos.

Não há dúvidas de que os brasileiros se encontram sujeitos a uma elevada carga tributária. Conforme dados disponibilizados pelo Ministério da Economia, no ano de 2021, a carga tributária combinada da União, dos Estados e dos Municípios representou 33,90% do PIB daquele ano. Significa dizer que, somente em 2021, as diferentes esferas de governo arrecadaram dos brasileiros R$ 2.942 trilhões de reais a título de tributos.

Repare-se que, a despeito de uma arrecadação tributária equivalente a um terço da soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos no país, o Estado ainda falha em grande medida no cumprimento satisfatório dos muitos deveres que lhe foram atribuídos pela Constituição de 1988. Assim, simplesmente tributar mais os ricos em detrimento dos pobres certamente não alterará esse cenário.

Por conta disso, as críticas ao sistema tributário tupiniquim são normalmente direcionadas: (i) à notória regressividade da tributação sobre o consumo no Brasil, isto é, como os tributos incidentes sobre um bem ou serviço normalmente não variam em função da capacidade econômica do consumidor, a carga tributária é proporcionalmente mais pesada para aqueles que possuem uma renda menor; (ii) à tabela do imposto de renda da pessoa física, que está bastante desatualizada em relação à inflação e contém poucas faixas de tributação; e (iii) à isenção do imposto de renda da pessoa física sobre lucros e dividendos pagos pela pessoa jurídica.

Como ponto em comum entre essas críticas, defende-se a implementação de reformas, para que a carga tributária passe a penalizar mais aqueles que dispõem de mais renda e menos aqueles em situação não tão privilegiada, que então disporiam de mais recursos para elevarem as suas condições de vida. Para as vítimas do Estado acometidas pela Síndrome de Estocolmo, os ricos precisam desenvolver uma consciência social que exige entregar cada vez mais recursos ao Estado para que os pobres sejam finalmente libertados.

Para além desse perigoso proselitismo, é preciso entender a razão simples pela qual reformas que propõem a reorganização da carga tributária estão normalmente fadadas ao fracasso: além da União, o Brasil possui 26 estados, um Distrito Federal e mais de 5.500 municípios, todos com poderes para instituir os seus próprios tributos. Além disso, a União é obrigada a repassar parte da sua arrecadação tributária para o Distrito Federal e os estados e municípios e, por sua vez, os estados destinam parte da sua arrecadação para os municípios.

Considerando o risco de que uma reforma tributária poderá implicar a perda de receitas tributárias, de um lado, e as rígidas regras estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de outro, começa-se a entender as barreiras políticas que atravessam o avanço das discussões sobre reformas tributárias. A redução de alguma receita tributária deve necessariamente ser compensada pela previsão de outra fonte de receita, o que nos remete à imagem do cobertor curto: cobre-se a cabeça ou os pés, jamais os dois simultaneamente.

Não bastasse isso, a utilização da tributação como instrumento indutor de redução de desigualdades sociais traz à tona questões morais tormentosas sobre a definição de critérios que privilegiarão certos grupos e prejudicarão outros.

O que pode então ser feito? De imediato, há quatro pautas que merecem ser priorizadas e que estão conectadas.

Em primeiro lugar, deve-se buscar a reforma que é mais factível: a simplificação dos deveres tributários. De acordo com o estudo Doing Business Subnacional Brasil 2021, elaborado pelo Banco Mundial, as empresas brasileiras gastam anualmente entre 1.483 e 1.501 horas para cumprir as suas obrigações tributárias, mais do que em qualquer outro país. Em um distante segundo lugar, encontra-se a Bolívia, onde são necessárias 1.025 horas. Tamanha dificuldade em manter a regularidade tributária impacta negativamente a economia e estimula a informalidade, com evidentes repercussões sobre a arrecadação tributária.

Em segundo lugar, a fusão de tributos que incidam sobre bases similares, para tornar menos complicado o sistema tributário e, consequentemente, o custo da conformidade com a legislação tributária.

Em terceiro lugar, a simplificação e estabilização da legislação tributária. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, entre 1988 e 2018, foram editadas em dias úteis uma média de quase 2 normas tributárias por hora. Essa alarmante situação exige das empresas a alocação de recursos relevantes para tentarem atender a uma legislação em constante alteração, mas que poderiam ser destinados a outros fins.

Por fim, em quarto lugar, a promoção daquilo que parece ser o óbvio: mais segurança jurídica nas relações entre contribuintes e Estado. Para se ilustrar o caos tributário instaurado no Brasil, chegou-se ao ponto de se propor em projeto de lei que as autoridades fiscais estão proibidas de cobrar tributos contrariamente à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tamanha a insistência do Estado em desrespeitar as decisões desses tribunais.

Veja-se que nenhuma dessas medidas visa à redução de tributos para os mais pobres e ao aumento para os mais ricos. Porém, todas elas cumprem o objetivo de fomentar a atividade econômica, na medida em que reduzem complexidades e eliminam incertezas para as empresas, que então diminuirão seus gastos com questões fiscais.

A consolidação de uma arrecadação tributária mais simples e eficiente é imprescindível para o surgimento de um ambiente político propício para alterações estruturais no sistema tributário brasileiro. Apenas nesse contexto favorável que se poderá obter uma redução da carga tributária que reflita as diferentes capacidades econômicas dos contribuintes, especialmente aqueles mais pobres, sem necessariamente submeter as demais camadas da população a uma tributação mais gravosa.

Nesse momento, quem sabe, será possível livrar as vítimas da Síndrome de Estocolmo tributária das amarras psicológicas com o Estado.

*Hugo Schneider Côgo é Associado II do Instituto Líderes do Amanhã.

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