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Entre textos e contextos: como devemos interpretar as palavras e ações históricas de um liberal?

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Ao começar a caminhada pelas ideias da liberdade, raramente recebemos estas ideias de forma pura. Pelo contrário, recebemo-las por meio de associações com pensadores, como Adam Smith (1723-1790), Alexis de Tocqueville (1805-1859), Ludwig von Mises (1881-1973), Friedrich Hayek (1899-1992), entre outros. É inevitável a curiosidade para procurar, na biografia destes autores, a relação deles com as ideias da liberdade.

Depois do início dessa caminhada, rapidamente nos vemos diante daquilo que supostamente seriam “contradições” na obra desses autores. Inclusive, muitas das críticas a autores liberais levantadas pelos seus oponentes buscam essas “contradições”. Assim, é muito comum ver o levantamento de argumentos como “Milton Friedman apoiou o ditador Augusto Pinochet”, “Murray Rothbard apoiou a eleição de Bush pai”. A pergunta que precisamos levantar nesse momento é: como devemos interpretar as ações históricas desses (e outros) liberais?

Ao refletir sobre a pergunta formulada, uma boa inspiração vem das observações propostas pelas ciências históricas, particularmente no campo da “história intelectual”, também conhecido como “história das ideias”. Nesta área do conhecimento, duas escolas se destacam: o “Idealismo” e o chamado “Contextualismo”.

A escola conhecida como “Idealismo” formou-se na primeira metade do século XX. Podemos vincular a essa tradição nomes de importantes historiadores, como os filósofos Arthur Oncken Lovejoy (1873-1962) e Leo Strauss (1899-1973) e o economista Joseph Alois Schumpeter (1883-1950). Em uma síntese um tanto “verde”, mas suficiente para os nossos propósitos, essa escola entende a história das ideias como uma sucessão de problemas que se repetem nos mais diversos campos das ciências humanas, como a Filosofia (no caso de Lovejoy) e a Economia (no caso de Schumpeter). A partir desses problemas, formulam-se respostas que variam com o passar do tempo e são julgadas a partir dos méritos e deficiências de cada autor no desenvolvimento de seus respectivos campos do conhecimento.

Em um campo oposto ao do Idealismo, e que se estruturou a partir do início da segunda metade do século XX, temos o Contextualismo. Tal escola tem o seu centro nas pesquisas históricas desenvolvidas na Universidade de Cambridge por importantes autores, tais como Peter Laslett (1915-2001), John Greville Agard Pocock (n. 1924) e Quentin Skinner (n. 1940). Em uma definição igualmente verde, esta escola se afasta de um tratamento idealista das ideias para adotar pesquisas que buscavam localizar os autores nos problemas de seu próprio tempo. Esta localização parte, em grande parte, de elementos linguísticos, particularmente dos instrumentos retóricos utilizados pelos autores estudados.

A partir desta breve apresentação de ambas as escolas, voltamos ao nosso problema central: como devemos interpretar as ações históricas dos autores liberais? Como reagir ao se deparar com supostas “contradições” entre as ideias defendidas nos livros e as ações (ou declarações) que eles deram em vida?

Primeiramente temos os livros escritos por autores liberais. Não raras vezes os leitores buscam nesses livros respostas para as inquietações e problemas políticos e econômicos da época em que vivemos, tal como aprendemos com o Idealismo. Tal postura não é condenável ou passível de críticas de nossa parte. Todavia, como aprendemos com o contextualismo, talvez seja ainda melhor ler esses livros tendo em mente que são produtos de seu tempo, com problemas e inquietações da época em que seus autores defenderam as suas ideias. Assim, podemos melhor compreender, a título de exemplo, as concessões feitas por Friedrich Hayek (1899-1992) ao estado em alguns de seus livros, tão criticadas por libertários a partir de critérios idealistas, como o funcionamento de uma sociedade libertária.

A seguir, temos a maior parte das discórdias envolvendo muitos autores liberais, particularmente nas atitudes que tomaram, particularmente na política. Exemplos pululam na história do liberalismo e suas vertentes. Murray Rothbard votou, nas eleições presidenciais de 1988, em George H. W. Bush (1924-2018), um neoconservador, com uma política externa completamente oposta ao libertarianismo. O nome de Milton Friedman (1912-2006) e da Escola de Chicago ficou associado ao governo autoritário de Augusto Pinochet (1915-2006), entre muitos outros exemplos. Novamente, ao aplicar algumas das lições do Contextualismo, precisamos entender que as ações de um autor estão limitadas a um contexto, a certas eventualidades e problemas que podem não imediatamente estar ao alcance do leitor, mas que explicam essas supostas “contradições”. Da mesma forma, uma postura idealista, tomando as ideias do autor levemente dissociadas do contexto em que viveram, pode ser uma saída. Com isso, evitamos o debate pobre de autores liberais, e fica de lição para um embate com autores de esquerda, buscando mais o engajamento com as ideias e relevando as discussões pessoais a um plano mais baixo.

Chegando ao final de nossa reflexão, aplicando algumas lições bem iniciais de idealistas e contextualistas, a mensagem que fica é a de que a leitura de um autor fica enriquecida com uma atenção não apenas às suas ideias, mas também ao contexto destas palavras, à situação no entorno vivido por ele, bem como às ações que ele tomou nesse entorno. Dessa forma, não se devem ler de forma descuidada os prefácios ou introduções aos livros, pois eles permitirão ao leitor escapar de polêmicas um tanto desnecessárias, bem como a compreensão mais profunda das ideias defendidas por liberais, conservadores e libertários.

*Otavio Ferrari Piaskowski possui Graduação em História pela Universidade Tuiuti do Paraná (2017), Especialização em História Cultural pelas Faculdades Integradas Espírita (2019) e em Escola Austríaca pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil (2021).

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