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Os problemas de uma sociedade sem dinheiro

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“Infelizmente eu vivo num país em que a gente precisa trabalhar, a gente precisa produzir e precisa de dinheiro”, foi a frase dita pelo militante Tico Santa Cruz enquanto pedia para que seus seguidores nas redes sociais conhecessem seu trabalho como músico. De acordo com Tico, seu público interage muito mais quando ele posta sobre política que sobre música.

Tal frase me lembrou a franquia hollywoodiana Jornada nas Estrelas, mais especificamente o filme de 1996 chamado “Primeiro Contato”. No filme, o capitão Picard explica a um visitante do século 21: “A economia do futuro é um pouco diferente. Veja bem, dinheiro não existe no século 24.” Seria Tico Santa Cruz um futurista, um visionário que busca um ideal que todos nós deveríamos nos esforçar para alcançar? Ou a ideia de uma sociedade sem dinheiro é algo estúpido e impraticável?

O capitalismo tem sido incrivelmente bem-sucedido em tirar a maior parte da humanidade da pobreza, incentivando a criação de tecnologias incríveis que melhoram a vida, como as que Tico Santa Cruz usa para fazer e comercializar sua música; e também dar suas opiniões sobre política e economia. Apesar do seu inegável sucesso, não faltam pessoas que fazem críticas ao sistema e propõem melhorias. Jornada nas Estrelas e Santa Cruz estão longe de ser os primeiros a propor uma espécie de mundo do Jardim do Éden, onde tudo é abundante e gratuito. Karl Marx imaginou uma utopia semelhante. O comunismo, disse ele, em última análise, traria um mundo sem dinheiro. Escreveu o alemão:

“No caso da produção socializada, o capital monetário é eliminado. A sociedade distribui a força de trabalho e os meios de produção aos diferentes ramos da produção. Os produtores podem, em todo caso, receber vales em papel que os habilitam a retirar da oferta social de bens de consumo uma quantidade correspondente ao seu tempo de trabalho. Esses vouchers não são dinheiro. Eles não circulam”.

Em outras palavras, Marx acreditava que os planejadores centrais deveriam dizer às pessoas o que elas deveriam fazer para garantir bens de consumo. Porém, os trabalhadores também poderiam perseguir quaisquer hobbies ou ocupações que lhes agradem. Escreveu o sustentado por Engels: “ninguém tem uma esfera exclusiva de atividade, mas cada um pode se realizar em qualquer ramo que desejar, a sociedade regula a produção geral e assim me permite fazer uma coisa hoje e outra amanhã, caçar de manhã, pescar à tarde, criar gado à noite, criticar depois do jantar, como tenho em mente, sem nunca me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico”.

Devido ao fato de que, em tal mundo, “a sociedade regula a produção geral”, apenas os planejadores centrais precisam se preocupar como tudo isso de alguma forma se soma para atender às necessidades de todos. O trabalhador não precisa ter em mente produzir bens em demanda que ele possa trocar por outros – isso é responsabilidade do governo central.

Apesar de Marx se considerar um cientista social e economista – e embora suas ideias ainda sejam algumas das mais amplamente ensinadas -, elas não são levadas a sério nas faculdades de economia (exceto talvez a UNICAMP). Isso porque praticamente todas as hipóteses de Marx foram por água abaixo (prometo escrever outro texto me aprofundando nesse assunto). Ora, quem vai se preocupar em criar/inventar/produzir novos instrumentos musicais – como as guitarras elétricas que Tico Santa Cruz toca -, sem algum tipo de incentivo financeiro?

Para aqueles que não acham tal senso comum convincente – ou que pensam, como Marx pensava, que a natureza humana de alguma forma misteriosamente mudará –, a impraticabilidade do estado sem dinheiro de Marx foi demonstrada pelo que os economistas austríacos passaram a chamar de problema do cálculo. Em suma, sem preços, as pessoas não têm meios quantificáveis ​​e relacionáveis ​​de comparar e contrastar opções sobre como gastar tempo e capital, o que é vital para determinar a melhor forma de usar esses recursos naturalmente escassos.

Para exemplificar o parágrafo anterior, vamos fazer uma analogia com um show de uma banda – por exemplo, os Detonautas. Nesta analogia, o “engajamento” é o dinheiro. É humanamente impossível que a turma do Tico toque todos os dias e em todos locais do Brasil. Assim, é necessário escolher as cidades que geram mais “likes”. Há locais em que um show do grupo musical ganharia mais engajamento do que em outros. Provavelmente um show em São Paulo (12,3 milhões de habitantes) geraria maior procura do público do que em Serra da Saudade – MG (781 habitantes). Logo, o tempo dos músicos (que é um recurso escasso) seria melhor gasto na capital paulista do que no interior de Minas Gerais.

Outro problema é que uma sociedade sem dinheiro não é apenas impraticável, mas também profundamente imoral. Sem dinheiro (e os direitos de propriedade subjacentes a ele), todos nós estaríamos verdadeira e totalmente alienados do valor do nosso trabalho. Em outras palavras, sem dinheiro seria impossível saber quanto de valor geramos para a sociedade e, consequentemente, quanto poderíamos exigir em troca por tal valor gerado. Marx muitas vezes reclamou de capitalistas gananciosos alienando trabalhadores de seu trabalho; porém, nada seria capaz de alienar os trabalhadores mais do que sua sociedade utópica, onde o capital é inexistente.

Finalizo o texto ressaltando que, haja vista a qualidade musical de Tico, não me surpreende a baixa interação quando ele fala de seu trabalho. O que me surpreende (e me preocupa) é a alta interação quando ele fala de política e economia.

*Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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