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Sobre liberalismo, vícios e virtudes

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O leitor Alexandre Guimarães Carvalho fez o seguinte comentário sobre o meu último artigo, em que defendi a liberdade de preços – e seus respectivos aumentos em tempos de escassez – como o melhor antídoto contra o desabastecimento:

“O congelamento por parte do governo se mostrou ineficaz. Eu prefiro que estejam caros que não existam nas prateleiras. Mas desde o ponto de vista das virtudes clássicas, parece-me óbvio que é imoral aumentar o preço de um produto que salva vidas. Eu defendo o liberalismo econômico por causa disso, porque a ganância existe e é muito difícil de controlar. Ou seja, AS PESSOAS SÃO IMORAIS. Eu tenho isso muito claro e espero que quem defende também tenha claro e reflita sobre isso. A ganância não é intrinsecamente boa. Alguém tem alguma dúvida quanto a isso? Alguém acha que gastar 25 mil dólares em uma bolsa ou 1 milhão em um carro no contexto em que vivemos é saudável? A moderação é uma virtude clássica. O excesso nunca foi virtude e nunca será.”

O ponto importante a destacar aqui é que o liberalismo, ao contrário do que muita gente pensa, de forma nenhuma é uma doutrina que incentiva determinados vícios e negligencia as virtudes clássicas – entendidas aqui como aquelas esmiuçadas por Aristóteles em “Ética a Nicômaco”.

Por se tratar de uma filosofia individualista – segundo a qual o indivíduo é o centro e a justificativa da análise social e, por extensão, do ordenamento político -, o liberalismo econômico costuma ser impropriamente atacado por seus opositores como apologista da ganância e, principalmente, do egoísmo.

Como já tive ocasião de destacar alhures, a palavra “individualismo” pode ser empregada de duas maneiras distintas. A primeira – e mais importante – não tem sinonímia e é geralmente utilizada em oposição a “coletivismo”. De acordo com o Dicionário Houaiss, individualismo é a “doutrina moral, econômica ou política que valoriza a autonomia individual, em detrimento da hegemonia da coletividade despersonalizada, na busca da liberdade e satisfação das inclinações naturais”. O outro significado é meramente lexical, sem qualquer conotação filosófica, política ou econômica: “tendência, atitude de quem revela pouca ou nenhuma solidariedade e busca viver exclusivamente para si; egoísmo”.

A simples existência desta segunda acepção é suficiente para provocar inúmeras confusões terminológicas e dificultar o correto entendimento filosófico do individualismo, além de fornecer aos coletivistas material precioso para seus ataques e sofismas, invariavelmente calcados num suposto dualismo entre “individualismo” e “altruísmo”, o que, como veremos, é um completo disparate.

Foi o filósofo individualista Adam Smith quem cimentou os alicerces do liberalismo econômico clássico quando, ao encampar, esmiuçar e aperfeiçoar a doutrina do “laissez-faire”, inferiu, dentre outras coisas, que a prosperidade e a opulência das sociedades dependiam muito mais do esforço de cada indivíduo na busca de seus próprios interesses do que da benevolência desses mesmos homens ou da interferência do Estado nos assuntos econômicos. Numa de suas mais famosas citações, Smith afirma que

“todo indivíduo está continuamente empenhado em descobrir os mais vantajosos empregos para os capitais sob seu comando. É o próprio lucro que ele tem em vista, e não o da sociedade. Porém, ao examinar o que melhor lhe convém, ele naturalmente, ou melhor, necessariamente, acaba preferindo aquele emprego que é mais vantajoso para a sociedade”.

São diversos os trechos em “A riqueza das nações” onde se encontram citações semelhantes, sempre enfatizando que é pela busca dos próprios interesses, e não pela desejável, porém nem sempre presente, virtude da benevolência, que os empreendedores contribuem para a prosperidade das nações.

Estas constatações, se por um lado revolucionaram a forma de enxergar a economia política, de outro forneceram ainda mais munição aos coletivistas, embora Adam Smith jamais tenha feito qualquer glorificação ou demonstrado encantamento por uma suposta virtude do “egoísmo”, nem tampouco elaborado qualquer crítica à caridade, à solidariedade, à benevolência ou ao altruísmo, como alguns supõem. Muito pelo contrário.

Tanto na “Riqueza das Nações”, quanto na “Teoria dos sentimentos Morais”, Smith sempre fez questão de enaltecer aqueles valores. Na TSM, por exemplo, ele nos diz que

“todos os membros de uma sociedade humana necessitam de mútua assistência, assim como estão expostos a injúrias mútuas. Onde quer que a necessária assistência seja reciprocamente mantida pelo amor, pela gratidão, pela amizade e pela estima, a sociedade florescerá e será feliz”.

Num outro trecho ele descarta qualquer forma de maniqueísmo relacionado aos sentimentos, virtudes e vícios humanos, quando afirma: 

“Por mais egoísta que um homem supostamente possa ser, existem, evidentemente, alguns princípios em sua natureza que o fazem importar-se com a sorte dos demais, tornando a felicidade destes necessária a ele, embora ele não lucre nada com isto, exceto o prazer de assisti-lo”.

Como se vê, o interesse próprio estacado por Adam Smith e pelos liberais não se confunde de forma alguma com egoísmo nem tampouco com ganância – malgrado seja inegável que tais vícios são parte da natureza humana, sendo mais pronunciados em alguns indivíduos e menos noutros.  Por outro lado, é perfeitamente possível compatibilizar uma ordem econômica de livre mercado e uma sociedade benevolente, altruísta e solidária, desde que – e esta é uma ressalva importantíssima – essas virtudes sejam tomadas no seu sentido exato, como atitudes/ações livres e voluntárias – portanto individuais -, jamais coletivas ou forçadas pelo poder coercitivo do Estado, como querem impor os socialistas/intervencionistas.

 

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

3 comentários em “Sobre liberalismo, vícios e virtudes

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    07/02/2016 em 7:01 pm
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    De qualquer forma, já li colunistas de corte liberal dizerem que denunciar a ganância é “carolismo”. É o caso de Narloch, que escreveu “Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo”.

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    07/02/2016 em 9:13 am
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    Além da ditadura (que de liberal não tinha nada), a associação entre conservadorismo e liberalismo é extremamente prejudicial, no meu entender. Estou lendo a Scrutton e refletindo sobre isso. É óbvio que na vida há coisas que queremos conservar e outras que precisamos mudar e renovar. Eu vejo pessoas aqui reclamando da postura de alguns colunistas sobre o aborto, por exemplo. Essa postura inflexível sobre o aborto (“não pode nunca”) me parece muito burra. Aqui é um caso onde a mudança se faz necessária. Mas enfim, o que quero dizer é que a associação entre certo pensamento conservador intransigente e liberalismo econômico faz com que muita gente tenham nojo das ideias liberais.

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    07/02/2016 em 9:02 am
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    Ainda não li Adam Smith, já que, para minha vergonha, o estou descobrindo o Liberalismo com 40 anos. Bem, minha vergonha em parte. Simplesmente não vemos isso na escola, pra começar. Nosso trauma com uma ditadura “de direita” nos fez colocar tudo o que é considerado “de direita” como “o mal”. Existe muita confusão, fantasia e simplificação da realidade na cabeça das pessoas. As pessoas que estão me “abrindo os olhos” foram transformadas em caricaturas, algumas vezes por culpa delas mesmas, por causa de algumas extravagâncias desnecessárias: Rodrigo Constantino, Luis Felipe Pondé, Reinaldo Azevedo…

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